REVISTA_de_JO_ESPM 20
70 JULHO | DEZEMBRO 2017 cios é sustentável, ainda não deu lucro – mas aponta para umamaneiramuitomais clara de uma plataforma definir quem, nomeioeditorial, sairávitorioso, permitindooaces- so a sua plataforma fechada e exclusiva apenas a um gru- po seleto, ditando a frequência de publicação e estipulan- dometas de desempenho. E, de fato, o Snapchat Discover assume para si todo o poder associado à publicação. No começo de 2017, o Facebook anunciou que iria recalibrar omecanismodo Instant Articles para dar uma fatiamaior da receitaapublishers. Quandosoltamosesse relatório, ain- da havia poucos detalhes sobre essa mudança. Em 2015, quando o Facebook lançou o Instant Articles, Michael Reckhow, então gerente do produto, descreveu umcenário utópico de parceria da plataforma commeios de comunicação – que deixariam de arcar com custos de venda de publicidade e comferramentas de produçãopa- ra se concentrar puramente no editorial. Meios que preci- samser autossuficientes estãobuscandomaneiras de cor- tar custos e reestruturar a redação. Se o incentivo finan- ceiro fosse adequado, a meta do Facebook para o Instant Articles talvez pudesse ser atingida antes. Em entrevistas com executivos de plataformas, perce- bemosumavontadegenuínadepromover o jornalismode qualidade. Incertezas à parte, publishers emnossas entre- vistas falaramde forma positiva de novas oportunidades de narrar histórias e da capacidade de chegar a novos pú- blicos ou envolver a audiência atual de novas maneiras. Fora isso, as plataformas estãomudando omodo como muitas redações encaram o trabalho que fazem – o que, apesar dos pesares, nem sempre é umamudança indese- jada, como explicou KimLau, da revista The Atlantic : Uma coisa boadasmudanças [trazidas] peloGoogle e peloFacebook équeobrigaramtodomundoa começar a pensar na agilidade, quando ninguémpensava nisso, e no desempenho da página e na experiência do usuá- rio. Essas coisas estão se tornando fundamentais para o raciocínio básico dosmeios sobre como crescer e apre- sentar seuconteúdo,mas, poucos anos atrás, raramente falávamos sobreousuárioe sobre comoqueríamos que elepensassesobreasnecessidadesdele versus asnossas. No começo da pesquisa, sentimos um otimismo conti- do: uma sensação de que se o Facebook realmente fosse mais eficiente na venda de publicidade, o resultado não seria de todo ruim. Mas há, também, um sentimento forte de alienação. Meios de comunicação sentem o temor da migração do público para plataformas maiores que fazem tudo de for- ma mais eficiente. Afinal, se há algo do jornalismo que as plataformas não fazem, e dizemque nunca irão fazer, é produzir conteúdo jornalístico. E, noquese refereaos recursosaodisporde jor- nalistas, asplataformas sociais têmajudadomuito. Durante a campanha eleitoral de 2016 nos Estados Unidos, parte da melhor cobertura foi feita por repórteres como David Fahrenthold, do Washington Post , que contou coma ajuda de seguidores emmídias sociais para apurar o uso de re- cursos da fundação de Donald Trump, e Craig Silverman, editor de mídia do BuzzFeed, que escancarou o fenôme- no das fake news e, no processo, mudou a pauta política. Hoje, noentanto, o jornalismodequalidadenãoéalgorit- micamenteprivilegiadonasplataformas.NãonoFacebook, nãonoYouTube, nãonoInstagram, nemmesmonoTwitter – emboraoambiente abertopermita, sim, queesse conteú- do ganhe destaque em grupos informados. Se os aconte- cimentos políticos de 2016 nos Estados Unidos e a cober- turadoproblemana época eposteriormenteprovaramal- go, foi que a incapacidade das plataformas de “editar” seu próprio feed pode causar umestrago generalizado. A táti- ca de “plausible deniability” das plataformas – ou seja, se eximir da responsabilidade pelo que publicam– está che- gando ao fim. Aevoluçãodesserelacionamentoapontaparaumaques- tãocrucial paraorganizações jornalísticas: apublicaçãose- guirá sendouma atividade fundamental do jornalismoou terminará sendo totalmente integrada à tecnologia e a em- presas que hospedamo conteúdo? Éperfeitamentepossível queo significadodeumaorga- nização jornalísticaseja, cadavezmais, definidoemtermos que excluamamonetização, a hospedageme até odesen- volvimento de formatos – e se atenha ao tom, ao conteúdo e à comunidade em torno da cobertura. O medo, no momento, é que para outros isso não seja possível e que qualquer padrão de sustentabilidade que contemple os segmentos domercado compelomenos al- gumas novidades duráveis e úteis vá encolher oudesapa- recer. É algoque já está acontecendo emmercados depor- temédio e em localidades pequenas. Se amonetizaçãodomaterial cedido às plataformas so- ciais por organizações jornalísticas não melhorar, a crise no jornalismo sustentável nos planos local e regional vai se agravar. Se as ferramentas e a estruturadas plataformas não tiverem também fins voltados aos cidadãos (e não só comerciais), será algo inevitável. Na improvável hipótese de que as plataformas criem ummodelo econômico viá- vel para o jornalismo dentro de seus próprios ecossiste- mas, ficaria mais difícil defender a independência da im- prensa do ponto de vista financeiro – embora não de uma perspectiva de cidadania.
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