Revista de Jornalismo ESPM 21
26 JANEIRO | JUNHO 2018 Sua organização usa a área de Recursos Humanos (RH) e o Departamento Jurídico para garantir apura- ções justas – mas alguns funcionários podem não con- fiar neles. Isso pode parecer uma ofensa para os espe- cialistas bem-intencionados, mas existe um temor de que o papel dessas áreas seja proteger a organização antes dos empregados. Esclareça essas dúvidas sendo o mais transparente possível sobre o processo. Quando a confiança está em baixa e as pessoas têm medo de represálias, vítimas e testemunhas dificilmente vão fazer suas denúncias. Use sua própria credibilidade e sua influência para encorajar a abertura da equipe. Denunciantes podempedir anonimato enquanto sua equipe pede transparência sobre a investigação. Expli- que a sua situação e peça à equipe para respeitar a von- tade dos colegas. A rádio peão não para – e pode ser uma fonte de boas pistas ou das piores fofocas. Seja um ouvinte dis- creto e atento. Decida quais reuniões serão feitas em off (espe- cialmente em resposta a alguma questão sensível da equipe), mas lembre que os empregados não têmdever de guardar sigilo. Sua cobertura rigorosa do próprio escândalo pode incomodar os mandachuvas. Esteja pronto para pro- teger seus repórteres. Saiba que seus empregados podem ser fontes e infor- mantes para os repórteres da sua organização e de outras. Se eles estiverem falando a verdade, proteja-os. Não deixe sua equipe tomar um furo no próprio escândalo (a menos que você tenha certeza de que a empresa quer abafar o caso). Prepare umplano para responder a demandas exter- nas, não esconda nada. Se você se tornar personagemcentral da história, não se envolva na cobertura. Delegue! Procure especialistas em ética para uma orienta- ção externa. Entenda que, durante uma crise, uma sensação de déjà vu vai surgir, uma certeza de que algo era óbvio ou que poderia ter sido previsto. Essa sensação pode estar certa ou não – mas é real. Situações difíceis podem fazer feridas antigas san- grar. Quem já passou por maus bocados no trabalho, mesmo que em outra ocasião e em outras circunstân- cias, pode se sentir atingido de novo. Tenha empatia, ouça essas pessoas, não se feche. Peça desculpas sinceras por decisões ruins e pelas oportunidades perdidas. Ouça a equipe; envolva-os nos próximos passos, como reescrever regulamentos e corrigir a cultura da organização. Entenda que o seu caso vai assombrar a casa por um bom tempo; assuma a missão de escrever novos capí- tulos de uma nova história. Fundamente suas contratações no caráter, além do talento. Ninguém deve ser considerado indispensá- vel quando for a hora de punir o mau comportamento. Lidere pelo exemplo, com integridade; você não é apenas o responsável por aplicar as regras, mas um defensor inabalável de valores. Agradeça seus amigos. Depois disso tudo, você vai saber quem são os verdadeiros. Kyle: Aindanessa questão, vemos quediferentes grupos jor- nalísticos têmpadrões distintos ao cobrir casos de assédio. Por exemplo, alguns proíbem que as mulheres permane- çamanônimas, outros não. Alguma dica para nos orientar? Jill: Todos nós sabemos que evitar as denúncias apócri- fas é a regra de ouro do jornalismo confiável. Nós também sabemos que a garantia do anonimato é o que encoraja as vítimas e garante boas matérias. As vítimas dificilmente vão fazer queixas formais, porque isso pode custar caro REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 27 Assediadores se aproveitaram disso. Eles sabem que suas vítimas dificilmente vão denunciá-los, porque isso pode custar caro. Não é de admirar que depois do escândalo envolvendo Harvey Weinstein, um dos mais poderosos produtores de Hollywood, que assediou atrizes durante anos e usou sua influência para impedir denúncias, as organizações jornalísticas tenham passado a tratar as vítimas de assé- dio com o mesmo cuidado que dedicavam às vítimas de estupro, só revelando seus nomes se elas permitissem. Mas essa sensibilidade deve estar combinada comrigor jornalístico. Uma cobertura justa exige que trabalhemos para veri- ficar uma acusação de maneira independente. Devemos aprender o máximo possível sobre o acusador e o con- texto do comportamento analisado. Não podemos dei- xar que nossa raiva ou nossa simpatia nos façam come- ter o mesmo erro que a Rolling Stone cometeu em 2014, quando publicou uma matéria sobre um suposto estupro no campus da Universidade da Virgínia, nos Estados Uni- dos. A reportagem se baseava no depoimento anônimo de “Jackie”, a suposta vítima do estupro – que se retra- tou depois que a matéria foi publicada. Os repórteres devemaprovar os pedidos de anonimato com seus editores, para que essa decisão passe por mais de uma pessoa. E por mais que isso possa ofender alguns homens de bem, que não são como todos os outros, garanta que essa decisão não passe apenas por homens. Asmulhe- res na redação podemorientá-los. Esse é umexemplo per- feito de como a diversidade nas redações contribui para um jornalismo melhor. Sua matéria deve explicar o porquê do anonimato das fontes, para que o público entenda seu processo e seus valores. Se você convencer umamulher a se expor, seja honesto com ela sobre as reações que ela pode não ter previsto. Fique de olho nos comentários e nas redes sociais para identificar ataques de trolls . Não retribua a coragem e a franqueza dela comumpalanque para discursos de ódio. ■ jill geisler orienta gestores no mundo todo. Ocupa a cátedra Bill Plante em Liderança e Integridade de Meios de Comunicação na Loyola University de Chicago. É autora do livro Como Se Tornar um Ótimo Chefe (Editora Sextante, 2013) – Work Happy: What Great Bosses Know , no original em inglês. Texto originalmente publicado em 7 de novembro de 2017 em www.cjr.org
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