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62 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 63 vocês estão oferecendo para outras organizações jornalísticas. Vocês acham que um dia isso poderá ser uma empresa à parte? SP: Éuma coisa sobre a qual falamos. Ainda está no começo. Não sei dizer. CJR: Mas é a intenção? SP: Nosso maior obstáculo, na hora de vender essa tec- nologia, não é que não haja demanda. Não é que esteja- mos em ummercado saturado. Amaioria das redações já concluiu que não há um líder nesse mercado, então estão bem abertas a conversar. A segunda coisa é que não tenho nenhuma preocupação com que essa tecnologia não fun- cione. Estamos trabalhando nisso há cinco anos. Fizemos uma tremenda reforma no Washington Post , mexemos em tudo, e já fizemos isso de novo. E estamos falando de uma redação de 700 pessoas muito, muito exigentes. Esse pes- soal pega no pé, fica reclamando. O Joey trabalha na reda- ção, ouve todo dia o que eles dizem. Quando você vai e diz: “Veja só o que temos”, eles per- guntam: “Sério? Você criou isso? Foi o Washington Post ?” Se fosse a Amazon oferecendo algo: “Olha, criamos essa plataforma de publicação”, haveria tanta dúvida? CJR: Shailesh, você é relativamente novo no mundo jornalístico. A impressão é que há uma relação de amor e ódio com a tecnologia digital e seu impacto no setor. [A tecnologia] abriu uma enorme oportunidade, mas também causou muita dor. Quando você apresenta algo assim às pessoas, elas encaram de mente aberta? CJR: Na minha experiência, jornalistas não se importam se a empresa ganha ou não dinheiro. SP: Estive em reuniões em que ficou bem claro que não temos a alternativa de simplesmente dizer “muito bem, este ano precisamos de tanta verba, neste outro precisamos desse montante”. Estamos dando duro para garantir que a empresa seja rentável. É algo muito importante. JM: O que fazemos continua a ser um trabalho e ainda é preciso bater metas. Mudou apenas o modo de encarar as coisas. Quando há gentemotivada, émuitomais gostoso. Se você achar que tudo o que está fazendo é contar dinheiro, então isso não é ser criativo e não dá prazer. Hoje, quando vou a um produtor, a um editor, a um repórter ou a quem quer que seja e digo: “Ei, queremos testar algo, fazer um experimento, não sabemos bem no que vai dar, mas queremos provar e ver qual o resultado. Você topa?”, a resposta é sim. Antes, tínhamos de lutar para convencer as pessoas. A inovação dá certo em empresas onde a criação é respeitada. Mas a criação em todos os níveis. Houve um tempo em que as pessoas me procuravam para dar ideias e eu vivia discordando. Para mim, hoje, é melhor ensinar as pessoas a serem criativas do que sair dizendo que sou o único que tem todas essas ideias originais. Isso não ajuda em nada. CJR: O Post é muito prolífico na Apple News, no Facebook, e vocês fazem um monte de parcerias que envolvem cessão de conteúdo. Qual é a sua lógica em termos de tráfego versus receita? JM: Estamos começando a pensar em mudar isso um  pouquinho. Mas não queremos frear o crescimento  do público só para ganhar um troco rápido. Ainda pre- cisamos ampliar o público. Ainda acho que há uma enorme disputa por território na internet, especialmente  no nosso ramo. Mas, a certa altura, precisamos conquis- tar as pessoas. CJR: Faz lembrar o crescimento da internet, uma briga por território para conquistar público. Os jornais hoje são a internet lá de 1999? SP: Em geral, essa metáfora é correta. No caso do Post , há certas diferenças. Durante muito tempo, nosso lema era “Para e sobre Washington” [“For and about Washing- ton”, no original] . Uma mudança muito grande e explí- cita na estratégia foi tentar atrair um público nacional e internacional. Para chegar lá mais depressa, uma tática nossa é buscar plataformas nas quais possamos intensi- ficar nossa presença. Peguemos o Facebook. De cada sete pessoas, uma entra no Facebook todos os dias. Não é pos- sível crescer nacional e internacionalmente dizendo: “Vou mandar dezmatérias para eles”. Se quisermos crescer em escala nacional e internacional, ignorar essa plataforma não é uma opção. CJR: Falemos, então, sobre a cultura da redação aqui. Eu li que os repórteres do Post produzem, com 700 jornalistas, duas vezes mais matérias para o digital do que a redação do New York Times , que tem 1.300. Isso, em si, já demonstra como a causa foi abraçada. Como isso aconteceu? O modo de lidar com os temas na redação mudou, e a reportagem pode ser apresentada de inúmeras formas A redação é muito bem-equipada, com computadores e outros aparelhos de última geração para ajudar repórteres com traquejo no digital SP: Faz cinco anos que estou aqui e acho que vi uma mudança. Não acho que estejamos no ponto no qual tudo é adotado comentusiasmo de imediato, ainda que faça sen- tido intuitivamente ou que haja dados para provar. Volta e meia, [a reação] é: “Você achamesmo que precisamos fazer isso?” Então, ainda há [atrito] , sim, mas muito menos do que antigamente. CJR: Voltando à questão cultural, será que a gente teria essa conversa se o jornal não tivesse sido comprado por uma empresa de tecnologia? Um jornal poderia ter feito essas mudanças de forma natural? JM: Acho que algumas delas, sim, mas teria demorado um pouco mais. Já faz três anos que Bezos comprou o jornal. Eu diria que estaríamos onde estamos hoje provavelmente emcinco ou sete anos mais. E vai saber se teríamos conse- guido conquistar metade do que já fizemos. Mas ele não se limitou a chegar à redação e dizer que a cultura agora era outra, que devíamos fazer isso ou aquilo, que a Ama- zon procedia assim ou assado e que tínhamos de agir da mesma forma. Foi sua mentalidade que se espalhou pela empresa. Da noite para o dia, passamos a achar que não havia muita coisa que não pudéssemos fazer. As pessoas passaram a aceitar um pouco mais as coisas. SP: Alémdisso, ele também fezmudanças importantes no modelo de remuneração. Oprincipal critério para aumen- tar nossa remuneração era o resultado operacional. Tínha- mos ou não atingido a meta (...) estabelecida no começo do ano? Era bem claro se você ia ganhar umbônus ou não. Estávamos todos no mesmo barco. Quando a receita está caindo e o resultado operacional é a meta, o que você faz? Corta custos. Não tem outra saída. Uns seis meses depois de ter comprado o jornal, Bezos acabou com isso. Agora, há outros três critérios. O pri- meiro é, basicamente, a rapidez com que você avança. É bem subjetivo. O segundo é que não há vacas sagradas, para incentivar a experimentação. O terceiro é debater, mas no final se comprometer. Ou seja, você pode discu- tir o quanto quiser, mas, uma vez tomada a decisão, nada de sabotar. Essas são as três coisas que hoje, muito sub- jetivamente, determinam a compensação. CJR: A rentabilidade não é mais computada? SP: Não. São essas três coisas. ARQUIVO CJR/GREG KAHN

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