Revista de Jornalismo ESPM 21
50 JANEIRO | JUNHO 2018 Na mira da mídia por anna gabriela araujo Sites noticiosos carregados de ideologia política promovem o linchamento da própria imprensa. Mas nem tudo é fake no universo da comunicação “ nãohá fatos eternos como não há verdades absolutas” . Em tempos de WhatsApp, Facebook, Twitter, Insta- gram e fake news, a frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche nunca fez tanto sentido. De acordo como jornal TheWashin- gton Post , apenas DonaldTrump pro- feriu 1.318 falas equivocadas em 263 dias de governo – o que representa uma média de cinco mentiras ditas por dia sobre os mais diversos assun- tos, de imigração a educação. Vale tudo para manter em funcionamento esse poderoso ecossistema da desinforma- ção – damanipulação do conteúdo até a construção de fatos. Por aqui, no Brasil, a situação dos pré-candidatos àPresidênciadaRepú- blica não é muito diferente, como apontam duas checagens feitas pelo Truco, projeto de fact-checking da Agência Pública: “Exageros e impre- cisões marcam discurso de Lula em caravana”; e “Marina Silva usa dados falsos e imprecisos em discurso”. Na era da pós-verdade, as fake news ocupam cada vez mais espaço nos aplicativos de mensagem, nas redes sociais e nos mecanismos de busca, que sãoos principaismeios pelos quais as pessoas buscam se informar. Dis- farçados de noticiário, dados falsos e imprecisos influenciam opiniões, ameaçam reputações e causam pre- juízo à imagemde pessoas e empresas. Nessa arena digital, onde cada indi- víduo tema própria audiência, amídia virou um campo minado para jorna- listas e veículos de comunicação, que são constantemente citados, julgados e condenados por manchetes carre- gadas de adjetivos, dados imprecisos e muito sensacionalismo. Publicadas em sites noticiosos ligados a militân- cia política, ou até emperfis falsos nas redes que tratamde plantar invencio- nices com alto potencial de viraliza- ção ( veja quadro Nada mais demo- crático que a boataria), as diversas modalidades de fake news – que vão de sátiras e paródias noticiosas a con- teúdo fabricado – transformam boa- tos em fatos e fatos em boatos, prin- cipalmente quando a pauta em ques- tão é a própria imprensa. “Globousa entidades para pedir punição a manifestantes”, acusa o site Brasil 247. “A fake news do detrito damaré do jornalismo: Veja , para variar, mentiu”, julga Eugênio Aragão no Jornal GGN. “A imprensa carcereira já des- creve a prisão de Lula”, acredita Fernando Brito no site Tijolaço. A enxurrada de notícias tenden- ciosas e falsas aliada à polarização da sociedade civil são uma combinação explosiva que coloca emxeque a rele- vância dos veículos de comunicação e de seus profissionais. O Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informa- ção (Gpopai) da Universidade de São Paulo (USP) estima que das 3,5 mil notícias relacionadas àpolítica que são publicadas em média por dia, o Bra- sil lê e compartilha via redes sociais cerca de 200: “Não é uma tática de direita ou de esquerda. Mas faz parte da guerra política. Os dois lados pro- duzeme disseminaminformações não verificadas porque buscama hegemo- nia na interpretação dos fatos”, ava- lia Pablo Ortellado, cientista político e coordenador do Gpopai, em entre- REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 51 vista ao jornal O Estado de S. Paulo . “É o compartilhamento nas redes sociais que ajuda a alimentar o ecos- sistema da desinformação”, comenta o profissional noManual da Credibi- lidade, que foi produzido pelo capí- tulo brasileiro do Trust Project, por meiode uma parceria entre o Instituto para o Desenvolvimento do Jorna- lismo (Projor) e a Universidade Esta- dual Paulista (Unesp). Esse mecanismo transforma boa- tos em certezas e é retroalimentado pelo trabalho de políticos, membros da militância e até mesmo de órgãos sindicais que usamas fake news como arma para atacar a imprensa e cercear a liberdade de expressão dos profis- sionais que nela atuam. Vítimas da notícia A face mais cruel desse mecanismo é o linchamento virtual de pessoas, que são julgadas pela imprensa alter- nativa combase emboatos, suspeitas e notícias falsas ou manipuladas. Até o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, editor desta publicação, já foi vítima desse tipo de ataque durante os anos de 2008 e 2010, quando exer- ceu a função de ombudsman do jor- nal Folha de S.Paulo . “Sempre fui um crítico do conteúdo publicado pelo jornal, mas sem fazer uso de adjeti- vos ou xingamentos. E isso incomo- dava os autores dos blogs de esquerda, que cobravam ataques mais virulen- tos e me acusavam de ser um agente a serviço do jornal e não dos leitores.” Um dos episódios mais contro- vertidos ocorreu em 2009, quando Lins da Silva criticou a Folha por ter publicado uma ficha criminal supos- tamente falsa de Dilma Rousseff. O documento, que teria sido obtido no arquivo do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), ilustrou a pri- meira página do jornal de 5 de abril de 2009, com o título “Grupo de Dilma planejou sequestro de DelfimNetto”. “Escrevi um artigo incisivo contra a Folha , dizendo que o jornal tinha obri- gação de provar que a ficha era ver- dadeira e citei como exemplo o caso Rather-CBS, no qual uma denúncia contraGeorge Bush, então presidente dos Estados Unidos, foi baseada em documentos falsificados”, relembra o jornalista. No dia 25 de abril de 2009, a Folha reconheceu o erro: “Autentici- dadede fichadeDilmanão éprovada”, diziao títulodamatéria. “Quandoesses embates ocorriam, de cadadez e-mails que eu recebia, oito vinhamda turma da esquerda, muitos deles tinham o conteúdosemelhanteepareciamforja- dos. Sempre tomei comoprincípionão ir a blogs de esquerda para me defen- der, por considerar ser inútil argumen- tar com esse tipo de gente.” Quando os trollings começaram a atingir a sua família, ele optou por deixar o cargo ao término do segundo mandato. O episódio foi detalhado em “1 é pouco, 2 é bom, 3 é demais”, última coluna de Lins da Silva como ombudsman da Folha , publicada no dia 21 de fevereiro de 2010. “No meu caso, um terceiro man- dato seria particularmente inviável. (...) As amostras que tive do poder destrutivo dessas forças da irraciona- lidade foram suficientes. Elas desres- peitam até o direito humano (artigo 12 da Declaração Universal) garan- tido pela Constituição (artigo 5) da inviolabilidade da correspondência. Uma troca demensagens entremime um leitor foi apropriada por terceiro, Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública, identificou informações falsas nos discursos de Marina Silva e Lula FOTOS REPRODUÇÃO
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