REVISTA_de_JO_ESPM 20
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 5 Isso tudoparadizerqueoumbigodomundo ficaemDelfos. Olhar para oumbigodomundo–umovo comumalto relevo que simula cordas entrelaçadas, formando uma rede ao seu redor –não chega a ser uma experiência transcendente,mas serveparanos lembrar de que era lá, deumjeitooude outro, onde ahumanidade olhava para opróprioumbigo. Foi assim durante boa parte daAntiguidade. Quando uma pessoa não sabia quemera ela, como aconteceu comÉdipo, corria para o Oráculo de Delfos, onde aliás estava escrito: “Conhece- -te a ti mesmo”. O mandamento inclui, por evidente, conhecer o próprio umbigo (ainda que não apenas ele). Nesta edição da Revista de Jornalismo ESPM , a ilustração da capa sugere a figura de um sujeito de pé com a cabeça exageradamente curvada sobre o próprio colo, olhos prega- dos no umbigo de si mesmo. O desenho brilhante de Kiko Farkas alude à postura daqueles que se ocupam demasia- damente de si. Digamos que seja esse o nosso caso, aqui. Somos imprensa sobre imprensa, ou imprensa especializada em imprensa, ou, ainda, metaimprensa. Somos a imprensa dedicada a seu umbigo. Comefeito (bendita expressão), a crítica da imprensa na imprensa pode descambar para um exercício umbilical- mente narcísico. Pode também ser útil. Temos esperança na segunda alternativa. Acreditamos que, se souber olhar o próprio umbigo, com rigor, desapego, transparência e desprendimento, a imprensa aprenderá a olhar o umbigo alheio – com lupa e com coragem. Mas a coisa é aindamais rocambolesca. Na presente edi- ção, o tema do umbigo dá uma volta sobre si mesmo, pois o assunto principal desta edição é exa- tamente a crítica da imprensa, quer dizer, o modo como a imprensa falou de si mesma (de seu próprio umbigo) ao longo da história brasileira. Em resumo, aqui falamos da imprensa que falou de imprensa. Alzira Alves de Abreu escreve sobre o pai de todos os projetos de crítica da mídia do país, os Cadernos de Jorna- lismo eComunicação do Jornal doBrasil (p. 20), concebidos por AlbertoDines. E Fernando Gabeira, que editou esses Cadernos , nos dá o seu depoimento sobre como foi essa experiência nos anos dourados (p. 24). Carlos Vogt relata outro projeto deDines, o Obser- vatório da Imprensa (p. 25), que sobre- vive até hoje, raro caso de longevidade no gênero. Gaudêncio Torquato trata dos Cadernos de Comunicação Proal (p. 26) e Lúcia Costa se ocupa de Crí- tica da Informação (p. 34), que beberamnessas águas, mas tiveram vida curta. Paula Cesarino Costa (p. 39) e Esther Enkin (p. 14) falam da instituição do ombudsman. A pri- meira é a atual guardiã dessa posição na Folha , e a segunda é a presidente da entidade mundial que reúne os cada vez menos ombudsmans de imprensa. Oautoexame de umbigo jornalístico inclui dois verdadei- ros oráculos da imprensa contemporânea. São elesMichael Schudson e Steve Coll. Schudson, o principal historiador da imprensa americana, professor de Columbia, é na ver- dade nosso colunista e, nesta edição, trata do nosso tema principal (p. 12). Quanto a Coll, diretor da Columbia Jour- nalism School, premiadíssimo repórter da New Yorker , com dois Pulitzer no currículo, dá entrevista a Ricardo Gandour e Jorge Tarquini, em que aborda, entre outros, o assunto central deste número (p. 44). Nem por isso, por tudo isso, esta modesta revista não se pretende comparável aoOráculo deDelfos, ummarco fun- dador da nossa civilização. Embora as semelhanças sejam profusas e intermináveis, há uma diferença, uma pequena diferença, que desencoraja analogias desmesuradas. No Oráculo de Delfos, o Ônfalus era de pedra dura, não dei- xando dúvida sobre sua localização. Quanto à imprensa, bem, a verdade oracular é que a gente, apesar de tudo o que foi dito até aqui, não sabe direito se ela tem umbigo – e também não sabe onde é que ele foi se esconder. Des- tarte (abençoada expressão), tergiversar sobre o umbigo da imprensa não resolve grande coisa. Outrossim (esta é melhor), não custa tentar. ■ O próprio umbigo – e o alheio EDITORIAL contam–hámilênios –que oOráculodeDelfos se loca- lizava exatamente no centro do mundo. No início, Zeus teriamandado soltar duas águias nos extremos opostos da Terra, comuma ordemexpressa: que elas voassemuma ao encontro da outra. Elas o obedeceram e foram se encon- trar exatamente emDelfos. Existe lá, até hoje, uma escul- tura em forma de ovo, umpoucomaior que umbotijão de gás, a que se deu o nome de Ônfalus (‘O μφαλ ó ς ), que, em grego, significa “umbigo”.
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