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66 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 67 Ajuda em boa hora A apuração em tempos de algoritmo e big data envolve estatística, ciência de dados e inteligência artificial para ganhar eficiência por steve coll qual a finalidade da inovação no jornalismo? Desde o nascimento do rádio, há quase umséculo, umobjetivo foi levar notícias ao público à medida que ele ia migrando de um novo meio decomunicaçãoparaoutro. Rádio, tele- visão, TV a cabo, World Wide Web e smartphones revolucionaram, suces- sivamente, o formato pelo qual pro- dutores de reportagens chegavam ao público. E, jáquenormalmenteéneces- sário atingir grandes audiências para bancar o custo do jornalismo profis- sional, cada onda revolucionária des- sas gerou incerteza sobre a questão de como ganhar dinheiro – mas gerou, também, inovação para resolvê-la. Hoje, a profissão está cheia de his- tórias inspiradoras de empreende- dorismo e adaptação protagoniza- das por jornalistas que deixarampara trás a velha redação (Politico, Recode, Serial ) e de casos impressionantes de startups que atingiram escala (Vice, Vox) mesmo sem ter provado sua sus- tentabilidade. Pululam, no entanto, redações nas quais editores, produ- tores e repórteres se sentem acua- dos por executivos desesperados para conectar o público coma receita, mas em dúvida sobre como o jornalismo poderia ajudar. Emredações pautadas pela velocidade e focadas na conta- gem de cliques, o império das métri- cas pode deixar o jornalista emestado constante de ansiedade, como mos- trou um estudo etnográfico de Cai- tlin Petre para o TowCenter for Digi- tal Journalism. Opoder do Chartbeat – uma ferramenta quemede o tráfego e o engajamento do público emtempo real – de ajudar editores a investir em assuntos que são tendência “é a sen- sação que os números produzem”, como informou um funcionário do Chartbeat. Namelhor das hipóteses, é a sensação gerada por uma boa xícara de café; na pior, é o olhar perdido de um hamster na rodinha. A redação precisa de novas for- mas de pensar – e adotar – a inova- ção tecnológica. Um bom ponto de partida é a missão pública do jorna- lismo. Depois de tantos anos de des- locamento e confusão, é mais do que hora de separar a inovação na profis- são da inovação envolvendo o negócio e o público. A primeira não impede a segunda – e é fundamental para a ati- vidade reconquistar a credibilidade e o apelo que um dia teve. Integridade e independência É claro que jornalistas têm interesse em participar, e até mesmo em tomar a dianteira, em campanhas de pro- prietários demeios de comunicação e de entidades sem fins lucrativos para adotar tecnologias que aumentem o público e a receita sem ferir a integri- dade e a independência do jornalismo. Issoposto, jornalistas tambémtêminte- resse ematrair opúblico e convencê-lo do valor da reportagem bem apurada – o que significa mostrar como fazer isso de forma nova, impactante, inte- ressante. E, sendo bem prático, o jor- nalista que sonha emcumprir amissão de garantir que os detentores do poder em sociedades democráticas prestem contas aopúblicodeveutilizar técnicas compatíveis comonovousoque gover- nos e empresas vêm fazendo da infor- mação para exercer o poder numa era de decisões por algoritmo e Big Data. Uma das áreas mais promissoras para a inovação no jornalismo inves- tigativo é a interrogação e a enge- nharia reversa de algoritmos, essas fórmulas matemáticas do tipo “se A, então B”, que determinamo que apa- rece no seu feed do Facebook, o preço que você vai pagar por um serviço ou seguro dependendo do seu CEP e para onde o poder público vai man- dar mais polícia com base em proje- ções da ocorrência de crimes feitas por computador – o chamado “poli- ciamento preditivo”. Em geral, algoritmos envolvem o exercício do poder e podem ser dis- criminatórios, proposital ou involun- tariamente. Raramente são transpa- rentes. Fórmulas criadas por empre- sas são deliberadamente mantidas em sigilo, protegidas como proprie- dade intelectual. Algoritmos usados pelo poder público podem ser cria- dos por fornecedores independen- tes e igualmente protegidos. Lá na era analógica, se um jornalista qui- sesse questionar o efeito possivel- mente discriminatório de algo como o policiamento preditivo, o profissio- nal poderia tentar falar com a auto- ridade local a cargo da iniciativa ou recorrer a leis de acesso à informação. Já um algoritmo é uma caixa-preta que, para ser decifrada, exige sofis- ticação e experimentação. Dentro da caixa-preta Uma pioneira na “algorithmic accoun- tability” (responsabilização de algo- ritmos), como o novo campo às vezes é chamado, é Julia Angwin, autora do livro DragnetNation (ANação daRede de Informações, em tradução livre) e hoje repórter do ProPublica, um site sem fins lucrativos. Com o editor de dados Jeff Larson, SuryaMattu e Lau- ren Kirchner, Angwin publicou em 2016 uma matéria mostrando como umalgoritmo usado nos Estados Uni- dos para prever se alguém vai come- ter um crime no futuro discriminava negrosnahoradeestipularfiançasedar sentenças. Há pouco, Angwin eMattu indicaramcomo aAmazonparece usar seu “poder nomercado eumalgoritmo exclusivo para faturar à custa de ven- dedores e de muitos clientes”, como dizia a reportagem da dupla. Esse tipo de apuração apresenta jornalistas aplicando conhecimentos de matemática, estatística e ciência de dados indispensáveis para investi- gar alvos difíceis nos dias atuais. Pode não ser algo glamouroso, ou que gere tráfego, mas é essencial para que o jornalismo profissional reafirme e defenda seu papel quanto à liberdade de expressão numa era emque código é poder e na qual criadores de códi- gos podem ser arrogantes, pensar só no lucro ou estar despreparados pela própria formação ou tradição profis- sional para identificar e avaliar efei- tos éticos e discriminatórios de deci- sões automatizadas. Umsegundocampode inovação tec- nológica que já produziu jornalismo investigativo revelador utiliza sen- sores. Dispositivos capazes de moni- torar a qualidade do ar e da água ou detectar vazamentos em oleodutos são mais baratos, rápidos e portáteis do que há uma década. A dissemina- ção da banda larga e outras formas de conectividade significa que sen- sores dispersos podemser programa- dos para enviar dados a uma central ou painel em tempo real, para que o cidadão (e não só a empresa) também possa monitorá-los. Na Índia e na China, jornalistas investigativos usamsensores de polui- çãoatmosféricaparacobrardogoverno medidas de controle da contamina- ção. Nos Estados Unidos, reportagens sobre o meio ambiente que antes exi- giam meses e uma colaboração cara com laboratórios hoje podem ser fei- tas comexpedientes criativos.Hámais de uma década, Dina Cappiello, do jornal Houston Chronicle , inovou ao usar sensores de poluição atmosfé- rica espalhados por bairros para des- cobrir se as normas da agência de pro-
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