REVISTA_de_JO_ESPM 20
52 JULHO | DEZEMBRO 2017 A terceira onda do jornalismo O impacto demídias sociais no jornalismo foi tão cataclís- mico quanto o de qualquer outra transformação radical que o setor já viveu. Durante a primeira fase da digitalização das redações – que se estendeu basicamente do advento da internet co- mercial em1994 à popularização da banda larga em2004 –, a grande preocupação de organizações jornalísticas era saber como transferir o produto impresso para o meio di- gital. Embora em muitas organizações tradicionais essa migração fosse cercada de dúvidas, havia a esperança de que seria possível criar um ecossistema digital em torno dos valores emétodos tradicionais do jornalismo, no qual um modelo financeiro sustenta o dever básico e as fun- ções cívicas da imprensa livre – e até inova emtornodisso. Na década seguinte, a disseminação da banda larga e a chegada daWeb 2.0 permitiram a publicação de material multimídia em qualquer lugar. Jornalismo interativo, co- mentáriossobreartigos,podcastsecrowdsourcingabriram oportunidades interessantes parao jornalismo. Pequenos sites, como o americano Homicide Watch DC, ganharam prêmios por demonstrar o poder do uso de bancos de da- dos para apurar e redigir reportagens comuma equipe re- duzidíssima. Jornalistas seunirampara criar ferramentas inéditas como o site de hospedagem de documentos pú- blicosDocument Cloud. Como lançamentodo iPhone em 2007, despontaram ainda mais oportunidades para che- gar a novos públicos. O surgimento da internet e os princípios que no início definiram a web aberta tiraram o controle das mãos de poucos e o transferiram para muitos. Era, em sua essên- cia e em sua concepção, uma tecnologia democratizante. Nesse período, houve uma proliferação de sites e servi- ços nos Estados Unidos – desde atores com foco nacional, como The Huffington Post, ProPublica, Business Insider, Quartz, BuzzFeed, até inovadores locais, como The Texas Tribune, Patch e Deseret News . Organizações tradicio- nais maiores, como CNN, BBC, The New York Times e The WashingtonPost , viviamemumestadode constante revo- lução, comdiferentes graus de sucesso. Embora tenha sido umperíodo demuita experimenta- ção, a situação financeira era difícil. Durante amaior parte do século 20, o jornalismo se manteve graças a três gran- des fontes de receita, todas elas comprometidas pela inter- net. Classificados e publicidade convencional foram des- bancados por sites especializados e peloGoogle, respecti- vamente. Já fazer omodelode assinatura vingar compro- dutos digitais seprovoudifícil. Cada tendênciadessas exa- cerbou a outra: a transição digital e a experimentação no novo meio, que eram essenciais, foram inibidas pela de- pendência da receita trazida pelo impresso – que, apesar da queda gradativa, seguia sendo considerável. Oefeitodissonão foi sóderrubar ocustopara anuncian- tes e a receita dos meios. O fenômeno também rompeu a integração vertical do setor, que garantia acesso ao públi- copormeiode sistemas de distribuiçãoprivilegiados e de alto custo. Na web aberta, as qualidades que no passado uniam o setor – a semelhança de métodos adotados por um grupo relativamente reduzido e coerente de empre- sas e a incapacidade de quemnão pertencia a esse grupo deproduzir umprodutocompetitivo – deixaramdeexistir. Embora essaduplamudança – tantonaproduçãoquan- to no financiamento do jornalismo – tenha provocado uma séria convulsão emorganizações jornalísticas tradi- cionais, muitos a trataram como uma evolução positiva na prática do jornalismo. A estrutura cívica da internet e o propósito cívico do jornalismo estariam, em última ins- tância, alinhados. Agora, estamos vivendo uma terceira onda de transfor- mação tecnológica. Amigração do computador para a te- linha do celular e o desenvolvimento de uma web móvel privatizada encerraram e monetizaram a promessa da web aberta. Os princípios da rede aberta, que tanto foram alardeados para cidadãos e jornalistas, deram lugar a um ecossistema dominado por um pequeno número de pla- taformas que exercem tremenda influência sobre o que vemos e sabemos. A internet que hoje vemos, controlada emgrandemedida por duas ou três empresas, estámuito longe da internet aberta de TimBerners-Lee. Nos últimos dois anos, a integraçãodomeio jornalístico complataformassociaiscomoFacebook, Twitter, Snapchat e Google acelerou. Nomundo todo, hámais de 40 sites de mídias sociais e aplicativos de troca de mensagens pelos quais empresas jornalísticas podem atingir parte de seu público. OFacebookoperaemescalanuncaantesvista. Na históriado jornalismo, nenhumaempresaeditora teve tan- ta influência sobre o consumodenotícias nomundo todo. Esse remanejamento do poder editorial seria o respon- sável pelamassiva perda de verbas de instituições jorna- lísticas. SegundodadosdoPewpara2016, Verizon, Twitter, Yahoo, Google eFacebook ficaramcommais de65%de to- da a receita publicitária no digital. ADigital Content Next, uma associação do setor editorial, informou que 90% do aumento da receita com publicidade digital em 2015 foi para o Facebook e o Google. Essa mudança não contri-
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