REVISTA_de_JO_ESPM 20

86 JULHO | DEZEMBRO 2017 PraQueMentir? Gonçalo Junior Editora Noir, 2017 412 páginas REPRODUÇÃO DIVULGAÇÃO QUANDO OSWALDO de Almei- da Gogliano morreu, em 11 de junho de 1962, tinha 52 anos e uma carreira consagrada como músico e compositor de técni- ca e talento. Mas o jornal O Glo- bo , como fariam inúmeros ou- tros obituários, estampou na capa: “Vadico, parceiro de No- el, morreu aos 52 anos”. Se es- tivesse vivo, talvez morresse de desgosto. Tudo que Vadico tinha feito ao longo dos anos, desde a morte prematura do parceiro, em 1937, foi tentar provar que sua carrei- ra não se esgotava no papel de coadjuvante do talentoso cario- ca de Vila Isabel. Quando olhamos para trás coma teleobjetiva da história, al- gumas figuras dominantes ten- dem a obscurecer outras tan- tas. A música popular brasilei- LIVRO Uma biografia para dar independência a Vadico ra do início do século 20 pare- ce ter apenas nomes como Chi- quinha Gonzaga, Almirante, Pi- xinguinha, Francisco Alves, Car- men Miranda e uns poucos ou- tros. Mesmo Noel Rosa só é lem- brado após umbem-sucedido es- forço de recuperação feito nos anos 1950 e 1960. Muitos outros gênios ficam escondidos. É o ca- so de Vadico. Mostrar sua estatura inteira é a tarefa cumprida pela biogra- fia Pra Que Mentir? , do jornalis- ta e escritor Gonçalo Junior, que mostra como o talentoso paulis- tano de família italiana já era re- conhecido antes demudar para o Rio e encontrar o parceiro mais famoso, em 1932, e seguiu acu- mulando sucessos o resto da vi- da, também curta: nos 17 anos que ele trabalhou nos Estados Unidos, de início como parte do Bando da Lua, que acompanhava Carmen Miranda (aparece com ela em seis filmes), ou nas par- cerias com outros letristas, in- cluindo Vinicius deMoraes, como músico e arranjador de inúmeros discos que fizeram história. Gonçalo Junior escreve bem e se aproveita da delícia de con- tar histórias que ajudam a ilumi- nar a biografia de seu persona- gem, envolto emum tempo a que a memória brasileira atribui au- ra romântica, associada a certa ingenuidade nacional, do Rio de Janeiro boêmio dos tempos de capital, da gestação da revolu- ção musical representada pela Bossa Nova (1959). E a crônica daquele tempo é fundamental para compreender a vida de Vadico. Um exemplo: carreira muitomaior do que a de principal parceiro de Noel (fize- ram 11 músicas juntos). Mas Noel é uma figura dominante na obra, desde o título, tirado de uma par- ceria dos dois. Tambémo enredo da vida do músico, mesmo sem querer, potencializa a relação dos dois, pois Vadico frequente- mente teve de afastar a sombra de Noel ou lutar para ser reco- nhecido como autor das músicas que fizeram juntos. Além disso, não há como apa- gar a luz ofuscante do sucesso que aquelas 11 canções tive- ram na história da música po- pular brasileira: são músicas co- mo “Feitio de Oração”, “Feiti- ço da Vila”, “Conversa de Bote- quim” e aquela que serviu de tí- tulo para o livro. Por isso, o es- pectro de Noel fica reforçado no livro consagrado à independên- cia de Vadico. ■ Vadico ao piano: de volta ao Brasil, era pianista de boates do Rio não é possível entender suamor- te, por ataque cardíaco, sem ser informado, pelo texto, sobre a Copa doMundo de 1962, no Chile. Pois foi naquelemomento, quan- do os jogos só eram acompanha- dos ao vivo pelo rádio, que Vadi- co acompanhou nervoso a dura partida contra a Espanha, que o Brasil ganhou de virada (2 X 1) no finalzinho. Foi um jogo para “testar cardíacos”, como escre- ve Gonçalo Junior. O peito de Vadico não passou no teste: ele desmaiou durante a partida. Seu coração deve ter começado a falhar, mas ele não quis ir ao hospital, foi para ca- sa, descansou, voltou ao traba- lho no dia seguinte. Mas cinco dias depois, quando se prepara- va para uma gravação em estú- dio, morreu. Nas 412 páginas, Gonçalo mostra que Vadico tinha uma

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