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54 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 55 Vida longa ao impresso Os últimos anos foram um desastre para as redações, e o pior é que talvez o noticiário digital não tenha futuro por michael rosenwald rogerfidleré precursor do jorna- lismo digital. No início dos anos 1980, ele escreveue ilustrouumensaio sobre o futuro dos noticiários. Seus colegas de trabalho caíam na risada quando Fidler dizia o que pensava na Knight Ridder, um dos maiores conglomera- dos de comunicação dos Estados Uni- dos, fundado nos anos 1970, que che- gou a reunirmais de 30 jornais diários e foi absorvidopor uma empresamuito menor em 2006, por pressão de acio- nistas insatisfeitos como desempenho da empresa, durante uma transição do impresso para o digital. “Não é como se Roger fosse umET que tivesse aca- bado de chegar de outro planeta, mas ele dizia algumas coisas simplesmente difíceis de acreditar naquela época”, afirmou um de seus colegas. A ideia sobre a qual ele mais falava era uma que ocorreria a Steve Jobs anos mais tarde – um tablet em que fosse possível ler jornais eletrôni- cos. O projeto e o protótipo desen- volvidos por Fidler eram tão pare- cidos com o iPad (quando ele apare- ceu), que, quando aApple processou a Samsung por violação de patente, esta usou o antigo aparelho de Fidler para argumentar que a ideia já estava em domínio público. Na visãodo futurodeFidler, as notí- cias e informações iriam para a inter- net – que ainda estava nascendo –, na qual as matérias seriam publicadas instantaneamente, de um computa- dor para milhões de outros, o que eli- minaria a necessidade da operação de umparque gráfico caro por operários igualmente caros. O tablet, pensava Fidler, era o dispositivo perfeito para substituir o papel. Os leitores pode- riam clicar em boxes que levariam a informaçõesmais aprofundadas sobre um determinado assunto. Anuncian- tes poderiam produzir propagandas interativas e envolventes. Fidler estava certo, é claro. A Apple vendeu várias centenas de milhões de iPads e mais de 1 bilhão de smartphones com as mesmas funções. O que não deu certo Agora, Fidler cogita se estava errado. “Acabei percebendo que reproduzir o formato impresso em um disposi- tivo digital é muito mais difícil do que todo mundo imaginava, inclusive eu”, explica. Ele não fala sódos tablets. Fid- ler está igualmente preocupado coma experiência da leitura e coma questão econômicade todas as formasde jorna- lismodigital. Ele se aposentoudocargo deprofessorde jornalismonaUniversi- dade doMissouri e acompanhou a luta dos jornais para levar seu conteúdo e seu modelo de negócio para a inter- net. A ideia da propaganda interativa não deu certo. Os leitores não gostam, ou se distraem com elas, muitos usam bloqueadores para evitar os anúncios. Fidler eoutras pessoas observaramque o impresso oferece um espaço limi- tado para a publicidade. Esse espaço é infinito no online, o que derruba os preços e joga os produtores de conte- údo em um círculo vicioso. Para gerar dinheiro, eles precisamdemais conte- údo que possa receber anúncios. Uma parte desse conteúdo é – como é pos- sível dizer? –uma droga, o que dámais umarazãoparaqueos leitoresnãoquei- ram pagar pelas notícias. Embora seu iPadnunca estejamuito longe, Fidler ainda assina as edições impressas do New York Times , do Columbia Daily Tribune e do Colum- bia Missourian . “Ando pensando se nósnãosubestimamos completamente a viabilidade e a utilidade da notícia impressa”, analisa Fidler. Eu também. Não sou um dinossauro. Sou mais umfanáticoque esperanafiladaApple Store pelo novomodelo do iPhone. Se um dia minha esposa se divorciar de mim, ela vai alegar que passo muito tempo no Facebook e no Twitter. Sou um defensor ferrenho do jorna- lismo digital entre meus colegas do Washington Post . Um defensor tão empolgado que meus colegas e meus chefespodematéficar surpresosdeme ver fazendo a seguinte pergunta: E se tudo que fomos levados a crer sobre o futuro do jornalismo está errado? Já se passaramduas décadas desde que os jornais lançaram os seus sites, e vejam onde nós estamos. Jornais importantes faliram,milharesde jorna- listasperderamseus empregos ea ideia dequeo jornalismodigital vai se tornar um negócio sólido tem cara de boato. Averdade é a seguinte: não existe app, nemstreaming, nem“integraçãoverti- cal”, nem rede social, nem algoritmo, nem Apple, nem Apple Newsstand, nem paywall , nem mídia programá- tica, nem estratégia mobile-first que cheguemperto do sucesso do formato impresso em renda ou em audiência. E a suposição básica que os produto- res de conteúdo fizeram sobre os lei- tores, especialmente os millennials – de que eles preferem a instantanei- dade do digital –, hoje soa duvidosa. Morte do ganha-pão Eu queria estar sendo exagerado, mas Iris Chyi, professora da University of Texasepesquisadoradenovosmeiosde comunicação, reuniufatosquecompro- vamessas afirmações. Assimcomo eu, Chyi não é antitecnologia. Ela gosta de navegar pela internet. Enquanto estu- dava para seu doutorado no final dos anos 1990, Chyi realizou pesquisas de audiênciapara o AustinAmerican-Sta- tesman , omaior jornal diáriodeAustin, capital do Texas, com tiragemdemais de 100mil exemplares por dia.Mas, ao olhar para os dados dos leitores quase dez anos depois, ficou claro para ela que a penetração e o engajamento do online não estavam crescendo. Isso a fez pensar se por acaso os jornais não estariam perseguindo um futuro que ARQUIVO CJR/CARA BARER não ia chegar nunca, mais ou menos como ocorreu a Fidler. Chyi começou a realizar pesquisas e a coletar dados da audiência e anali- sou tudo em artigos acadêmicos e em umlivro publicado recentemente com o título Trial and Error: U.S. Newspa- pers’ Digital Struggles Toward Inferio- rity (Tentativa e Erro: A Luta Digital dos Jornais Americanos em Direção à Inferioridade, em tradução livre). Hoje, ela acredita que amudança para odigital foi umdesastrepara as empre- sas de comunicação e que não exis- temprovas de que o jornalismo online algumdia vai ser econômica ou cultu- ralmente viável. “As empresas se vol- taram totalmente para o online e aca- barammatando o impresso, que era o ganha-pão delas”, concluiu Chyi. Chyi criou uma metáfora do jorna- lismo online para explicar sua teoria: Miojo. Comparado com a comida de umrestaurante, oMiojo é umproduto bem inferior. Ele é barato. Você pode preparar e comer em cinco minutos em qualquer lugar, inclusive na pia da copa do trabalho. Para que oMiojo dê lucro, você precisa vendê-lo aos montes. O gosto? É só digitar “Miojo tem gosto de...” no Google e vai sur- gir a seguinte frase: “Miojo tem gosto de sabão”. Em seu livro, Chyi escreve que “o jornalismo impresso, que estaria quase moribundo, ainda rende mais do que a versão digital, que era para ser a sal-
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