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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 31 30 JANEIRO | JUNHO 2017 dente, cumpra a função de conectar cidadãos e comunidades, hámuito em vias de conexão espontânea. Jenkins reconhece que se trata de um processo em construção. Define- -se como um “utópico crítico”, capaz de enxergar novas possibilidades de diálogo, cooperação e protagonismo, nas democracias contemporâneas, em contraste com o pensamento que identifica o “pessimista crítico”, asso- ciado a autores como Mark Crispin Miller e Noam Chomsky, cujo foco prossegue sendo o tradicional dis- curso de denúncia da “grande mídia”. Do ponto de vista que inspira este tra- balho, é perfeitamente irrelevante o tema do “tamanho” de um veículo de mídia, seu pertencimento a uma rede local ou global, pública ou pri- vada. Pouco importa que a BBC tenha perto de 35 mil colaboradores dire- tos ou indiretos e que um site qual- quer seja produzido por um único jornalista. Omundo convergente, tal como descrito por Jenkins, será pro- gressivamente indiferente a formas tradicionais de poder. Ele tenderá a reconhecer cada vez menos a ideia de gatekeepers preferenciais 25 capa- zes de editar, deste ou daquele ponto de vista, o debate público. Muito menos reconhecerá gatekeepers ofi- ciais. O mundo convergente marca, em boa medida, a dissolução da ideia de gatekeeping , oferecendo lugar a um universo de múltiplos e instá- veis centros de referência. Nesse universo, não diremos que a comunicação pública perdeu seu sig- nificado. Diremos apenas que muitas das razões que serviam para justifi- car a sua existência desapareceram ou encontram-se em vias de desapa- recer. De modo sintético: falhas de mercado associadas à provisão insu- ficiente de conteúdos perderam sua relevância. Isso envolve a geração de conteúdos educativos (cursos, pales- tras e debates) que constavam no Decreto-Lei 236/67, que definiu os objetivos da comunicação pública no Brasil, assim como opções de entre- tenimento e informação jornalística. Envolve tambémo que podemos cha- mar de “espaços de cidadania” (auto- -organização nas redes sociais, peti- ções online, blogs, canais de advocacy etc.). Nessa mesma direção, ampliou- -se substancialmente a diversidade da oferta. Conforme observam Dijk, Nahuis e Waagmeester, “diferentes consumidores podem ser cobrados a preços variados por pacotes diver- sos de programação de forma a cobrir mais apropriadamente demandas individuais” (Dijk, Nahuis e Waag- meester, 2006). Transformações estruturais Na tabela a seguir, buscamos sintetizar oquadrode transformações estruturais a que assistimos no terreno da comu- nicação. O foco se concentra no elenco de falhas de mercado (bens públicos, monopólionatural, assimetriade infor- mação, externalidades e bens meritó- rios). Oobjetivo não é detalhar o tema, emparte jáabordado.Opontoémostrar queocontextodaabundância informa- cional convida a uma revisão do argu- mentodas falhasdemercadocomo fun- damento para a comunicação pública. Relativamente ao argumento da assimetria de informação, é possível Falha de mercado Modelo tradicional Era da convergência Bem público Sistemas abertos (não exclusão, não rivalidade 26 ) - conditional access systems 27 (TV a cabo, satélite, streaming, PVRs 28 ) Monopólio natural Spectrum constraint, custos de produção elevados, custo marginal de difusão irrelevante - digital compression - comunicação digital - redução custos (informação, debate, educação) Assimetria de informação Comunicação como um experience good - competição - reputação - soberania do consumidor Externalidades Externalidades negativas ( dual value , recei- ta publicitária): deseducação, invasividade. Externalidades positivas: baixa provisão. - externalidades negativas: regulação 29 - externalidades positivas: efetividade Bens meritórios ( Dual value 30 , receita publicitária): baixa qualidade, cultura de massa. - mercados de nicho. - “riqueza estrutural” 31 Efetividade Alta Baixa 26 Os sistemas abertos, com financiamento advindo fundamentalmente da venda de anúncios, tendem a favorecer a padronização, a oferta de cultura de massa e programas voltados ao grande público. Neste quadro, a diversificação, inovação e oferta de qualidade são reduzidas, e o tempo gasto com comerciais tende a ser excessivo (Armstrong e Weeds, 2007). 