REVISTA_de_JO_ESPM 20
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 77 gras ocultas, inexplicáveis, individualizadas e de rápida iteração. O efeito bolha significa que o debate público es- támenos assentado emuma narrativa comum, e emuma série de verdades aceitas – coisas que antes sustentavam o discurso cívico. DESINFORMAÇÃOVIRALIZADA Em26de agostode 2016, oFacebook cortouos editores da seção Trending, que passou a ser definida completamen- te pelo algoritmo. Adecisão confirmou o pendor da plata- forma por soluções algorítmicas, nãohumanas. Comode- talhou SamThielmanno Guardian , no fimde semana sub- sequente a Trending “deu uma notícia falsa sobre a apre- sentadora da Fox News Megyn Kelly, um texto polêmico sobreumpalavrãodesferidopor umcomediante contra a comentarista de direitaAnnCoulter e links para umama- téria sobreumvídeodeumhomemsemasturbando com um sanduíche de frango do McDonald’s”. Noexaustivoespecial paraoBuzzFeed, CraigSilverman contou que, nos três meses seguintes, houve um salto no queelechamoude fakenews: informações falsas feitas pa- ra parecer jornalismo de verdade. Durante o período crí- tico que antecedeu a eleição, as 20 principais notícias fal- sas gerarammais engajamentono Facebook do que as 20 principaismatérias de importantes veículos de imprensa. Quase todas as principais histórias falsas compartilha- das no Facebook no trimestre anterior às eleições eram pró-Trump, segundo a análise de Silverman – embora também circulassem notícias falsas anti-Trump. A popu- laridadedo conteúdopró-Trumpdava dinheiropara seus criadores, incentivando sites como o hoje famoso exem- plo dos adolescentes da Macedônia que ganharam mi- lhares de dólares com a criação de sites sensacionalistas pró-Trump. O site americano Ending the Fed é outro que publicou reiteradamente notícias falsas de direita (como as listadas abaixo) que produziram um crescimento in- crível no tráfego do site – sendo que seu conteúdo sobre o pleito gerou consideravelmente mais engajamento no Facebook do que o material de veículos tradicionais co- mo o New York Times ou o Washington Post . Matérias sen- sacionalistas, de direita, davam resultado espetacular no algoritmo do Facebook. Entreaspublicaçõesmais compartilhadasnoFacebook durante a campanha eleitoral de 2016 estava uma que fal- samente afirmava que o papa Francisco apoiava Donald Trump para a Presidência, uma série de matérias que ali- mentavamteoriasdaconspiraçãosobrea saúdedeHillary Clinton e a afirmação de que Barack Obama proibira o “Pledge of Allegiance” (o juramento à bandeira) nas esco- las americanas (uma única publicação tevemais de 2,1 mi- lhões de compartilhamentos, comentários e reações no Facebook). Umdos exemplosdedesinformaçãoviralmais comentados foi ochamado “Pizzagate”, queculminoucom umhomemarmadoinvadindoumbaremWashingtonpara “investigar” rumores dequeHillaryClintoneoutros demo- cratas operavamuma rede de tráfico demenores no local. Esse meio é perfeito para a propagação da desinforma- ção e da propaganda viralizada, que segundo um profes- sor de direito em Harvard, Yochai Benkler, é “um esforço sistemáticopara criar edistribuir uma sériede relatos, nar- rativas e crenças que determinam como as pessoas en- xergam o mundo”. Em um estudo de mais de 1,25 milhão de itens publicados na internet entre 1 º de abril de 2015 e o diadas eleições nos EstadosUnidos, Benkler, Robert Faris, Hal RobertseEthanZuckermanmostramqueuma redede mídiadedireita cujocentroeraoportal de extremadireita Breitbart criouumsistemademídia fechadoquedistribuía e confirmava informações falsas, criando uma “verdade”. Como sustenta Benkler, o papel do “quarto poder” precisa ser ajustado a uma situação na qual há uma relação per- sistente entre um presidente e uma rede de propaganda que cria uma fluência de desinformação com a intenção de manipular uma narrativa. Jornalistas precisam defen- der maneiras compartilhadas de checar a veracidade de fatos, mas o desafio que enfrentamé que a veracidade va- lemuito pouco emumecossistema regido pela confusão. Gilad Lotan, vice-presidente de ciência de dados do BuzzFeed, tambémestá preocupado coma erosãododis- curso cívicodevido à proliferaçãode propaganda empla- taformas sociais. A seuver, umdosmaiores problemas do sistema atual demídia é amistura de fato e ficção. Emma- téria apósmatéria, jornalistas e teóricos da conspiração se aglutinamem torno de umassunto, cuja cobertura contí- nua acaba polarizando o discurso público emcomunida- des que pensam igual. Nenhum dos lados é necessaria- mente falso, mas a narrativa cuidadosamente elaborada emambosomitedetalhesecontexto importantes. Quando issoocorrede forma consistente epersistente, argumenta Lotan, nossa percepção da realidade é afetada de forma sistemática e profunda. Um exemplo: Gary Coby, diretor de publicidade do Comitê Nacional Republicano, disse à jornalista Issie Lapowsky, da Wired , que diariamente a campanha de Trump testava de 40 mil a 50 mil versões de seus anún- cios no Facebook – uma atividade que Coby chamou de “teste A/B com esteroides”. Diferentemente do grosso da propaganda política, esses anúncios eram sujeitos a pra- ticamente zero monitoramento, permitindo que a cam- panha de Trump chegasse a um número infinito de ni-
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