Revista de Jornalismo ESPM 21
24 JANEIRO | JUNHO 2018 antes de mais nada, para servir à empresa – não aos tra- balhadores. Mas parte do trabalho de servir à empresa, acrescenta, significa servir a seus funcionários. “Resumindo, [a empresa] quer que as pessoas convivam bem, que tenham vontade de ir trabalhar, que façam um bom trabalho e não tenhamconflitos. Um funcionário que vive todo esse embate não vai fazer bemo trabalho – e isso não é bomnempara a empresa, nempara o trabalhador”, explica Sellers. “Não vejo o que uma empresa ganharia divulgando [a política de combate ao assédio sexual] para o mundo, mas, se há uma política, não é bom ocultar o fato.” Na condição de consultora, Sellers já fez pesquisas similares para avaliar políticas de recursos humanos de empresas e comparar práticas de diferentes setores –mas mantém o caráter anônimo das informações, algo que, a seu ver, é um incentivo à participação. “Nomomento, nenhuma empresa quer estar sob a lupa, comseus procedimentos sob análise. Há tanta coisa acon- tecendo com as pessoas abrindo o jogo que o [clima no] setor de RH é de muita incerteza”, argumenta Sellers, para quem as organizações por nós procuradas “ [talvez] não quisessem despontar como o exemplo do que não fazer”. Se o comando tivesse certeza de que está agindo da maneira certa, continua ela, talvez fosse mais fácil se expor a possíveis críticas. O medo de ser usado como exemplo, a vergonha de admitir umerro publicamente, é uma paralisia compreen- sível. Mas não é uma desculpa que jornalistas aceitariam facilmente de outros, sobretudo quando já foi constatado que a responsabilidade por essa conduta hostil não é só dos homens que a perpetram, mas tambémdas organiza- ções que permitemessa conduta e protegemesses indiví- duos. Para que nossos ideais de transparência (ou accoun- tability ) e de busca da verdade no interesse público sejam levados a sério, devemos aceitar que valem também para nós – ainda que isso doa. E especialmente quando doer. ■ alexandria neason é parte da equipe editorial sênior da CJR . Seu Twitter é @alexandrianeas. Texto originalmente publicado em 1º de dezembro de 2017 em www.cjr.org REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 25 Kyle: Como você cobre um escândalo na própria reda- ção? Conforme a lista de casos de assédio sexual cresce, as redações estão em uma posição de escrever sobre elas mesmas. Além dos conselhos óbvios – cobrir sua histó- ria de maneira incisiva e proteger de maneira adequada os repórteres que estão no caso –, você temmais alguma recomendação especial para os gestores em uma situa- ção assim? Jill: Com certeza! Para começar, tenho amigos na NPR, uma das maiores redes de emissoras de rádio dos Estados Unidos. Dou aulas lá. Em 2017, o vice-presidente sênior de jornalismo da NPR foi afastado depois de várias acu- sações de assédio sexual, que vinhamdesde os anos 1990, quando ele estava no New York Times . A frustração e a raiva na NPR e em outros lugares são reais, estão lá – e estragam tudo se não geraremuma mudança de verdade. Esse processo pode levar amais denúncias de assédio nas redações. Para os gestores, é difícil lidar com essas situ- ações, esse é o tipo de coisa que não ensinam na facul- dade de jornalismo. Você tem compromissos com a objetividade, com a transparência e com a confiança do leitor. Ao mesmo tempo, há uma obrigação com o bem-estar da sua equipe – individual e coletivamente. Você é o guardião da inte- gridade da sua organização. Mas há umdesafio: emépocas de escândalo, esses guar- diões devem encarar uma longa lista de partes interes- sadas: os acusados, as vítimas, as testemunhas, a equipe, o público, as autoridades, comitês, sindicatos, doado- res, investidores, anunciantes e toda a comunidade do jornalismo. Embora todas elas esperemque você “faça a coisa certa”, a qualquer momento uma dessas partes pode ser contra- riada, por uma diferença de prioridades ou de pontos de vista. Essa é a vida de quem está na chefia nas fases ruins. Para me situar em meio à complexidade e aos confli- tos, tenho um “Checklist de escândalos” para as chefias de jornalismo: Ao investigar supostas irregularidades, a busca é por violações de leis, códigos, regras e estatutos –mas nem tudo que é errado se enquadra nessas categorias. Um comportamento pode não ser correto mesmo que não exista nenhuma regra específica contra ele. Considere o impacto. Atente para a diferença de forças entre o acu- sado e os afetados. Cobre dosmembrosmais poderosos e influentes da equipe o padrão de condutamais elevado. A era dos escândalos Especialista em gestão lista conselhos e procedimentos úteis para investigar de modo transparente denúncias na própria equipe por j ill geisler em novembro de 2017, Kyle Pope, diretor de redação da CJR , e Jill Geisler, especialista em gestão, falaram sobre como as redações devem cobrir acusações de assédio sexual que atingem a equipe e quais devem ser os critérios para esse trabalho.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx