REVISTA_de_JO_ESPM 20
24 JULHO | DEZEMBRO 2017 assimcomoodepartamento de Pes- quisas, os Cadernos de Jornalismo do Jornal do Brasil foram obra de Alberto Dines, umgrande e inquieto editor que voltara deuma temporadanosEstados Unidos.Naquelaépoca,meadosdosanos 1960, aindanãoerapossível pressentir a revoluçãodigital que traria umimenso impacto ao jornalismo, mas a intenção de Dines era melhorar a qualidade da informação e, simultaneamente, res- ponder ao crescimento do jornalismo televisivo, especialmente o da Globo. Costumo dizer que oDepartamento de Pesquisas era um Google, avant la lettre . Era feito de papel, pastas emais pastas com recortes de jornais, revis- tas, artigos não publicados. Enfim, tudo que era possível recolher sobre um determinado tema. A diferença era que, alémde disponibilizar omate- rial, o setor tinha redatores treinados paramergulhar naquelas pastas e sair comum texto sintético sobre o que de melhor havia nelas. Durante algum tempo, tive a sorte de estar à frente do Departamento de Pesquisas e editar os Cadernos de Jornalismo . Não tínhamos metas pre- cisas para cumprir. A tendência dos artigos era teórica. De um lado, auto- res influenciados pelos franceses que discutiam o papel social da imprensa, do filósofo Louis Althusser a estudio- sos específicos do tema, como o soció- logo belga radicadona FrançaArmand Mattelart. De outro, uma tendência mais influenciada pelos Estados Uni- dos, que tentava, por exemplo, com a ajuda da matemática, definir o índice de nebulosidade de um texto. Havia também uma abertura para profis- sionais brilhantes. Um dos convida- dos por Dines foi o repórter esportivo Oldemário Touguinhó. Olhandopara trás, nãopossodeixar demencionar que poderíamos ter tra- tadomelhor alguns temas. Umdeles é o fotojornalismo e as múltiplas possi- bilidades de articulação entre o texto e a imagem. Nós admirávamos os gran- des fotógrafos do Jornal do Brasil , o realismo que imprimiramàs histórias com a opção pela luz ambiente e suas composições mais arrojadas. Se pudéssemos começar de novo, talvez não tivéssemos nos concen- trado tanto na filosofia da comunica- ção e na primazia absoluta do texto. Pensávamos que nossos textos seriam esquecidos, assim como as imagens cotidianas. Mas não foi o que aconte- Com a palavra, o editor Uma reflexão sobre a criação, os desafios, as conquistas e um cochilo dos Cadernos de Jornalismo por fernando gabeira ceu como fotojornalismo do período. Quanto à televisão, Dines não pode- ria imaginar outra tática alémde qua- lificar-se para competir com a infor- mação mais rápida e com as imagens emmovimento. Hoje, na internet, as mesmas pes- soas que fazemos jornais podem fazer também seus vídeos. Textos, fotos e vídeos convivem num mesmo site. Estamos próximos de experiências de vídeos commúltiplas câmeras que transmitema sensação de imersão no acontecimento filmado. Como reger essa orquestra e tirar dela os melho- res resultados? Como, agora, com ins- trumentos mais poderosos, melhorar a qualidade da informação? No fimdos anos 50, estudei a forma de contar histórias em Fraser Bond, no livro pioneiro Introdução ao Jor- nalismo (Agir, 1962). Ele nos ensinava a fazer o lead com seus cinco compo- nentes: quem?, o quê?, onde?, como? e por quê? Com o tempo, foi necessá- rio rever essa camisa de força. E, logo depois, ochamadonovo jornalismosur- giu nos Estados Unidos com fórmulas mais audaciosas e próximas da novela. Nomundo digital, relatar histórias a bordo da nave multimídia é um desa- fio que está no ar, à espera de visio- nários do jornalismo do calibre de Dines. Hoje, todos podem usar esses instrumentos para contar uma histó- ria. Mas, por enquanto, só as empre- sas de comunicação reúnem os meios para apurar e checar os fatos. Daí sua importância. Ainda assim, a pergunta fica no ar: qual o horizonte profissio- nal num mundo em que todos escre- vem histórias, fotografam e gravam seus vídeos? O que fazer para alcan- çar mais qualidade? O que era para ser a memória dos Cadernos de Jornalismo do JB , aca- bou sendo uma das pautas de refle- xão sobre os rumos da atividade. Não importa. Era esse o espírito da coisa. ■ fernando gabeira é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx