Revista de Jornalismo ESPM 21

20 JANEIRO | JUNHO 2018 No cerne da enxurrada de denúncias está a constatação de que o meio jornalístico, comprometido com a verdade e a transparência quando o interesse público está em jogo, se desincumbiu da responsabilidade de proteger a integri- dade dos próprios profissionais. Foi por isso que nós, na Columbia Journalism Review , resolvemos decifrar políti- cas de combate ao assédio sexual na imprensa americana. No final de outubro, criamos dois questionários para con- duzir umestudo (não científico): umpara jornalistas com contrato fixo e outro para profissionais de recursos huma- nos (RH) e altos executivos de meios de comunicação. Um terceiro questionário foi aplicado a jornalistas free- lancers. Ao longo de três semanas, centenas de profissio- nais de redações e jornalistas autônomos responderam à pesquisa e dezenas, sobretudo do sexo feminino, nosman- daram relatos pessoais de assédio sexual no posto atual ou em empregos anteriores. Muitos fizeram denúncias que, comsua devida autorização, a CJR passou a divulgar. Naquele intervalo de três semanas, contudo, não rece- bemos resposta de nenhum dos 149 veículos de comuni- cação por nós procurados. Nosso objetivo é ter umamelhor noção de como empre- sas jornalísticas lidam com denúncias de assédio sexual para tentar demonstrar que, como setor, temos tanto capa- cidade quanto disposição para tomar as mesmas decisões difíceis que cobramos de outros setores. Queríamos saber até que ponto os jornalistas entendiam a política oficial da empresa para a qual trabalhavam. No momento da contratação, por exemplo, recebiam uma cópia em papel ou eletrônica da política de combate ao assédio sexual? Eramobrigados a participar de alguma orientação sobre o assunto? Se quisessemprestar uma queixa, sabiamcomo? Queríamos, igualmente, que veículos de imprensa expli- cassem sua política oficial. A equipe da CJR divulgou os questionários para jornalistas em redes sociais, em seu site, em fóruns eletrônicos e grupos ligados ao jornalismo na internet, por listas de e-mails e entre amigos e ex-cole- gas de trabalho. Já o questionário para o RH e executivos foi enviado por e-mail a 149 organizações jornalísticas. Respostas reveladoras Desde que iniciamos a distribuição dos questionários, no dia 13 de novembro de 2017, um total de 310 jornalistas – entre contratados e freelancers trabalhando nos Estados Unidos e emoutros países – respondeu à pesquisa. Amaio- ria (81%) se identificou como mulher. Outros 16% disse- ram ser do sexo masculino e pouco menos de 2% indica- ram o sexo como terceiro gênero ou não binário. Vários usaram outras classificações, incluindo transgênero. Esses jornalistas trabalhavam para uma série de veícu- los de comunicação, em lugares distintos e emmeios diver- sos, incluindo pequenas publicações nos Estados Unidos e no Canadá e grandes organizações jornalísticas, como NPR, The Washington Post , Vice, CNN, CBS, The Atlantic , BBCNews e CanadianBroadcasting Corporation. Recebe- mos respostas de profissionais de jornais e revistas, auto- res de podcasts, jornalistas de emissoras públicas de rádio e repórteres de TV. Participou gente de pequenas publica- ções impressas regionais e de meios exclusivamente digi- A responsabilidade pela conduta hostil é tanto dos homens que a praticam quanto das empresas que os protegem REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 21 tais. Nesse conjunto, havia repórteres de política, economia, cultura, esportes. E fotojornalistas. Eram indivíduos lota- dos em lugares radicalmente distintos, como NewHamp- shire e Islamabad. As respostas foram reveladoras. Entre os contrata- dos, 66% disseram que sua organização tinha uma polí- tica clara de combate ao assédio sexual – um bom sinal. Mas só 21% disseram entender perfeitamente essa polí- tica. Diante do enunciado “Conheço e entendo a política de combate ao assédio sexual da minha empresa”, 22% assinalaram a opção “Discordo” e 12% a “Discordo total- mente”. Veja gráficos 1 e 2 Comnovas denúncias surgindo, a direção desses meios vem reenviando cópias eletrônicas das políticas da res- pectiva empresa e indicando vias para a denúncia de inci- dentes já ocorridos. Todo esse esforço, no entanto, será emvão se os funcionários não tiveremuma clara compre- ensão do significado desses recursos e se não souberem como usá-los caso necessário. Uma razão para a confu- são pode ser a ausência de orientação regular. A maioria dos jornalistas com contrato fixo disse ter recebido orientação específica sobre o combate ao assé- dio sexual ao entrar para a empresa, embora 73% tenham dito que, tirando essa orientação, nunca tiveramde parti- cipar de alguma atividade na qual essas políticas tenham sido formalmente discutidas. No caso de freelancers, nada menos que 96% dos participantes disseram que nunca tinham recebido a política de combate ao assédio sexual dos meios para os quais prestavam serviços. Nenhumdos 20 freelancers que disseram se deslocar até a redação de um veículo pelo menos três vezes ao mês a trabalho afir- mou ter recebido uma cópia dessa política. Não surpreende, portanto, que 80% dos profissionais independentes tenham dito que, se quisessem denun- ciar um episódio de assédio sexual envolvendo alguma empresa para a qual trabalhamnão saberiamcomo fazê-lo. No caso de quase 90% dos freelancers, o contrato típico de trabalho não inclui nenhuma cláusula sobre políticas de combate a assédio sexual ou sobre salvaguardas (se há alguma) oferecidas pela empresa a freelancers e a outros prestadores de serviços. Um total de 39% dos freelancers que responderam ao questionário disseram não se sentir protegidos no trabalho com organizações jornalísticas. As cifras eram melhores no caso de jornalistas com contrato fixo. Destes, 34% responderam concordar ple- namente com o enunciado “Eu me sinto protegido(a) no trabalho” (outros 35%disseramconcordar e 11%optaram pelas alternativas “Discordo” ou “Discordo totalmente”). Ainda assim, 53%das pessoas que participaramdisseram não saber como fazer uma denúncia ou não ter certeza se saberiam se fosse preciso, sugerindo que organizações jornalísticas não estão se comunicando adequadamente com os funcionários. Especialistas em RH – e a Suprema Corte americana – há muito martelam a importância de políticas e de orien- tação para o combate ao assédio sexual (nos Estados Uni- dos, o assédio de um trabalhador com base no gênero, incluindo o assédio de natureza sexual, é ilegal nos ter- mos do Título 7 da Lei de Direitos Civis de 1964, caso seja “tão frequente ou grave que crie um ambiente de traba- 1 Jornalista com contrato fixo: Sua empresa tem políticas de combate ao assédio sexual? 2 Jornalista com contrato fixo: Conheço e entendo a política de combate ao assédio sexual da minha empresa. SIM NÃO NÃO SEI CONCORDO TOTALMENTE CONCORDO DISCORDO DISCORDO TOTALMENTE EMPRESA NÃO TEM UMA POLÍTICA SOBRE O ASSUNTO 65,5% SIM 26,4% NÃO SEI 8% NÃO 21,1% CONCORDO TOTALMENTE 33% CONCORDO 21,8% DISCORDO 11,9% 12,3%

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