REVISTA_de_JO_ESPM 20
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 51 emmédia, do que o de posts de umveículo de comunica- ção sério como a CNN. No filme de terror que é a crise do modelo de negócios do jornalismo, o escândalo das fake news é o equivalen- te àquela cena emque o telefone toca e algo ruimaconte- ce. Lá no começo, a esperança era que a convergência de mídias sociais e jornalismo fosse criar uma versão supe- rior ou híbrida de ambos: uma rede repleta de informa- ções úteis e oportunas que um público engajado iria en- riquecer, compartilhar e comentar. Em vez disso, houve uma combinação do pior desses dois mundos, maculan- do tanto a velha mídia como a nova. A propagação viral de notícias falsas, exageradas e ab- surdamente tendenciosas estáprovocandoumdebatehá muitonecessário sobre direitos e deveres tantode organi- zações jornalísticas como de plataformas sociais. Manter a independência do jornalismo de qualidade à medida que este se converte em uma subdivisão de mídias so- ciais é uma tarefa crucial tanto para publishers quanto para plataformas. No final de 2016, acuado pela publicidade negativa que o fenômeno das notícias falsas atraíra para o Facebook, Mark Zuckerberg parou de afirmar que seu invento era “apenas uma empresa de tecnologia” e reconheceu que era uma “nova espécie de plataforma”. Váriasempresasdetecnologia–incluindoApple,Google, Snapchat, Twitter e, acima de tudo, Facebook – assumi- ramboa parte das funções de organizações de imprensa. Querendoounão, viraramatores cruciais no ecossistema do jornalismo. Um punhado de plataformas hoje contro- la a distribuição e a apresentação da informação, amone- tização da publicação e a relação com o público. E, ainda que se importem com a saúde do jornalismo, sua razão de existir não é essa. Empresas de comunicação estão penando para des- cobrir como trabalhar com essas novas potências do se- tor. A rápida adoção de smartphones transformou o con- sumo do jornalismo, convertendo empresas de tecnolo- gia – juntamente com seus aplicativos e sistemas opera- cionais – em novos gatekeepers da informação. Segundo dados do centro de estudos Pew relativos a 2016, 92%dos americanos na faixa dos 18 aos 29 e 77% da população de modo geral têm um smartphone – parcela superior à de gente com banda larga em casa no país. Mais de 62% da população dos Estados Unidos recebe notícias por algu- ma mídia social (sendo o Facebook a principal delas). O tempo que essa gente passa de olho na tela do aparelho e o volume de dados pessoais coletado por essas empre- sas criaram ummercado totalmente novo – mercado no qual o jornalismo hoje deve operar. Mídias sociais e buscadores não são plataformas neu- tras. Fazem, sim, umaediçãoou “curadoria” da informação que apresentam. Plataformas já começama reconhecer o papel que exercemna provisão de notícias. Mas o exercí- cio do critério editorial complicou sua missão comercial, que é levar o maior número de gente possível a usar sua plataforma comamaior frequência possível. As contradi- ções inerentes a essenovopapel provocaramrápidasmu- danças e alterações de estratégia. Em agosto de 2016, por exemplo, o Facebook demitiu seus 30 editores – ou “cura- dores”, como eram chamados – em resposta à acusação de que a rede estava editando seus Trending Topics pa- ra eliminar conteúdo de fontes conservadoras. Pouco de- pois, quando o fenômeno das fake news foi exposto, viu- se que o Facebook devia ter promovido uma intervenção editorial direta maior – e não menor – em sua plataforma. Mesmo depois do escândalo das notícias falsas nas úl- timas eleições americanas, Mark Zuckerberg seguiu insis- tindoque oFacebook “deve termuita cautela para [não] vi- rarmos nós mesmos os árbitros da verdade”. O que a em- presa fez foi firmar parcerias comvárias organizações jor- nalísticas e de checagemde fatos para denunciar notícias de caráter duvidoso. Atéonde se sabe, esses parceiros não ganham para isso. Tantoo jornalismoquantoosmeios de comunicação se encontramemumponto crítico de sua história como um poder independenteemsociedadesdemocráticas. Aopor- tunidade de chegar a umpúblico global comodeslizar de um dedo está aí – e traz consigo possibilidades jornalísti- cas tremendas, que ninguém ainda entende por comple- to. Mas a hiperconectividade engendrada pelaweb social e pelomobile criouumvastomercadode informações do qual o jornalismo é só uma pequena parte. Emsua essên- cia, o jornalismo nãomudou. Sua função ainda é relatar e contextualizar fatos para ajudar a explicar omundo. Hoje, contudo, está integrado a um sistema que gira em torno de escala, agilidade e receita. O modelo de negócios das plataformas incentiva a “vi- ralidade” – o conteúdo que as pessoas querem comparti- lhar –, algo semnenhuma correlação coma qualidade jor- nalística. Aarquitetura que permite a organizações jorna- lísticas chegar a seu público em plataformas sociais tam- bémmilita contra sua sustentabilidade. No cerne de uma democracia saudável está o acesso universal a informações fidedignas – acesso hoje contro- lado por empresas de tecnologia que exercem um poder enorme praticamente sem rédeas. Enquanto o mercado da informação seguir em um ritmo acelerado de evolu- ção, temos a oportunidade de criar um modelo mais ro- busto e transparente para o jornalismo.
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