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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 87 ENTREVISTA Seis perguntas para o escritor que consagrou a expressão “pós-verdade” O LIVRO The Post-Truth Era (A Era da Pós-Verdade) foi lan- çado em 2004, 12 anos antes da campanha que elegeu Do- nald Trump presidente dos EstadosUnidos edaexpressão ser eleita “palavra do ano” pelo Dicionário Oxford . Seu autor, o ensaísta americano Ralph Keyes, reclama da su- perficialidade do debate no país, inclusive sobre o fenô- meno que ele aponta, como diz nesta entrevista à Revista de Jornalismo ESPM . O sr. não inventou o termo pós-verdade, mas foi com seu livro que a palavra ga- nhou o debate público. De- pois foi para a capa da Eco- nomist e se tornou a palavra do ano no DicionárioOxford . O sr. crê que recebeu os cré- ditos intelectuais devidos? Pergunta interessante. Prova- velmente não, mas a maioria dos tópicos sobre os quais tenho escrito (solidão, memó- rias da adolescência, altura, tomada de riscos, erros de citação, falhas etc.) só viraram temas populares algumtempo depois que meus livros sobre esses assuntos forampublica- dos. Em A Era da Pós-Verdade eu tentei expandir o tema, olhá-lo de uma perspectiva histórica.Masessaabordagem não recebe muita atenção na era “Trump-Twitter”, quando as posições simplistas tendem a prevalecer. O termo pós-verdade pode sugerir que algum dia a imprensa foi capaz de dizer a verdade, quando provavel- mente nunca foi, ou que os políticos falavama verdade, o que nunca aconteceu tam- bém. Afinal, emque verdade vocêpensavaquandoadotou a expressão pós-verdade? Concordoqueadesonestidade não é um fenômeno contem- porâneo,masacrediteque, em umtempoanterior,pelomenos prezávamosoprincípiodefalar a verdadeenãoqueríamos ser pegos mentindo. Na era da pós-verdade, emque a distân- cia entre honestidade e deso- nestidadediminuiu, isso jánão parece fazer diferença. Pensando que jornalistas e políticos talvez nunca te- nham sido completamente verdadeiros, o sr. não pensa que poderia ser mais objeti- vo debater se estamos pas- sandoporumaépocanaqual os fatos e a cobertura de fa- tos já não têm a importân- cia que tiveram? Isso faz sentido, estamos vi- vendo ao mesmo tempo uma “era da pós-verdade” e do “pós-fato”,emqueumassessor dopresidentedos EstadosUni- dos falade“fatosalternativos”. O senador americano Patrick Moynihan (1927-2003) dizia que todos temos direito a nos- sas próprias opiniões,mas não aos nossos próprios fatos. Aparentemente, isso já não vale para os dias de hoje. O sr. consegue prever umce- nário em que esse contexto de trivialização extrema das mentiras e falsas notícias, de que a internet se tornou uma fábrica, possa ser con- tido? As coisas podem me- lhorar? Como? Penso que, em algum tempo, haverá uma reação na direção da honestidade extrema. Ne- nhumageraçãoquer ser como a anterior, a de seus pais, e talvez uma forma pela qual essa reação se realize seja na direção de uma narrativa es- crupulosamente verdadeira. Eu espero, qualquer dia. Nesse caso, é natural falar em fatos alternativos? É natural para muitos, princi- palmente para os âncoras de talk shows conservadores, co- mentaristas de programas jornalísticos de TV a cabo e políticos sem escrúpulos. O Brasil tem vivido um perí- odo demuito atrito político, e o questionamento da im- prensa tem sido mais preju- dicial do que os ataques do trumpismo nos Estados Uni- dos. O sr. tem perspectivas de lançar seu livro noBrasil? Com toda a atenção que o de- bate despertou em seu país, eu gostaria de ver em edição brasileira. Talvez meu livro possa ter mais impacto aí do que teve em sua terra natal. ■ leão serva é jornalista, professor do curso de graduação em Jornalismo da ESPM e escritor, autor de Jornalismo e Desinformação (Senac, 2001) e coautor de Como Viver em São Paulo Sem Carro – 2013 . Dirige a agência de conteúdo Santa Clara Ideias. The Post-Truth Era: Dishonesty andDeception in Contemporary Life Ralph Keyes St. Martin’s Press, 320 páginas DIVULGAÇÃO Ralph Keyes critica a baixa qualidade do debate sobre o pós-fato
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