Revista de Jornalismo ESPM 21

52 JANEIRO | JUNHO 2018 que deturpou seu conteúdo, atribuiu a mim afirmações que eu não fizera e a endereçou a blogs de jornalistas, que a acolherame a abrirama comentários sem jamais terem consultado nem o emissor nemo destinatário do e-mail se ele correspondia ao real. E alguns desses blogs são de pessoas que dizem lutar contra a falta de ética da ‘velha mídia conservadora’.” Oito anos depois de Lins da Silva ter deixado o cargo de ombudsman, a história se repete. Só que dessa vez foi a Folha que decidiu retirar o seu time de campo. No dia 8 de fevereiro, o jornal parou de atualizar o conteúdo de sua fanpage no Facebook. A decisão faz parte de uma série de iniciativas promovida pela Folha para preservar a imagemde seus jornalistas e evitar que, durante a apuração dos fatos, eles acabem virando a própria notícia, como aconteceu coma repór- ter especial FernandaMena. “O jorna- lista, que sempre esteve nos bastido- res da notícia, hoje é figura pública e sofre uma grande exposição nas redes sociais, onde todo mundo é mídia”, alertaa repórter, que já foimanchetena internet emtrêsmomentos diferentes. Naprimeira vez, Fernanda ainda era produtora especial do Fantástico , da TVGlobo, e estava fazendouma repor- tagem sobre a prisão do casal Este- vamHernandes Filho e SôniaHaddad Moraes Hernandes, fundadores da igreja Renascer emCristo, em janeiro de 2007. “Entreguei a reportagem e viajei para o exterior. Quinze dias depois, eu levei um susto ao acessar minha conta no Orkut e ver a enorme quantidade demaldições e xingamen- tos proferidos por fiéis indignados com o tom da reportagem”, lembra Fernanda, que comunicou o fato à emissora, mas nenhuma atitude foi tomada porque ainda não existia a consciência de que esse era um tipo de assédio digital ao jornalista. Tempos depois, no dia 13 de dezem- bro de 2015, ela se envolveu em uma discussão comum integrante doMBL (Movimento Brasil Livre), enquanto cobriaumamanifestaçãocontraDilma Rousseff, naAvenidaPaulista (SP) e foi parar novamente nas manchetes vir- tuais. Nessa mesma época, Fernanda participou do programa Roda Viva Internaciona l, da TV Cultura, que no dia 22 de novembro de 2015 entrevis- touCamille Paglia. “Seismeses depois de o programa ter sido exibido come- cei a recebermensagens de pessoas no exterior querendo saber sobre a dis- cussão que euhavia tido comCamille.” Uma simples busca noGoogle revelou o motivo: “Camille Paglia Brilliantly Dismantles Brazilian Feminist Fer- nandaMena Arguments” anunciava o título do vídeo, que empoucas sema- nas atingiu 375 mil visualizações, até ter oconteúdobloqueadopelaTVCul- tura, por causa de direitos autorais. Da forma como foi editado o conteúdo, a participação de Fernanda foi descon- textualizada e o programa resumido a um debate entre a jornalista brasi- leira e a feminista americana, no qual Camille levava a melhor. Recentemente, Fernanda apresen- tou esses três casos em um evento interno da Folha , sobre comporta- mento nas redes sociais. “Vivemos um Big Brother da notícia, com as lentes sempre viradas para nós. Nesse cená- rio, as armas do bom jornalismo con- tinuam mais válidas do que nunca, principalmente em ano de eleição. Credibilidade x relevância Manoel Fernandes, sócio da Bites, empresa de análise de dados no ambiente digital, concorda com Fer- nanda e faz umalerta: “Vai ser impos- sível combater fake news nas eleições de 2018, que irá promover uma carni- ficina na indústria da comunicação”, comenta o jornalista, que há 11 anos passou a usar métodos jornalísticos para fazer análise de dados. Um dos estudos indicaque 11,3milhõesdenotí- cias em português foram produzidas em todo o mundo, de março de 2017 a março deste ano. Desse total, 80% forampublicadas noBrasil. “Estatisti- camente, é impossível identificarquan- tas delas são fake news. A eleição vai passar, mas a cultura fake news irá permanecer e invadir omundo corpo- rativo. O mercado terá de aprender a conviver com isso.” O surgimento de empresas como a Bites levanta uma questão que vai além da “credibilidade dos veículos de comunicação” ou da “liberdade de expressão dos jornalistas” – temas muito discutidos pelo setor. “O pro- blema da imprensa é a falta de rele- vância no papel que exerce na vida das pessoas. Qual é o propósito atual da mídia e como ela influencia a socie- dade em tempos de escassez de aten- ção gerada pelo excesso de informa- ção? Essas são pautas que precisam ser discutidas.” Analisando a forma como os bra- sileiros consomem mídia, Fernan- des afirma que não é a mídia que está em crise, mas sim as plataformas de entrega de conteúdo e o antigomodelo de negócios sustentado via publici- dade. “Em um mundo cercado de informações imprecisas e dados incor- retos, a única forma de sobreviver é investir em fact-checking e em novos modelos, como o Poder360, que apos- tou na cobertura isenta de assuntos relacionados ao poder e ganhou rele- vância no dia a dia dos seus leitores.” Para o jornalista Fernando Rodri- gues esse é o antídoto contra osmales da mídia: uma plataforma de notí- cias sobre política e poder que é inde- pendente do ponto de vista jornalís- tico e financeiramente sustentável por meio da venda de assinaturas. “O Poder360 começou com três pes- soas. Hoje, estamos completando três anos com uma equipe de 30 pessoas. REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 53 Já somos do tamanho da maioria das sucursais dos veículos que estão em Brasília”, comemora Rodrigues, que não se sente ameaçado pelos ataques das fake news. “Essas críticas têm baixo impacto e não influem na cre- dibilidade do nosso veículo. Aqui, no Poder360, nunca tivemos um pro- blema objetivo decorrente de even- tuais difamações, que em geral vêm de veículos desqualificados e ideológi- cos, que não praticam jornalismo pro- fissional. Apenas fazem luta política.” Rodrigues afirma ainda que o fenô- meno sempre existiu. “Na época ana- lógica, eu passei por vários episódios: recebi inúmeras cartas de ameaça, enfrentei muita pressão de jornais produzidos por entidades e vivia sendo xingado pelos leitores. Consi- dero todas essasmanifestações legíti- mas, inclusive as críticas feitas pelos veículos de baixa estatura intelectual”, assegura o jornalista, que faz parte do Consórcio Internacional de Jornalis- tas Investigativos (ICIJ) e já denun- ciou muita gente no Brasil, princi- palmente durante a série de repor- tagens Panama Papers. “Sou contra qualquer tipo de restrição à liberdade de expressão, por isso defendo até o direito de as pessoas optarem pela desinformação, que é a consequência de sermos umpaís subdesenvolvido.” Segundo ele, a maior ameaça ao jornalismo profissional não são as fake news e sim a inexistência de um modelo financeiro sustentável, que apure o fato de maneira científica e consiga relatá-lo de formaminuciosa, buscandoomáximode imparcialidade. “A indústria de notícias tem um pas- sivo importante para resolver: precisa renovar sua antiga plataforma e des- cobrir como rentabilizá-la comfontes financeiras alternativas, sempreman- tendo sua independência editorial.” ■ No último ano, as fake news extrapolaram os limites da indústria da comunicação e entraram em pauta no Congresso Nacio- nal, que desde o dia 5 de março conta comuma comissão especial para analisar oitoprojetos sobre o tema, emtramitação na Câmara e no Senado. De acordo com notícia publicada no site Poder360, a ini- ciativa já recebeu um manifesto de 29 entidades que compõem a Coalizão de Direitos da Rede, que são contrárias as alterações nos Códigos Penal e Eleitoral e noMarco Civil da Internet previstas nos projetos de lei em análise. Polêmico, o assunto ainda promete render muitas pautas, como a série De- mocracia Ciborgue , que a BBC Brasil vem publicando desde o dia 8 de dezembro de 2017. A iniciativa faz parte de uma in- vestigação de três meses feita pela jor- nalista Juliana Gragnani, que denuncia a existência no Brasil de uma estratégia de manipulaçãoeleitoral edaopiniãopública nas redes sociais similar à usada por rus- sos nas eleições americanas. “Exclusivo: investigação revela exército de perfis falsos usados para influenciar eleições no Brasil”, a primeira reportagem da sé- rie, acusa 13 políticos de terem sido be- neficiados pelo serviço da Facemedia. Os senadoresAécioNeves(PSDB-MG)eRenan Calheiros (MDB-AL) e o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) es- tãoentreos suspeitos deutilizar oexército de perfis falsos administrados pela em- presa carioca que teria contratado 40 pessoasparacuidar dessas contasdurante as campanhas políticas. No dia 9 de março, outra reportagem da série revelou como o blog Seja Dita Verdade defendeu Dilma Rousseff com uma rede de fakes. No Orkut, o “compa- nheiro Armando” se descrevia como “um cidadão brasileiro indignado com a ação criminosa dos tucanos” na campanha eleitoral. No entanto, esse “Armando” nunca existiu. “Seu blog e seus perfis no Orkut e no Twitter eram administrados por quatro pessoas que teriam recebido, para tanto, de R$ 3,5 mil a R$ 4 mil men- sais entre maio e outubro de 2010”, afir- mou a matéria da BBC Brasil, que entre- vistou sob a condição de anonimato três pessoas, que dizem ter sido recrutadas sem contrato formal pela Ahead Marke- ting. A empresa, baseada em São Paulo, ofereceserviços comoode invisibletalkers (comunicadores invisíveis), grupo de agentes treinados que inserem mensa- gens em pontos estratégicos da cidade, por meio de diálogos entre eles mesmos ou com a população. Nada mais democrático que a boataria Reportagens da série Democracia Ciborgue , da BBC Brasil, revelam as estratégias de manipulação da opinião pública nas redes sociais desde 2010 anna gabriela araujo é editora- assistente da Revista de Jornalismo ESPM. KAKO ABRAHAM/BBC

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