RJESPM_19

70 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 71 Diálogo entre culturas Trégua na disputa entre gigantes da tecnologia e redações pode estimular a busca de soluções conjuntas por emily bell empresas jornalísticas emseus papéis de fontes de informação mais impor- tantes, e esse processo aconteceu em uma década. Todos os grandes acon- tecimentos dignos de nota nomundo, seja os bombardeios na Síria, seja os tweets dos candidatos à Presidência nomeio damadrugada, aparecempri- meiro nas redes sociais e são acompa- nhados depertopelas telas iluminadas de nossos celulares. O Facebook hoje valemais de 360 bilhões de dólares, o dobro do valor da empresa The Walt Disney Co., que seria seu rival mais próximo, considerando os meios de comunicação tradicionais. A riqueza e o prestígio gerados pela indústria doVale doSilício esvaziaram o capital político dos donos dosmeios de comunicação e dos executivos do jornalismo. Jeff Bezos, o fundador da Amazon, comprou o Washington Post por 250 milhões de dólares em 2013, quando seu antigo proprietário, Don Graham, admitiu que sua família não tinha mais os recursos necessários para manter o Post em uma posição relevante na era digital. Como investi- mento de Bezos eMartin Baron como editor, o Post ressurge comouma força inovadora. Pierre Omidyar, que fez fortuna como fundador doeBay, inves- tiu emumprojeto de jornalismo local no Havaí, seu estado natal, e também na First Look Media, que é dona do Intercept e também investe emdocu- mentários e em filmes com foco em jornalismo, como Spotlight , vencedor do Oscar de melhor filme de 2016. O Democracy Fund de Omidyar tam- bém apoia a cobertura local da CJR . Chris Hughes, cofundador do Face- book, teve uma relação mais breve e menos feliz comosmeios de comuni- cação. Quando comprou a NewRepu- blic , ele acabou desencadeando uma avalanche de pedidos de demissão e depois de apenas quatro anos ele acabou vendendo a publicação para o publisher Win McCormack. Fratura exposta As diferenças entre as cabeças doVale do Silício e da imprensa daCostaLeste foram expostas de uma maneira dra- mática durante o processo doGawker, quando o site de notícias e fofocas fun- dado pelo jornalista britânico Nick Denton faliu ao perder uma causa movida pelo lutador de telecatch Hulk Hogan. O processo de Hogan foi financiado secretamente por Peter Thiel, investidor bilionário do Vale do Silício. A obsessão maníaca de Thiel pelo Gawker foi desencadeada por uma matéria de 2007 que reve- lava a homossexualidade de Thiel. Thiel, um defensor da liberdade de expressão e do Committee to Protect Journalists (Comitê de Proteção a Jornalistas), não viu inconsistência em perseguir e fechar o site. “Eu me recuso a acreditar que o jornalismo significa uma invasão gritante da pri- vacidade de alguém... Acho que os jor- nalistas são muito mais do que isso”, informou ao New York Times . “E é precisamente por causa do meu res- peito pelos jornalistas que não acre- dito que eles estejam ameaçados por alguém se opor ao Gawker.” Thiel não conseguiu ver o que dei- xava os jornalistas desconfortáveis: manter uma imprensa livre não é uma questão de escolher as pessoas que fazem o tipo de jornalismo que você aprova e tirar as outras do mercado. No mundo dos bilionários da tecno- logia, o prêmio consiste em criar os ARQUIVO CJR/DANIEL ZENDER noencontroanualde2016daona – Online News Association (Associa- ção de Jornalismo Online, que reúne profissionais ligados à produção ou à apuração de reportagens em formato digital), em Denver, no Colorado, a maioriados 2.000participantes buscou um lugar para a mesa de abertura. No meio de uma das eleições mais dispu- tadas da história recente dos Estados Unidos, em um momento em que a importância e o próprio papel do jor- nalismo estavam sendo questionados constantemente, aquelas pessoas não estavam reunidas para ouvir um edi- tor de destaque ouumcorrespondente badalado falar sobresuasprevisõespara a votação que se aproximava ou sobre a situação domundo. Na verdade, elas estavam escutando com toda a aten- ção a palestra de Fidji Simo, diretora de produto do Facebook, que explicou que o futuro é dar aos usuáriosmais do que eles querem. A disputa de interesses entre com- panhias com imenso poder tecno- lógico e todas as organizações jor- nalísticas no planeta trouxe proble- mas para os dois lados. Mark Zucker- berg já declarou que não considera o Facebook uma empresa de comu- nicação, mas sim de tecnologia. Jor- nalistas e a Online News Association não têm muita fé na influência das empresas de tecnologia, mas sabem que vivem em uma relação de inter- dependência. “Sinceramente, são elas que nos mantêm vivos no momento, se não fosse pelas propagandas nas fanpages do Facebook, pode ser que a gente nemestivessemais aqui”, disse o fundador de uma pequena startup de jornalismo. Outro especialista em tecnologia que trabalha em redações interna- cionais foi bem mais dogmático ao questionar as razões e os valores des- ses penetras vindos do Vale do Silício: “Eles não são nossos amigos. Eles só se interessam em crescer e ganhar dinheiro. Quando o jornalismo esti- ver namão deles, eles vão restringir os acessos e começar a cobrar por eles”. O sentimento mútuo de descon- fiança nesse novo pacto é umsintoma da profunda disfunção sistêmica do relacionamento entre jornalismo e tecnologias de produção. As culturas do jornalismo e do desenvolvimento de software aparentemente estão tra- balhando por um objetivo comum – organizar informação, levar infor- mação ao público e gerar dinheiro por meio de anúncios –, mas emmui- tos pontos elas são bem diferentes. Em 1959, o físico britânico C.P. Snow ficou conhecido ao identificar as “duas culturas” em que a sociedade se dividia: “literatos de um lado – de outro, os cientistas”, escreveu. “Entre os dois, há um mar de incompreen- são – às vezes, hostilidade e antipa- tia, mas principalmente uma falta de entendimento.” Os conceitos e o descompasso que Snow descreveu são conhecidos de todos que já tentaramtrazer as empre- sas tradicionais de comunicação para o meio digital. Muitas áreas foram totalmente transformadas pela auto- mação e pela computação, mas poucos campos se chocaram de um jeito tão brusco e direto como a engenharia de software e o jornalismo. Os meios de comunicação estão testemunhando seus modelos de negócio e processos de produção ser reconstruídos por mecanismos de busca e produtores de conteúdo na internet. Google, Apple, Facebook e Amazon substituíram as

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx