Revista de Jornalismo ESPM 21

8 JANEIRO | JUNHO 2018 exercer jornalismo independente sempre foi arriscadoemqualquer lugar do mundo. Mas as coisas pioraram muito ultimamente. Os casos de vio- lência aumentaram, e a extensão geo- gráfica de onde eles ocorremtambém. Em2017, 65 jornalistas foramassas- sinados, 326 presos e 54 feitos reféns por organizações terroristas ou cri- minosas, de acordo com a entidade Repórteres sem Fronteiras. Além disso, centenas (ao menos 200 só nos Estados Unidos, segundo a firma de segurança cibernética Secu- reworks, citada pela AP) foram alvos dehackers dogrupoFancyBear, ligado ao governo russo. As causas desse agravamento são diversas, desde o aparecimento de novos grupos terroristas agressivos contra a imprensa até o recrudesci- mento do narcotráfico em diversas regiões. Entre elas, uma deve ser destacada: a campanha contra o jornalismo inde- pendente desencadeada pelo presi- dente Donald Trump nos Estados Unidos. Bemoumal, seu país funcionou por décadas como instrumentode pressão contraataques à liberdadede imprensa em regiões onde sua influência polí- tica, econômica oumilitar era grande. Trump abandonou esse padrão de conduta em seu comportamento nas relações internacionais. Em decor- rência, líderes autoritários na Tur- quia, Malta, Filipinas, Rússia e vários outros países podem agir com mais desenvoltura. ■ UMA FRASE Nunca foi tão perigoso ser jornalista VIDAS EM RISCO ONIEMAN JOURNALISMLAB, daHar- vardUniversity, chamouumgrupode estudiosos da atividade para fazer prognósticos a respeito do desempe- nho da indústria este ano. Embora as análises tratem especificamente da imprensa americana, é sempre útil para brasileiros estar atentos às ten- dências da profissãonos EstadosUni- dos, porque, com frequência, elas acabam influenciando as daqui. De modo geral, as previsões são pouco animadoras: o desemprego vai continuar a crescer na maioria das redações, metas de faturamen- to não serão alcançadas, a confiança do público nasmídias pode cairmais. No entanto, há espaço para avan- ços em alguns setores, como reflexo demovimentos sociais mais amplos. Como as questões de gênero nas redações, que tendema ser mais de- batidas e talvez parcialmente resolvi- das na esteira do sucessodo#MeToo. Isso já aconteceu em 2018, por exemplo, na britânica BBC, que te- ve de mudar políticas salariais que desfavoreciam as mulheres. Bill Keller, que foi diretor de reda- ção do New York Times , prevê que o apoio de fundações filantrópicas ao jornalismo deve crescer, assimcomo o número de veículos organizados como entidades sem fins lucrativos. Vídeos epodcasts tendemaganhar mais relevância e textos devemper- der espaço, segundo vários dos con- sultados pelo Nieman. ■ Avanços em 2018 CRISE ESTRUTURAL PERSISTE “É muito fácil você identificar uma notícia falsa: é só jogar no Google, ver se tem jornais de grande circulação noticiando isso.” (Demetrius Gonzaga de Oliveira, delegado do núcleo de combate a crimes cibernéticos da Polícia Civil de Curitiba e um dos pioneiros dessa área no país, em entrevista à Folha de S.Paulo em 15 de janeiro de 2018) Daphne Caruana Galizia, assassinada em Malta, expôs diversos casos de corrupção DARRIN ZAMMIT LUPI/REUTERS/LATINSTOCK REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 9 NAS TELONAS E TELINHAS o wAsHInGTOnPOsT vive suamelhor fase em décadas e oferece sinais de espe- rança para a indústria, que ele, como poucos veículos, representa. A empresa que o controla anun- ciou que o jornal deu lucro em2017, a exemplo do que já ocorrera em2016, e que investimentos em pessoal na redação e na tecnologia serão feitos nos próximos meses. Quando o bilionário da tecnologia Jeff Bezos comprou o Post da famí- lia Grahamem2013 por ínfimos US$ 250milhões à vista, o destino do diá- rio tinha tudo para ser o pior possível. Afogado em dívidas, decadente na qualidade do pro- duto, coma redação desmotivada, o jornal havia se tornado uma sombra do grande ícone dos anos 1970, na época dos Documentos do Pentágono e do caso Watergate. É do primeiro desses episódios que trata o filme The Post , de Steven Spielberg, sucesso de público e crítica, que tem servido como uma espécie de catalisador dos defen- sores da liberdade de imprensa nestes tempos de Trump. Como muitos já notaram, a primazia da revelação dos documentos foi do New York Times , que, no entanto, se viu proibido pela Justiça de continuar a publicá-los, por causa de uma iniciativa do governo de Richard Nixon. Então, o Post tomou a dianteira, sob o risco de também vir a ser alvo de censura. Um de seus repórteres também tinha tido acesso aos papéis e deu sequência à divulgação. A Suprema Corte deu ganho de causa aos jornais, em decisão que é um marco de garantia à liberdade de informação. Apartir daí, o Post , sobo comandodeKatharineGraham, dona, e Ben Bradlee, editor, rivalizaria como Times como o principal jornal para o noticiário político do país. Como casoWatergate, anos depois, para muitos o Post assumiu a liderança do jornalismo americano. Mas, como aparecimento da internet na década de 1990 e em virtude de diversas decisões estratégicas de negó- cios equivocadas, o jornal entrou em crise, que parecia terminal há cinco anos. Bezos investiu pesado na redação e em tecnologia, diversificou a oferta de produtos (inclusive a venda de tecnologia e conteúdo para veículos menores), apostou na ampliação da carteira de assinantes da edição digital pelo mundo todo e agora está colhendo os frutos. ■ The Washington Post é sucesso nos cinemas e também no balancete Revista e diário que simbolizaram imprensa são vendidos carlos eduardo lins da silva é livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor . OS TEMPOS ESTÃO MUDANDO TIME INC., A PRINCIPAL EMPRESA pro- prietária de revistas da história, com tí- tulos como Time e Life , deixou formal- mentede existir em1º de fevereirodeste ano, quando sua logomarca foi retirada da entrada do prédio que ocupava em Manhattan e seu website redirecionado para o dos novos donos. Quem comprou a Time foi a Mere- dith Corp., uma editora relativamente pequena, do Estado de Iowa, especia- lizada em produtos para casa, família e autoajuda, comUS$ 650milhões dos ir- mãos Charles e David Koch, bilionários superconservadores que apoiamo pre- sidente Donald Trump e outros políticos de direita nos Estados Unidos. Time e Life tiveram em suas redações alguns dos maiores nomes do jornalis- mo, como Robert Cappa, Henri Cartier- -Bresson e Walter Isaacson. Um dos cinco principais diários ame- ricanos, o secular The LosAngeles Times foi tambémvendidoparaumbilionárioneó- fito em imprensa este ano. Oempresário embiotecnologia Patrick Soon-Shiong o comprou por US$ 560milhões do tradi- cional grupo jornalísticoTribune, quepor sua vez o havia adquirido em 2000 da família Chandler, que o fundara em1881. O Times , como vários outros diários americanos, entrou em crise nos anos 1990 por não encontrar uma fórmula de negócios sustentável para enfren- tar as adversidades trazidas pela inter- net ao setor. ■ Jeff Bezos investiu em pessoal e tecnologia no Post e agora está colhendo os frutos GARY CAMERON/REUTERS/LATINSTOCK

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx