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78 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 79 PÓS-VERDADE: vocábu- lo feminino. Diz-se daqui- lo que se relaciona com ou denota circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na for- mação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal: “Nesta era da política pós-verdade, é fácil escolher dados e che- gar a qualquer conclusão que você deseje”; “Alguns comentaristas observaram que estamos vivendo em uma era da pós-verdade”. A palavra composta ain- da não entrou nos dicioná- rios brasileiros, mas já ca- racteriza a prática política tupiniquim tanto quanto a americana, onde se tornou a expressão mais discutida depois de uma campanha eleitoral intensa, em que o candidato ven- cedor foi acusado de praticar a “política da pós-verdade” (substantivo feminino) todo o tempo. Não é o caso aqui de discutir se “pós- -verdadeiro” funciona melhor como adjeti- vo. O anglicismo já pegou. A expressão foi cunhada há mais tempo, mas foi o ensaísta e palestrante america- no Ralph Keyes que deu a ela notoriedade a partir de um livro de 2004 chamado The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life (A Era da Pós-Verdade: Desonestidade e Engano na Vida Contem- porânea, em tradução livre). Desde o lança- mento do livro, a decadência da imprensa e a crescente influência das mídias sociais tor- nou fácil reconhecer a utilidade da expressão. Em 2016, a revista The Economist publi- cou uma manchete sobre a campanha elei- toral nos EUA que dizia: “A política da pós- -verdade. A arte da mentira”. O início do tex- to era duríssimo com Donald Trump: “Consi- dere até que ponto Donald Trump está afas- tado dos fatos. Ele habita ummundo fantás- tico onde a certidão de nascimento de Bara- ck Obama foi falsificada, o presidente fundou o Estado Islâmico (ISIS), os Clintons são as- sassinos e o pai de um rival estava com Lee Harvey Oswald antes de ele atirar em John F. Kennedy”. Foram todos fatos pós-verda- de disparados pelo então candidato republi- cano durante a campanha. Foi certamente uma decisão política que levou o Dicionário Oxford a elegê-la “a pa- lavra do ano” de 2016 (em 2013 foi “Selfie”). Desde então Ralph Keyes tem dado ainda mais palestras e entrevistas. Ele é um es- critor prolífico, autor de diversos livros de não ficção sobre assuntos variados. O maior best-seller foi Existe Vida Depois do Segun- do Grau? , adaptado para um musical na Broadway. Há dois livros sobre como o jei- to de falar dos britânicos revela sua dissimu- lação e um, bastante útil para quem navega na internet em tempos de pós-verdade, se chama The Quote Verifier (O Checador de Citações, em tradução li- vre), que explora as frases de terceiros mencionadas em discursos, seus autores verdadeiros e o sentido ori- ginal do que eles disseram. Depois da posse de Trump, um outro termo se firmou: pós-fato ou pós-factual. Também no Oxford , lê-se: “Relaciona- do com ou que denota cir- cunstâncias em que fatos objetivos são menos in- fluentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal: ‘Nós temos mais dados e fatos disponíveis hoje do que nunca antes e ainda assim nós entra- mos em uma era pós-fato’; ‘É moda culpar a internet por contribuir para a sociedade pós-factual’.” Entre os dois há uma diferença sutil, mas ambos falam do mesmo tempo atual de re- dução da influência do jornalismo (que re- aliza uma seleção e hierarquia da multipli- cidade dos fatos): pós-verdade refere-se à divulgação de fatos que desprezam a ver- dade; “pós-fato” refere-se ao desprezo pe- los fatos, verdadeiros ou falsos, em benefí- cio da divulgação de opiniões e convicções de indivíduos ou grupos. O pós-fato é o tema do livro True Enough (2011) (Verdade Suficiente, em tradução li- vre), do badalado colunista Farhad Manjoo, que se tornou conhecido como colunista nas revistas online Salon.com e Slate , passou pe- lo Wall Street Journal e hoje está no NewYork Times , sempre escrevendo sobre tecnolo- gias, jornalismo online, política na era digital e suas consequências no nosso cotidiano. ■ O JORNAL BRITÂNICO The Guardian vi- ve uma fase de grande prestígio desde que