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38 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 39 está fora da bolha e depois se surpre- endem com resultados que estão fora de suas previsões. Portanto, o nosso desafio é muito grande, e não contamos ainda com muitos estudos acadêmicos que aju- dema nos guiar. Eles apenas começam a ser feitos, mas os primeiros resulta- dos sugerem que sua disseminação é muito grande nasmídias sociais e que um grande contingente de pessoas é incapaz de (ou não está disposto a) discerni-las das verdadeiras. Pesquisas apontam para uma por- centagem em torno de 25% das pes- soas nos Estados Unidos que não percebem a falsidade da notícia ou mesmo que a percebame ainda assim ajudam a disseminá-la. Outra tentação é procurar abrigo em novas leis que punam quem faz o “mal”. No Brasil há umprojeto de lei, o PL 6812/2017, de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que estabelece pena de detenção de 2 a 8meses e pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa (valor unitário a ser pago pelo réu a cada dia de multa determinado pelos magis- trados), por divulgação ou comparti- lhamento de notícia falsa ou “preju- dicialmente incompleta” na internet. Esse tipo de lei é um perigo, por- que ninguém sabe quem vai definir notícia falsa. Para Trump, tudo que o New York Times e a CNN veiculam é notícia falsa. Se uma lei dessas é aprovada nos Estados Unidos, Times e a CNN poderiam ser punidos por publicarem diariamente fake news na opinião do presidente ou do juiz que for tratar do caso. Fenômeno social e cultural O jornal O Estado de S. Paulo está cen- surado há anos por causa de uma ação emfavor do ex-presidente José Sarney. O caso envolve uma notícia absoluta- mentecorretadopontodevista factual, mas o presidente Sarney, com a ajuda de juízes,mantémo jornal sobcensura. Não pode divulgar até hoje detalhes  do caso em que o presidente Sarney e seus filhos estão envolvidos. Não é conveniente procurar abrigo no governo ou na Justiça. Não é esse o caminho. Mesmo com as melhores intenções, definir notícia falsa é com- plicado. A biblioteca daHarvardUni- versity fez uma lista de produtores de notícias falsas nos Estados Uni- dos. Incluiu The Onion , que é um jor- nal satírico e publica manchetes que são evidentemente não verdadeiras, mas para fazer graça. Harvard tam- bém colocou no rol a revista National Review , fundada porWilliamBuckley Jr., revista seriíssima, de opinião, que defende pontos de vista de direita. As leis que existemno Brasil sobre os abusos da liberdade de expressão por infâmia, injúria, calúnia e difama- ção são suficientes. Servempara qual- quer pessoa e qualquer jornalista tam- bém. Não precisamos criar novas leis para punir um fenômeno que é social e cultural e que temque ser resolvido socialmente e culturalmente. A nós cabe cada vez mais ser fiéis aos cânones do jornalismo profissio- nal, às práticas que se solidificaramao longo de séculos, aplicar-nos cada vez mais na checagem das informações, não nos apressar para publicar notí- cias para obter furo, principalmente na era da internet, em que segundos parecem fazer diferença. Temos que amparar as checagens de informações mais do que nunca e seguir os estritos códigos de conduta e de ética de profissionalismo do jorna- lismo e ajudar a sociedade a aprender a distinguir entre o que é fato e o que não é fato. Não se vai acabar comonão fato: é impossível. A tendência é isso só crescer daqui para a frente, porque a disseminaçãodasmídias sociaisnãovai ser estancada de uma hora para outra. Odesafio é enorme, mas a nossa única saída é profissionalismo. Se nós não formos profissionais, nós não temos escapatória, não vai ser pelasmãos do governo ou por novas leis que vamos sair dessa enrascada. ■ carlos eduardo lins da silva é livre- -docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor . A indústria das fake news faz dinheiro com anúncios distribuídos em sites com maior visibilidade como afirmam antes de qualquer coisa os executivos do Facebook e do Google, sempre que são entrevistados, notícia falsa não é novidade. Mas dois anos atrás soaram os primeiros alar- mes mais objetivos de que algo dife- rente estava acontecendo. Não havia – e não há até hoje – como pesquisar extensiva e indepen- dentemente os dados do Facebook, mas umestudo da Georgia Techmos- trou que um quarto do fluxo mun- dial no Twitter era informação sem credibilidade. O Facebook anunciou então, no início de 2015, suas primei- ras e vagas ações contra os sites de notícias falsas. Um ano depois, um levantamento do BuzzFeed, focado nas páginas de Facebook de nove sites sabida- mente dedicados a criar fake news ,  descobriu que o engajamento comos posts havia triplicado em dois meses – dando início ao que se apelidou, a partir de então, “a era de ouro das notícias falsas”. Mas os casos de falsificação ainda eramrelativamente inofensivos, como um ridículo “apocalipse zumbi do ebola”, na África, ou uma agressão ao autor do atentado de Boston, na prisão. Ou, ainda, por aqui, o áudio fraudulento com a voz de uma jor- nalista da GloboNews sobre a vota- ção do impeachment. Procurado à época, oFacebookBra- sil respondeu, sem oferecer compro- vação: “Desde janeiro de 2015, temos visto um declínio no compartilha- mento de notícias falsas”. Mal sabia a rede social que os problemas esta- vam só começando. O duopólio Goo- gle-Facebook era então inquestioná- vel, o que também viria a mudar. Categorias da invenção Alan Rusbridger, editor-chefe do  Guardian por 20 anos, até 2015, e hoje diretor do Reuters Institute for the Study of Journalism, classifica três categorias denotícia falsa: aquelas deli- beradamente inventadas para ganhar dinheiro; as criadas emcampanha com fins políticos; e as surgidas, por exem- plo, numsite de humor, mas comparti- lhadas negligentemente como notícia. As três são estimuladas ou facili- tadas tanto por Facebook quanto por diversas plataformas do Google, mas sobretudo a primeira categoria, pois o duopólio premia páginas e sites de acordo como tráfego que gerampara os anúncios. E é cada vez mais publicidade. Em 2016, o faturamentomundial doGoo- gle alcançou 89,6 bilhões de dólares. O do Facebook, 27,6 bilhões de dólares. Nos Estados Unidos, segundo o InteractiveAdvertising Bureau (IAB), 89% do crescimento anual da propa- ganda digital ficou com ambos. Foi o primeiro ano em que os gastos publi- citários com internet somaram mais – 72,5 bilhões de dólares – do que os gastos com televisão – 71,3 bilhões de dólares. Parte do dinheiro dos anuncian- tes é transferido pelo duopólio para as páginas e sites, não importando se veiculamnotícias falsas oudiscursode ódio. Pelo contrário, quantomais sen- sacionalista o post, maiores a audiên- cia e o ganho com publicidade. Os negócios de Facebook e Goo- gle seguiram crescendo sem sola- vancos até julho de 2016. Foi quando  Antes tarde do que nunca por nelson de sá O duopólio Google-Facebook começa a agir para desmascarar posts e conteúdo no mínimo duvidoso que confundem usuários de plataformas digitais Este artigo é derivado de uma conferência para a Associação Nacional de Editores de Revistas.

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