REVISTA_de_JO_ESPM 20
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 79 Utópicas, as declarações são opacas o suficiente para evitar a discussão de problemas estruturais subjacentes. Peguemos aquestãoda sinalizaçãode informações falsas. Zuckerberg parece sinceramente preocupado com a dis- seminaçãode inverdades emsuaplataforma. Sóquequal- quer soluçãoparaenfrentardiretamenteesseproblemaes- taria emconflito tantocomavisãodemundodoFacebook quantocomsua realidadecomercial. Zuckerbergdefendeo poder de decisão dousuário e sua influência sobre a infor- mação que posta e sobre o que vê emseu feed de notícias. Iniciativas para inserir editores humanos no fluxode in- formaçõesdoFacebookvãocontraessavisãoepodemser difíceis de implementar nocontextodas políticas atuais da plataforma. ÉcomoargumentaAdrienneLaFrance, quees- creve sobre tecnologia: Observando essa abordagem da perspectiva do jor- nalismo, no entanto, é possível ver como Zuckerberg continua insistindo na abordagem distanciada do Facebook à responsabilidade editorial. OFacebook es- tá terceirizando o poder de decisão sobre o que apare- ce no seu feed de notícias. Não é como em um jornal, onde um editor decide o que dar na primeira página; aqui, o usuário decide. O manifesto de Zuckerberg é, em última instância, um útil lembrete do muito que avançamos desde a promessa inicial da internet. Emvez de ummundo de jardins estrei- tosmurados, deconteúdocriadoe selecionadopor umnú- mero reduzidíssimodeautores (jornais), a internet permiti- riauma trocade informaçõesmuitomais aberta, coma ati- vidade colocadanasmãos de criadores de conteúdo isola- dos e daqueles que decidemconsumir e compartilhar es- se conteúdo. A mídia seria descentralizada e democrati- zada. Durante um tempo, essa cultura de individualismo e a necessidade de democratizar o jornalismo estiveram alinhadas. Vimos empresas demídia começaremamigra- çãopor vezesdolorosadoecossistema fechadodo impres- soeda radiodifusãoparaomundomais abertoedesregra- do da internet. O resultado foi um período de experimen- taçãomovida à tecnologia tanto na velha imprensa como na nova mídia. Mas algo essencial mudou. Plataformas digitais vira- ram o “establishment” que lá atrás atacavam. Se no passa- do criticavama regulamentaçãopública e as leis pré-inter- net que, a seuver, inibiama inovação, hoje essas empresas entraram em áreas nas quais a colaboração com o gover- no é fundamental (setor aeroespacial, tecnologia de saú- de, vigilância e segurançanacional, setor automobilístico). E, se no início chegaram para subverter instituições do século 20 (incluindo organizações jornalísticas), as plata- formas estão, hoje, reproduzindoosistemadecontroleque caracterizou a mídia tradicional – só que com algoritmos, não comeditores de carne e osso. Essas decisões automa- tizadas não são mais objetivas do que o editor de um jor- nal, mas sãomuitomenos transparentes. E, embora tenha a pretensão de ser aberta a todos, a plataforma na realida- de é um sistema fechado no qual normas de conduta são rigorosamente controladas – é possível “curtir”, mas não “não curtir”, uma publicação. O problema disso, como resumiu Martin Moore, dire- tor do Centre for the Study of Media, Communication, and Power na King’s College London, em um relatório de 2015 (Tech Giants and Civic Power), é que: O sonho dessas empresas de escapar do domínio pú- blico ede encontrar espaços semrestrições legais suge- re umcompromisso limitado comodever cívico, oupe- lomenos comodever cíviconosmoldes atuais.Mas, em- bora essas empresas possamquerer se libertar de restri- ções cívicas, seus serviços hoje exercemumpapel cívi- co cada vez mais importante. É o caso, particularmente, de mercados mundo afora nos quais o Facebook é a principal via de acesso à inter- net pelos cidadãos. Apesar de Zuckerberg revestir a expansão global do Facebook em termos cívicos idealizados, o que está sen- do oferecido é um sistema fechado no qual a informação é atomizada e automaticamente distribuída e no qual o comportamento de usuários émonitorado emonetizado. Embora por um instante a cultura e o objetivo central de plataformas eeditores tenhamsealinhadograças aosprin- cípios da web aberta, isso já não ocorre. Acultura na base da razão de ser histórica do Facebook está em crescente conflito com a natureza dos mercados altamente controlados, vigiados (tanto pelo Facebook co- mo, na prática, por governos) e fechados que as platafor- mas estão erguendo. Aeconomia política das plataformas está muito distante dos princípios cívicos da web aberta. O efeito pernicioso da desinformação viral na platafor- madoFacebook é inquestionável. Oclima financeiroepo- lítico que incentiva a criação, a promoção e a rápida disse- minaçãode informações falsas ameaçaminar a confiança depositada por usuários no Facebook. Além disso, já que diferentes tipos e qualidades de conteúdo se tornaram in- distinguíveis no Facebook, essa crise de confiança supos- tamente se estenderia adebatesmuitomaiores sobre ana- turezada informação confiável eopapel do jornalismono discurso cívico. Se a real intenção do Facebook ao promovermudanças no algoritmo, criar ferramentas e lançar novas estratégias de monetização foi legitimamente ajudar a imprensa, ge- rar tráfego emanter os usuários no Facebook, ou simples- mentemaximizar seu próprio potencial publicitário, é ba- sicamente irrelevante. É como sustenta o especialista em jornalismo Mike Ananny:
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