REVISTA_de_JO_ESPM 20
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 71 Facebook e a eleiçãode 2016 nos Estados Unidos Muitos de nós se sentem, hoje, mais seguros dentrode nossas próprias bolhas – seja no bairro, na universidade, no local de culto ou, especialmente, no nosso feed em redes sociais, cer- cados de gente que se parece conosco, que tem a mesma vi- são política das coisas e que nunca questiona nossas ideias. A polarização do debate, a crescente estratificação econô- mica e regional e a fragmentação da mídia em canais para todo e qualquer gosto – tudo isso faz com que esse grande processo de categorização pareça natural, até inevitável. E, cada vez mais, nos sentimos tão seguros em nossas bolhas que só aceitamos informações, verídicas ou não, que coinci- dam com nossa opinião, em vez de basear nossa opinião na evidência existente. — Barack Obama, 10 de janeiro de 2017 Umdia extraordinário Às 21 horasdodia 10de janeiro, emChicago, BarackObama fez seu último discurso como presidente dos Estados Unidos. Faltando dez dias para a posse de Donald Trump, Obama usou a ocasião para mandar um alerta ao povo americano: adesigualdade econômica, adivisão racial eo surgimento de umamídia fragmentada e tendenciosa pu- nhamemrisco a própria democracia no país. Oproblema, segundo Obama, é ficar ensimesmados em bolhas de in- formação, isolados uns dos outros por “fatos” conflitantes. Horas antes, às 17h20, o BuzzFeed tinha publicado um dossiê com informações não confirmadas sobre supos- tas aventuras financeiras e sexuais dopresidente eleitona Rússia. O documento, preparado por um ex-agente da in- teligência britânica, Christopher Steele, vinha circulando haviameses entre jornalistas, semque ninguémpudesse comprovar a veracidade das informações. Naquele mes- mo dia, a CNN divulgara que tanto Obama como Trump tinham sido informados sobre o material. O BuzzFeed re- solvera publicar o documento na tese de que o público ti- nha o direito de julgar o conteúdo por si só. Mais tarde, odiretor de redaçãodoBuzzFeed, BenSmith, participoudeumacaloradodebatecomBrianStelter, apre- sentador deumprogramanaCNN. Adiscussão se concen- trou na diferença entre a menção da existência do dossiê pelaCNNeapublicaçãododocumentopeloBuzzFeed. No centro do debate estava a ideia bem distinta que cada or- ganização tinha do jornalismo. Como resumiu Stelter, en- quanto a mídia tradicional partia da premissa de que um material como aquele não devia ser divulgado ao público, para os novos meios a pergunta era “por que não?”. Namanhã seguinte, DonaldTrumppassouboaparteda primeira coletiva à imprensa como presidente eleito des- mentindo o conteúdo do dossiê e atacando a imprensa. Trump acusou a CNN de dar “fake news”, comparou a pu- blicação do dossiê a algo típico da Alemanha nazista, cha- mou o BuzzFeed de “ummonte de lixo” e disse que o por- tal “sofreria consequências” pela publicação. Naquela mesma manhã, o Facebook anunciou o cha- mado Projeto Jornalismo. Com a iniciativa, a empresa se comprometia a criar ferramentas melhores para ajudar a imprensa a criar ummodelo de negócios sustentável, dar treinamentoa jornalistas e lançar umprogramade alfabe- tizaçãomidiática para o público emgeral. Era uma reação à crescente insatisfação demeios de comunicação como fraco retorno do Instant Articles e uma resposta pública à revelação da estreita ligação entre o Facebook e a circu- lação de notícias falsas. Na ocasião, também foi anuncia- da uma parceria com verificadores de fatos independen- tes, para que fosse mais fácil determinar que publicações na rede são falsas. Esse intervalode 24horasmostroucomoamídia e apo- lítica nos Estados Unidos tinham mudado nos anos que antecederama eleição de 2016. Do pleito de 2008 para cá, surgira uma verdadeira rede de direita, commeios relati- vamentenovos. Partedapautadessa redeeradesacreditar a mídia tradicional e criar uma narrativa alternativa. Para a circulação dessa informação, o Facebook era um vetor crucial. A campanha de Trump aproveitou esse modelo, gastandomuitonoFacebookparadifundir suamensagem. Oresultadodaseleições reverberoupor todooFacebook e causouuma guinada considerável na atitudeda rede so- cial emrelação à imprensa. Quando incentivouomeio jor- nalístico a se apoiarmais no Facebook para a distribuição de conteúdo, a plataforma também abriu ferramentas de publicação para todos os demais usuários. E, enquanto a rápida propagação de informações falsas pelo Facebook
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx