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56 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 57 vação da lavoura, com base em qual- quer critério, seja emaudiência, enga- jamentoouretornopublicitário”, espe- cialmente quando consideramos adis- posição do público de pagar pelo con- teúdo. Emumartigo acadêmicopubli- cado no início de 2016, Chyi analisou dados coletados pela Scarborough (empresa de pesquisa de mercado que faz parte da consultoria Nielsen) para os 51 maiores jornais dos Esta- dos Unidos. Ela identificou que a ver- são impressa atinge 28% das áreas de circulação, enquanto a digital só chega a 10% delas. Os leitores do digital não têm tempo. Dados do Pew Research Center mostram que os leitores que acessam diretamente os sites de notí- cia digitando o endereçononavegador ficam na página por menos de cinco minutos. Os que vêmdoFacebook vão embora emmenos de dois minutos. O impresso reage Os produtores de conteúdo dizemque os leitores do impresso vão envelhe- cer, enquanto os leitoresmais novos se afastamcada vezmais da simples ideia de uma edição impressa. De acordo com a pesquisa do Pew e a análise que Chyi fez dos dados da Scarborough, ainda existe um interesse sólido pelo jornalismo impresso, mesmo entre os leitores jovens. Segundo o estudo do Pew, o impresso ainda é a forma mais comumde ler notícias – em2015, mais dametadedos leitores sujaramasmãos de tinta todos os dias. Quantos deles se informam só pelo computador? Em 2014, eram5%.Em2015, osmesmos5%. As conclusões de Chyi traçam um quadro em que, dos leitores que têm entre 18 e 24 anos, 19,9% tinham lido um jornal impresso na semana ante- rior à pesquisa. Menos de 8% tinham lido a versão digital. Chyi tembatido nessa tecla há anos, mas, quando a entrevistei, elame disse que são poucas as pessoas na indús- tria da comunicação que escutam o que ela tem a dizer – nem mesmo os repórteres prestamatenção. Mas isso está começando a mudar. Jack Sha- fer, crítico especializado emcomuni- cação da Politico, comentou o estudo de Chyi emoutubro de 2016, emuma coluna sobre a importância das edi- ções impressas ao longo do tempo. Porém, ele não viu o contexto dessa pesquisa – seus números não estão soltos no espaço. O impresso está vol- tando ou se firmando emoutras áreas de nossa vida cotidiana. As vendas de livros em papel estão crescendo ano após ano desde 2013, enquanto os números dos e-books se estabiliza- ramou atémesmo caíram, emalguns gêneros específicos. Os universitários preferem livros impressos aos eletrô- nicos, de acordo com pesquisas. As pequenas livrarias e os sebos tam- bémestão voltando. Mas enquanto as editoras estão apostando pesado no impresso – às vezes até aumentando o preço dos e-books para atrair mais consumidores para o papel – o custo dos jornais impressos só aumenta. Os publishers tentamdar umjeito e resol- vem cobrar mais caro pelos exem- plares. Não é preciso ser economista para saber que isso não vai dar certo. rando os dados em seus monitores. Chyi escreve em seu livro que “uma conhecida associação de jornais, que deveria informar seus membros com pesquisas relevantes sobre a situa- ção domercado, se recusou a publicar umestudo que eles tinhamme convi- dado para escrever”. Emuma carta, a associação explicou seusmotivos, ale- gando que o grupo não queria trans- mitir conclusões como as provenien- tes da análise de Chyi – que indica- vamque a transição para o digital tal- vez não fosse amelhor estratégia para os jornais – a seus membros. Futuro da sociedade Fidler, Chyi e outros que se envolvem como jornalismodigital nãoestãopreo- cupados sócomo futurodo jornalismo: eles se preocupam com a sociedade. Recentemente, vários estudosmostra- ramque a leitura online émenos imer- siva e agradável que no impresso. Isso altera a maneira como consumimos e memorizamos as informações. Pesqui- sas ressaltamqueos leitores sedistraem commuitomais facilidade na internet doquenopapel –entrediferentesmaté- rias em uma mesma seção e também entre sites e links. Além disso, o papel ofereceumamaneiramais linear de ler, commenos distrações, o que aumenta a compreensão do texto. “Apedra fundamental da democra- cia está na formação de umeleitorado crítico”, escreveu Thomas Jefferson. Mas será que uma sociedade de lei- tores distraídos e dispersivos pode ser uma sociedade culta? Um estudo de 2013 publicado no Newspaper Research Journal ressaltou que os lei- tores da versão impressa do Times lembravam de mais matérias e de detalhes mais específicos delas do que quando acessavam o conteúdo online. Os autores da pesquisa puse- rama culpa da baixa performance do online nas distrações (como anúncios, links, etc.) e na falta de recursos visu- ais que destacassemo conteúdomais importante e informativo. Os resul- tados são relevantes, explica o texto, pois destacam “o papel moderno que os jornais desempenhamaomanter os cidadãos informados”. O eleitorado nunca foi completamente esclarecido, mas isso normalmente é uma opção do eleitor. Ainda segundo o estudo, o jornalismo online pode tornar impos- sível manter-se informado, mesmo para aqueles que queiram. Em seu livro, Chyi cita uma pes- quisa em que umpublisher comenta:  “Nosso site não existiria se não tivés- semos uma versão impressa, por- que o site não dá dinheiro”. Quando perguntaram a ele se o produto impresso existiria sem a versão digi- tal, ele ficou confuso. “Essa é uma boa pergunta”, ele respondeu, “e tenho certeza de que todo mundo no nosso ramo já se fez essa pergunta:  ‘E se a gente deixasse o online pra lá?’  Estamos dando murro em ponta de faca. Toda a atenção que a gente dá para o online acaba com- prometendo o impresso. Será que  podíamos simplesmente largar mão?  Eu não sei”. Pelo menos um publisher está ten- O site da revista de humor American Bystander serve apenas para vender as edições – enviadas pelo correio Os leitores do Times em papel lembram de mais matérias do que os que acessam o jornal online Ninguémduvida que os americanos estão lendomenos jornais e revistas de papel a cada ano. Para sermos justos comos gurus do digital, não podemos esquecer umdado: os jornais impres- sos perderamametadede seus leitores nos últimos 20 anos.Mas e se a grande perda da audiência do impresso tiver mais a ver com falta de qualidade do que com falta de interesse? Os cor- tes de pessoal, o fim dos cadernos e a redução dos prazos de fechamento das edições, que envelhecem a notí- cia antes mesmo de ela chegar ao lei- tor, transmitem um recado: os jor- nais só prestam para forrar a gaiola dos passarinhos. Os gigantes corporativos costumam dizer que você tem que estar pronto para sacrificar seus melhores produ- tos para desenvolver novas – e pos- sivelmente melhores – tecnologias. A Apple matou o iPod com o iPhone. Todos nós sabemos que isso deu certo. Mas e se os jornais estiveremmatando o iPoddeles semter umiPhone à vista? A maior fonte de renda dos jor- nais ainda são as edições impressas. Enquanto isso, um número cada vez maior de leitores online usa adblo- ckers, menos de 10% dos internau- tas estão dispostos a pagar por con- teúdo online e o negócio da publici- dade digital vai de mal a pior – e não é só por causa dos baixos valores dos espaços publicitários. Em outubro de 2016, executivos do Guardian compra- ramanúncios emseupróprio site para verquantodinheirosobravadepoisque o Google e as várias empresas que lei- loam os espaços pegassem as partes deles. O resultado? Só 30% do valor pagopelos espaços voltoupara o Guar- dian . Com esse panorama, você pode achar que a indústria está empenhada em se reinventar... Será? Emvez disso, os fatosmostramque os produtores de conteúdo estão igno- tando. Michael Gerber não é um her- deiro dos Sulzberger – a dinastia dos publishers do New York Times . Ele nunca trabalhou em um jornal. Ele é um humorista. Em 2015, ele lançou a American Bystander , uma revista de humor que reúne alguns dos maiores nomes da comédia, incluindo George Meyer, o gênio por trás dos Simpsons , e cartunistas comoRoz Chast. Gerber temumsite,mas asmatérias da revista não são publicadas lá. O site só serve para que os leitores compremas revis- tas, que são despachadas pelo correio. “Se você publica coisa boa online, você está amarrando seu produto num modelo de negócio que está caindo aos pedaços”, explica Ger- ber. Ele acrescenta que não dá para negar que são “bem poucas publi- cações, poucas mesmo, que estão melhor hoje do que estavam antes da internet”. A American Bystander é impressa empapel encorpado, temcara de con- teúdo – e peso também. As duas pri- meiras edições tinham mais de 100 páginas. Gerber arrecadou cerca de  40 mil dólares para a revista pelo Kickstarter. Ele entende a ironia do financiamento online, mas “estamos tentando chegar lá”, explica. “Vamos aonde ninguém mais está.” Esse lugar é o papel. Ele escolheu o passado para fazer uma aposta no futuro. “Existe uma suposição de que não se pode fugir do formato digital, como aconteceu com as máquinas a vapor e com outras coisas”, declara Gerber. “Pode ser que sim, pode ser que não. E talvez não seja nada disso.” Umanoitedessas euentrei noKicks- tarter dele e fiz uma contribuição. ■ michael rosenwald é repórter do Washington Post . Já escreveu para a New Yorker , a Esquire e a Economist . Seu Twitter é @mikerosenwald. Texto publicado na edição de outono/inverno de 2016 da CJR .

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