publicou as revelações de Edward Snowden, ex-agente dos serviços se- cretos dos Estados Unidos, sobre a espionagem americana. O sucesso, no entanto, não supera o prejuízo, que, no ano passado, che- gou a cerca de 280 milhões de reais. Nos últimos dois anos, a empresa mu- dou seus principais diretores. No iní- cio de 2015, escanteou o editor-chefe Alan Rusbridger, defensor mais desta- cado da gratuidade do acesso ao site. Em seu lugar entrou Katharine Viner, primeira mulher a dirigir o jornal, que não se opõe à cobrança pelo conteúdo. E, no ano passado, nomeou um dire- tor comercial com dez anos de Google, que logo de cara disse: “Bombardear o leitor de internet com uma quantida- de absurda de anúncios baratos, co- mo fazemos, não é bom para anunciante, leitor e empresa”. Desde então, há al- guns meses, a empre- sa publica no site anún- cios chamando o leitor a pagar pelo conteúdo, ainda voluntariamen- te. Mas não há chan- ce de o jornal atingir o equilíbrio sem o paywall para todos os seus lei- tores, como afirmou a consultoria Innovation em sua publicação anual de 2016. Comquase 200 anos, o Guardian vive uma tran- sição fundamental para sua sobrevivência. ■ leão serva é jornalista, professor do curso de graduação em jornalismo da ESPM e escritor, autor de A Desintegração dos Jornais (Reflexão, 2015) e coautor do guia anual Como Viver em São Paulo Sem Carro. LIVROS CESSE TUDO QUE AS LISTAS demais ven- didos apontavam: saiu a nova Granta com os melhores jovens escritores ame- ricanos. E, como sempre, você não deve ter ouvido falar da maioria deles, mas todos se tornarão rapidamente os mais badalados das estantes. Revista literária mais prestigiada do planeta, Granta tem feito essa edição a cada dez anos, desde 1997. Segue o pa- drão da pioneira versão com as revela- ções da literatura britânica, iniciada em 1983. Ambas pautam o mercado literá- rio de língua inglesa. Foi por suas pági- nas que o mundo começou a respeitar Martin Amis, Kazuo Ishiguro, Ian McE- wan, A.N. Wilson, Salman Rushdie, Julian Barnes, incluídos na antologia de 1983. A publicação londrina aposta sem- pre na diversidade, como se vê na lista de 21 jovens escritores dos Estados Uni- dos eleitos pela revista: os três nomes mais comentados da edição são nasci- dos na África. Dinaw Mengestu, escritor etíope, dá aula de Criatividade Literária na Georgetown University, emWashington DC. Ele estreou na literatura dez anos atrás e, aos 38, pelo critério da revista, já não poderia participar da edição de 2017. Ele já recebeu prêmios de prestígio, incluindo uma rela- ção de “20 escritores commenos de 40 anos” da revista New Yorker . No Brasil, foi lançado em 2012 seu Uma Perturbação no Ar (Nossa Cultura). Dois destaques femininos também vêm da África: a nigeriana Chine- lo Okparanta e Yaa Gyasi, de Gana. Chinelo estreou em contos em 2013, sempre muito elogiada. Seu pri- meiro romance saiu em 2015 (ainda não no Brasil). O primeiro romance de Yaa bateu o recorde africano com o adiantamento literário de US$ 1 milhão, por Homegoing (no Brasil, também, só importado). Prepare-se para renovar a sua estante. Esta é a lista completa dos au- tores, por ordem alfabética dos sobrenomes: Jesse Ball, Halle Butler, Emma Cline, Joshua Cohen, Mark Doten, Jen George, Rachel B. Glaser, Lauren Groff, Yaa Gyasi, Garth Risk Hallberg, Greg Jackson, Sana Krasikov, Catherine Lacey, Ben Lerner, Karan Maha- jan, Anthony Marra, Dinaw Mengestu, Ottessa Moshfegh, Chinelo Okpa- ranta, Esmé Weijun Wang e Claire Vaye Watkins. ■ Saiu a Granta com o melhor da nova ficção americana REVISTA RELATÓRIO No auge do prestígio Guardian tem o maior prejuízo Innovation in News Media World Report 2016 Venda pela internet em: http://www.innovation- mediaconsulting.com REPRODUÇÃO Pós-verdade se torna a palavra síntese de nosso tempo REPRODUÇÃO True Enough: Learning to Live in aPost-Fact Society Farhad Manjoo Ed. Wiley 258 páginas REPRODUÇÃO The Post-Truth Era: Dishonesty andDeception in Contemporary Life Ralph Keyes St. Martin’s Press 320 páginas REPRODUÇÃO GRANTA 139: Best of Young American Novelists 3 www.granta.com
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