REVISTA_de_JO_ESPM 20

42 JULHO | DEZEMBRO 2017 cipais órgãos de comunicação sobre os pedidos de abertura de inquérito no âmbito da Lava Jato, baseados nas delações premiadas de executivos e ex-executivos da construtora Ode- brecht. Concorrentes entre si, os jor- nais traziam versões inacreditavel- mente harmoniosas. Entre dezenas de envolvidos na investigação, vaza- ram para os jornalistas nesse pri- meiromomento os mesmos 16 nomes de políticos, sem que se soubesse o critério utilizado. Apurei que as informações foram obtidas em encontro de jornalistas e representantes da Procuradoria- -Geral da República, sob condição de off, quando a fonte da reportagem não é identificada no texto. Comuma observação crítica à prá- tica jornalística, terminei emmeio ao tiroteio verbal entre o procurador- -geral da República, Rodrigo Janot, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Mendes criticou os procuradores por fazerem “chantagem” ao vazar informações sob sigilo. Oprocurador- -geral procurou desqualificar a apura- ção que eu fizera. Reagiu ao ministro do STF, acusando-o de sofrer “disen- teria verbal”. Além das fronteiras As informações que publicara haviam sido confirmadas por mais de três fontes independentes. A missão pri- meira do ombudsman não é apurar notícias, mas, nesse caso, cabia apu- rar, verificar e publicar em nome do leitor que paga pela informação e emdefesa da transparência e do bom jornalismo. Os leitores manifestaram apoio quase unânime. “Ao demonstrar a forma pasteurizada como os três grandes jornais cobriramo tema, você expôs um problema que vai além das fronteiras do jornal em que atua”, escreveu um. “É fato que a grande imprensa está perdida; ainda não encontrou sua posição em um mundo em que TV, sites independentes e redes sociais trabalham com uma agilidade nem sempre positiva, mas real”, anali- sou outro. Como resultado da coluna que escrevi, diversas redações muda- ram sua relação com o Ministé- rio Público Federal, e os próprios procuradores foram obrigados a rever procedimentos que adota- vam informalmente. Muitos desafios Em cenário de crise, o investimento na função de ombudsman é saudá- vel aporte na qualidade jornalística e na defesa da credibilidade do jornal. Os desafios imediatos da função que exerço podem ser resumidos em três pontos predominantes: 1) o mundo mudou na velocidade da informação, na administração do tempo e na forma de consumo de notícias; e os jornais ainda estão tate- ando os caminhos jornalísticos, finan- ceiros e administrativos para se ade- quarem a essas mudanças; 2) em geral, os jornais estão super- ficiais, sendo construídos por pautas pouco criativas e pouco surpreenden- tes, agarradas a narrativas ultrapas- sadas no estilo e no formato; 3) em tempos de radicalização, o exercício do jornalismo com equi- líbrio, resguardando a diferença entre opinião, análise e informa- ção, tornou-se valor raro e de difí- cil qualificação. A essas questões estruturais so- mam-se outrasmais pontuais. Apala- vra damoda é “pós-verdade”. O subs- tantivo diz respeito a circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos importância do que crenças pesso- ais e políticas. A palavra é usada por quem avalia que a verdade está perdendo impor- tância no debate político. Segundo o Dicionário Oxford , o termo pós-ver- dade foi usado pela primeira vez, com a definição atual, em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich em um artigo de revista. Tesich afirmava nele que todos os ditadores sempre tiveram que traba- lhar duro na supressão da verdade. Reclamava de que as pessoas estavam adotando mecanismos para despir a verdade de qualquer significado. “De uma maneira muito fundamen- tal, nós, como pessoas livres, decidi- mos livremente que queremos viver em algum mundo da pós-verdade”, definiu Tesich. A pós-verdade dominou o mundo virtual e deixou de ser um termo periférico para se tornar central no comentário político e finalmente penetrar nas produções jornalísticas.

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