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42 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 43 basta puxar damemória para ape- nas um ano atrás. As expressões pós- -verdade e fake news ainda não haviam sido transplantadas de alguns poucos trabalhos acadêmicos, omundo seguia embasbacado pelos números estonte- antes de audiência de Google e Face- book e pelo glamour exalado por duas marcas que conquistaram o universo digital e da comunicação praticamente semresistência. No ladodos ocupados, havia apenas desalento: circulações em queda,receitasmigrandonaponteaérea para o duopólio dos gigantes digitais e, pior, dedos apontados para jornalis- tas emeios de comunicação, desterra- dos ao passado sob o peso da expres- são “mídia tradicional”. Passados menos de seis meses, o jornalismo profissional começa a se erguer dopântanoemque forametido. Agora, volta a andar de cabeça em pé graças a um embrionário processo de reconhecimento do papel que a his- tória reservou à profissão: servir de mediadora entre fatos e fenômenos com o público, valendo-se dos relatos mais fidedignos possíveis e da plura- lidade de visões. Ironicamente, são agora os antigos profetas do futuro que, constrangidos, se veem na con- dição de dar explicações, buscar jus- tificativas e improvisar iniciativas de relações públicas para tentar demons- trar que se preocupamem agir contra a onda planetária de notícias falsas. É uma guinada e tanto. Há apenas cinco anos, na esteira da Primavera Árabe, as redes sociais eram incen- sadas como os novos libertadores dos povos oprimidos. Finalmente, os sem- -voz e sem acesso direto a meios de comunicação demassa tinhamencon- trado uma forma de transmitir sua mensagempara outros que pensavam como eles e, em última análise, para o resto do mundo. Embevecidos pelo novo instrumento que permitia emi- tir umamensagemsemfiltros, a custo baixíssimo e de forma instantânea, os com-voz não perceberam os primei- ros sinais de que a cada ação corres- ponde uma reação. Quando o desejo de liberdade chegou ao Irã, o regime estava mais preparado. A repressão identificou e prendeu os líderes da rebelião contra o poder dos aiatolás. Bastou seguir as pegadas digitais nas redes sociais e nos sistemas de tro- cas de mensagens. Duas revoluções começavam a morrer ali: a da liber- dade noOrienteMédio e a que prome- tia liberdade de expressão sem limi- tes e barreiras. Ingenuamente, a humanidade foi se entregando às redes, sem perce- ber que neste mundo não há nada de graça. O produto de Facebook e Goo- gle é o acesso à privacidade, um bem extremamente valioso quando se trata de oferecer publicidade dirigida ao gosto e hábitos do freguês. No caso das redes, havia outro fenômeno em formação sem que nem seus criado- res se dessemconta dos efeitos tóxicos que estavamgestando. Ao fragmentar omundo embolhas de opinião e inte- resses, o algoritmo que define o que cada um vai ver ou ler oferece ao usu- áriomais domesmo, na expectativa de que ele se manifeste, compartilhe ou dê likes sobre o conteúdo, revelando assim mais e mais sobre si mesmo.  O engajamento é o negócio dos gigan- tes, e, quanto mais alguém interagir como conteúdo, mais estará servindo aos propósitos de Facebook e Google. Essa fórmula era apenas uma efi- ciente forma para identificar o cliente mais propenso a adquirir um deter- minado produto até que a indústria da manipulação, motivada principal- mentepor interesses ideológicos eeco- Uma chance para o otimismo por marcelo rech A disseminação da falsidade causou muito estrago, mas há iniciativas para fazer a apuração profissional ganhar fôlego e conter a barbárie nômicos, se deu conta de que haviam encontradoumaavenidapara seuspro- pósitos. Para incentivar engajamento, o algoritmo esquadrinha o comporta- mento dos indivíduos e divide-os, por exemplo, entre os que frequentam o açougue e os que só põem os pés no mercado vegetariano. Um não quer saberdooutroe,mesmoquequisesse, o algoritmonão pretende ajudar a cons- truir uma ponte entre os dois univer- sos. Aocontrário, ele reforça as crenças e valores de cada usuário, que, quanto mais se engaja com um enfoque, mais recebe sobre ele. E assim teve início a escalada de intolerância que assusta a quem acompanha as consequências do pugilato digital. Desejo de aniquilação Outro efeito colateral, nãoprevistonos primórdios das redes: para conquistar adeptos e likes, o usuário tem de pos- taroucompartilhar conteúdos cadavez maisespetaculareseradicais, numcres- cendode virulência robustecido a todo instante pelo algoritmo. O resultado é que o frequentador do açougue ou do mercado vegetariano acabamnãoque- rendo mais apenas saber as novidades emcarnes, frutas e verduras. Eles dese- jamé a aniquilação do outro, a imposi- ção de seus costumes sobre as tribos adversárias. Ofenômenoficoupopula- rizado comobolhas ou câmaras de eco, nas quais as mesmas opiniões se repe- tem em infinitos likes, esmagando ou expulsando visões dissidentes. A indústriadamanipulação identifi- cou nomesmomecanismo umcampo fértil para as campanhas eleitorais. Demonstrar o valor e o projeto do can- didato nas redes já não é mais o obje- tivo principal. A indústria se deu conta de que as pessoas preferem compar- tilhar conteúdos espetaculosos, fofo- cas e temas apimentados. No Brasil, por exemplo, a “candidata lésbica” ou o “candidato traficante” ganha- ram muito mais compartilhamentos do que as propostas de ambos para a Previdência Social. Para reforçar a mensagem sensa- cionalista, era preciso também desa- creditar os meios de comunicação e o jornalismo profissional, a derra- deira barreira de contenção a avali- zar ou não as inverdades ou meias- -verdades a zanzar pela web. Assim, veículos forjados por gerações de profissionais no esforço da credi- bilidade foram transformados em vilões, suspeitos de ocultar informa- ções sob a acusação de estaremman- comunados com o adversário, fosse ele quem fosse. Ao usuário comum, que assim imagina ter acesso a infor- mações muito sigilosas sobre o que “a grande mídia quer esconder”, a história passa a se revestir de ares de verdade restrita a alguns escolhi- dos. E assim nascem e florescem as teorias da conspiração, um fenômeno que, até a difusão das redes, vivia na redoma do exotismo, como a histó- ria de que Hitler está vivo ou de que o homem nunca pisou na Lua. De uma hora para outra, teorias deliran- tes passaram a ganhar amplos espa- ços e vida próprios, transformando o que seriam antigamente eleitores bem-intencionados em crentes de que Hillary Clinton de fato mandava matar desafetos. Sembarreiras legais ou éticas, espe- cialistas em adulteração de informa- ções passaram a agir nos desvãos das campanhas. Nas Filipinas, a foto de uma menina de nove anos, que teria sido morta por usuários de drogas, foi decisiva para a eleição do trucu- lentoRodrigoDuterte em2016, meses

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