27 Conforme Gordon Grovitz, apenas 10% dos lares americanos consomem hoje o tradicional modelo de televisão aberta. “TV’s Unnatural Monopolies”. Ver: http://www.wsj.com/articles/SB10001424127887324139404579016850166003972 28 Personal vídeo recorders (PVRs), que permitem a seleção de gravação de programas, inclusive suprimindo espaços comerciais, e com isso aumentando o grau de controle do consumidor sobre a programação que recebe. 29 O Brasil tem apostado em um ativo sistema de autorregulamentação publicitária, a partir da criação do Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, em 1972. Há uma expansão da atuação de grupos de advocacy , na sociedade civil, pressionando empresas e órgãos reguladores, em direção a políticas restritivas à publicidade danosa. Exemplo é a atuação do Instituto Alana e sua campanha restritiva à publicidade infantil. O tema é polêmico e muitos argumentam que, em um quadro de progressivo consumo de imagem na internet, há uma tendência à inocuidade desse tipo de política restritiva. De qualquer modo, é um exemplo de ação regulatória visando restringir eventuais externalidades negativas produzidas pela TV aberta. 30 Dual value system refere-se à dupla exigência, típica das TVs abertas, na fase anterior à revolução tecnológica, para o atendimento do mercado de anunciantes e a ampliação constante de audiência. O resultado foi, historicamente, o incentivo a programas comumentemente associados à cultura de massas. O surgimento da TV por assinatura e dos canais digitais gerou infinitas alternativas de programações de nicho, voltadas a públicos específicos e com níveis diversos de sofisticação. 31 Argumento da “riqueza estrutural da vida cultural”, na linha desenvolvida por Ronald Dworkin (Dworkin, 1985). Dworkin argumenta que o Estado pode desempenhar um papel na correção de falhas no mercado cultural, mas deve fazê-lo de modo a evitar o elitismo e o paternalismo. Deve apoiar grandes áreas culturais potencialmente capazes de beneficiar a todos, incluindo aí futuras gerações. No universo da comunicacão, poder-se-ia imaginar o governo oferecendo incentivos para a produção de conteúdo audiovisual de qualidade para o público infantojuvenil, diante de uma eventual provisão insuficiente por parte do mercado. Uma hipótese é considerar que, de fato, a oferta pública de comunicação só fazia mesmo sentido em um cená- rio de escassez e restrição de uso do espectro eletromagnético. Isso pode explicar, emboa medida, a razão pela qual a comunicação pública nunca foi pensada, ao menos de modo rele- vante, no contexto do mercado de mídia impressa. Bons veículos públi- cos de mídia impressa podem, em tese, corrigir problemas de assime- tria de informação, gerar externali- dades positivas e bens meritórios. Tais razões, entretanto, nunca foram decisivas para que o Estado atuasse de modo a corrigir eventuais falhas nessemercado (Lindstädt, 2010). Não é difícil supor que, à medida que as restrições de espectro desaparecem, e as limitações de oferta associadas sustentar a tese de que, dada à pro- fusão da informação e à conexão das redes de consumidores (reputation trail, crítica, avaliação de expecta- dores, ranking de audiência etc.), os bens informacionais e de entreteni- mento passam a assumir progressi- vamente características de bens de busca ( search goods ), menos sujeitos a problemas de assimetria de infor- mação comuns no modelo tradicio- nal de informação. À parte esse fato, dificilmente uma agência público- -estatal de comunicação consegui- ria funcionar com mais eficiência do que o mercado em sua correção. Há aí um problema de efetividade, que mencionamos ao final da tabela. O argumento da efetividade funciona da seguinte maneira: boa parte das razões que sustentou a comunica- ção pública, historicamente, estavam baseadas na ideia de que uma agência público-estatal independente poderia ser efetiva na correção de falhas de mercado. Armstrong e Weeds suge- rem que esse foi o caso exemplar da BBC, quando a emissora, “em seu tempo de monopólio, podia efetiva- mente forçar os telespectadores a assistir aos programas que ela imagi- nava que eles deveriam assistir, tendo como alternativa desligar o apare- lho” (Armstrong e Weeds, 2007). As condições de efetividade prosse- guiram tendo validade enquanto o númerodecanaisdisponíveis aindaera relativamente limitado. Em um con- texto de oferta abundante, não obs- tante, a capacidade da comunica- ção pública para produzir resulta- dos significativos é crescentemente mais reduzida. 25 Referência ao clássico argumento do gatekeeper , em teoria do jornalismo, desenvolvido originalmente por David White.
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