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74 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 75 Aberta a temporada de caça Processos contra órgãos de informação não são novidade nos EUA, mas a falência do site Gawker por perder uma causa põe o setor em alerta por trevor timm sevocêachou queafalênciadoGawker por causa do bilionário Peter Thiel foi puro acaso ou que oGawker teve o que merecia, talvezvocêdevesse rever seus conceitos. Parece que outros persona- gens ricos e poderosos já aprenderam uma coisa ououtra como casodeThiel paradestruirumveículode imprensa, e todoo setor dosmeios de comunicação pode acabar pagando o pato. Poucas semanas depois que Thiel fez o Gawker.com fechar as portas, os mesmos advogados que ele pagou para defender Hulk Hogan, estrela dos shows de luta livre da TV ameri- cana, já haviamconseguidodois novos clientes ricos e poderosos: Melania Trump, a esposa de Donald Trump, e Roger Ailes, o fundador e CEOda Fox News – forçado a renunciar em julho de 2016 em meio a várias denúncias de assédio sexual. O Financial Times apurouqueAiles estaria avaliandoumpossível processo contra a revista NewYork e seu repór- ter investigativoGabriel Sherman, que foi amplamente reconhecido por sua minuciosa reportagemsobre as várias acusações de assédio sexual contra Ailes e a Fox News. Enquanto isso, Melania Trump já processou o jor- nal Daily Mail e um blogueiro pouco conhecido, pedindo 150 milhões de dólares por causa de alegações de que ela já teria sido garota de programa. Emvez de se preocupar, alguns jor- nalistaspareceramficar animados com a notícia do processo deAiles contra a New York . A New York é diferente do Gawker, eles dizem. Ela tem donos ricos e seguropara cobrir custos legais (o Gawker também tinha, claro). Sob a proteção da lei Alémdisso, Ailes tambémiria se expor ao escrutínio jurídico, o que poderia levar a revelações ainda mais relevan- tes para os repórteres. Afinal de con- tas, o caso Hogan versus Gawker não era sobredifamação: aquestãoera inva- são de privacidade. Alémdisso, as pes- soas processamveículos de comunica- ção por difamação há décadas e isso nuncacausounenhumdanoà imprensa comoumtodo, graças àproteçãodaPri- meira Emenda – que na lei americana garante, entre outras coisas, as liberda- des de imprensa e de expressão. Esse ponto de vista é bem limitado, de um jeito até perigoso. Se o caso Gawker de fato criar um precedente que encoraje milionários e bilioná- rios a processar veículos de notícias com frequência, os efeitos podem ser desastrosos no longo prazo – e, em algumas circunstâncias, não vai fazer diferença que o processo seja comple- tamente absurdo. Primeiro porque uma apólice de seguronãoprotegeninguémpara sem- pre. Em geral, existe um limite nos valores de honorários e acordos que o seguro cobre. Pode ser que ainda seja cedodemais paradizer se vai haver um grande aumento no número de pro- cessos – especialmente processos de gente rica –, mas essa perspectiva já temopotencial para aumentar os valo- res dos seguros no futuro. E, se as coi- sas ficaremrealmente feias, nenhuma empresa de seguros pode ser obrigada a cobrir veículos de comunicação (a Traveler’s Insurance, seguradora do Gawker, agora alega que não deveria ter que arcar com um segundo pro- cesso envolvendo o vazamentode gra- vações comdeclarações racistas feitas pelo astro da luta livre). Sim, os veículos de notícias vêm sendo processados por difamação há décadas (e por sorte os Estados Uni- dos têmalgumas dasmelhores garan- tias legais contra isso). Mas, no pas- sado, quementrava comumprocesso desses estava atrás de um acordo ou de uma retratação. Aquestão é: e se gente como Ailes e Trump, a exemplo de Thiel, não qui- serem isso? No caso de Hogan, o pro- cesso foi conduzido para provocar o maior dano possível ao Gawker. Ele rejeitouofertas de acordo comoúnico propósito de fazer a empresa gastar o máximo possível. Se Ailes e Trump seguirem o mesmo caminho – afinal, podemos dizer que eles não estão exa- tamente passando necessidade –, um seguro não vai salvar o dia. Organiza- ções commenos dinheiro podemficar na mesma sinuca que o Gawker ainda que não percam o processo, isso sem falar no estrago que causas como essas podemfazer a veículos semfins lucra- tivos ou a jornalistas freelancers. Parece que todo mundo esqueceu que, enquanto o caso Hogan não era sobre difamação, o mesmo advogado entroulogodepoiscomváriosprocessos (absurdos) contraoGawkerpor supos- tas difamações. Se Hogan não tivesse ganhado a causa, não dá para dizer até que ponto os outros clientes teriam ido para sangrar o Gawker pouco a pouco, emvez dematá-lo de uma vez. Para dar uma ideia do custo desses processos, mesmo para a parte vence- dora, a Mother Jones , uma revista vol- tada para política, direitos humanos e meio ambiente, gastoumais deUS$2,5 milhões (comsua seguradora) emum processo de três anos contra o bilioná- rio de direita Frank VanderSloot, que acusava apublicaçãodedifamaçãopor retratá-lo como homofóbico em uma matéria publicada em2012. Umdeta- lhe: essa soma foi gasta mesmo com a vitória da Mother Jones – antes que o caso fosse julgado. O ônus da prova Os jornalistas costumamsalivarquando pensam em todas as informações que vão aparecer em um processo de difa- mação, porqueoônusdaprovaédoacu- sador, que deve demonstrar que o veí- culomentiu – não cabe ao veículo pro- varquedisseaverdade.Masessadesco- berta de informações temuma contra- partida. ÉsópensarnocasodoGawker. O juiz obrigou a companhia a permitir que os advogados deHoganvasculhas- semseuscomputadores,eváriasconver- sas comprometedoras foramreveladas. Por fim, existem os custos que não conseguimosmedir. Quantos veículos vão acabar fugindo de histórias envol- vendo questões controversas só para evitar amorosidadedaJustiçaeocusto cada vezmais alto?Quantos jornalistas vão desistir de ir atrás de uma maté- ria, ao saber que vão ter que enfrentar uma burocracia densa para conseguir publicar seu trabalho? E se houver a possibilidade de que eles sejampesso- almente responsabilizados emumpro- cesso, por que eles iriam arriscar seu ganha-pão por uma matéria? Averdade está do lado da imprensa. Se as matérias publicadas são verda- deiras (e em alguns casos mesmo que não sejam), ela deveria estar protegida pelaPrimeiraEmenda.MasPeterThiel mostrouque essenemsempre éo caso, e precisamos ficar de olho em outros milionários e bilionários que tenham resolvido ir à caça. ■ trevor timm é diretor-executivo da Freedom of the Press Foundation, organização sem fins lucrativos que apoia e defende o jornalismo. Também é colunista do Guardian , no qual escreve sobre privacidade, segurança nacional e meios de comunicação. EVE EDELHEIT/THE TAMPA BAY TIMES VIA AP O fundador do Gawker, Nick Denton, fala com a imprensa, em março de 2016, após ser condenado a pagar uma indenização milionária Texto publicado no site www.cjr.org em 7 de setembro de 2016.
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