Revista de Jornalismo ESPM 21
54 JANEIRO | JUNHO 2018 Memórias de um pioneiro da abobrinha por luiz henrique romagnoli Da gravata dos jornalões à bermuda dos comunicadores bem-humorados, o rádio se reinventa – mais uma vez – para se manter vivo na disputa pela atenção do público como os demais meios assolados pela disruptividade da internet e pela pandemia da pós-verdade nas redes sociais, o rádio dá seus pulos para ten- tar semanter relevante na disputa pela atenção do público. Alémde enfrentar o smartphone, o tablet, o notebook, a TV e, logo, a geladeira, o aspirador de pó e todas as coisas da internet das coi- sas, ainda precisa resolver se vai digi- talizar seu sinal – e em que formato – enquanto muitas emissoras ainda estão migrando do AM cheio de ruí- dos para o FM de melhor qualidade, mas alcance limitado. 1 Para conseguir lugar na cabeça do público, placas tectônicas da progra- mação radiofônica estão semovimen- tando. Rádiosmusicais estão reapren- dendo a falar e buscamconteúdo com debates, fofocas de internet, ressus- citando a boa e velha leitura de car- tas de amor, acrescentando esporte e colunistas. Rádios populares estão se atualizando ou morrendo, como a GloboAM, cujahistóricaprogramação vencedora, mas deficitária, foi extinta no Rio e em São Paulo, e agora reco- meça do zero. E nas jornalísticas, nas quais o rádio já era falado, a busca é pela atualização da linguageme pauta, transitando emestágios diferentes no figurino da informação, da gravata dos jornalões à bermuda dos comunica- dores bem-humorados. Nos outrosmeios, a informalidade, o bom humor e pinceladas de leveza na pauta já estão em andamento há tempos. Na imprensa escrita aparece menos no noticiário corrido e mais no reino dos colunistas, comseu novo arsenal de deboches e apelidos. NaTV, transitar fora do texto exige talentos quenãoseensinamna faculdade, como improviso, timing, simpatia e domí- nio de cena, e expõe os profissionais mais cintura-dura. Mas com certeza a comunicação já está mais natural. Beijinho, beijinho e pau, pau No rádio, alguns desses movimen- tos também têm sido registrados nos últimos anos. A JovemPan escalou na audiência aomandar às favas os parâ- metros reconhecidos de isenção, ves- tindo a camiseta canarinho e batendo panelas com a classe média irri- tada com o governo Dilma Rousseff, tendo como estrelas novos porta- -vozes do conservadorismo, comoRei- naldo Azevedo (agora na Band News FM) e Marco Antônio Villa. Aalta temperatura e a agressividade repercutemno público-alvo e podem ter semirado nomegassucesso do DJ americano Rush Limbaugh, um líder de audiência que se gaba de ter resga- tado na população de seu país o orgu- lho de ser conservador. Em seu pro- grama coast-to-coast , ele desanca os liberais, as feministas e não se importa de ser polêmico, como ao defender o porte de arma e a NRA – National Rifle Association –, desqualificando como “políticas” as queixas de estu- dantes sobreviventes do recente ata- que na Flórida. Ostenta ainda a gló- ria de “salvar” o rádio AM com sua maciça audiência, que passa dos 10 milhões de ouvintes. O que, trocando em graúdos, significa estar sempre rondando o top 10 das personalida- desmais bempagas na lista da Forbes . Em2017, por exemplo, empatou como GunsN’Roses edeixoupara trás Justin Bieber e LionelMessi. Entre suas fon- REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 55 tes de renda, estão livros que entram sempre na lista do New York Times, alguns deles para o público infantil, emque faz gozações comos pioneiros pais da pátria estadunidense. Numoutroregistro, inédito, Ricardo Boechat faz sucesso nas manhãs da Band News FM, menos pela posição ideológica – que consegue despertar críticas simultâneas de lados opostos do espectro – e mais pela tocada. Em uma hora e meia de programa, das 7h30 às 9h, que ele habitualmente estoura, mistura comentários ácidos contra o Estado incompetente, galho- fas como jogopolítico, discursos auto- depreciativos comque se justifica por algumas opiniões rasas como uma conversa no táxi, e um lado fofo que manda abraços para ouvintes aniver- sariantes e atende a pedidos de bei- jos para crianças e idosos como num programa de comunicador de AM. Com essa fusão, Boechat tornou-se umpopstar tardio do radiojornalismo. Só se fala em all news A chegada das all news – CBN, Eldo- rado/Estadão e Band News FM à frente – e os movimentos da Jovem Pan, retransmitindo o jornal e o fute- bol pela FM e depois com sua virada conservadora, são exemplos diferen- tes de como a linguagem e a abertura da pauta avançaram no rádio. Na CBN, veterana entre as redes, a maior dificuldade foi colocar em pé uma ideia como potencial de sucesso que se confirmou, mas amargou um longo período no vermelho. Em São Paulo, onde ficaria o comando do jor- nalismo e o maior foco do departa- mento comercial, mesmo o poderoso Sistema Globo de Rádio não conse- guiu provar ao tal mercado que era possível ter uma rede de notícias 24 horas puxada por uma FM. Eprecisou desmontar a equipe que preparava a Rádio Globo Rural AM, que entraria no lugar da Excelsior, para colocar o sinal da CBN em rede coma FM, pre- fixo 90,5 khz, onde substituiu a mal- resolvida ex-Globo FM ou Globo 90 ou XFM. E o que era para ser provi- sório acabou se tornando definitivo. Com um pé em cada canoa, seria mesmo difícil investir em inovações radicais de linguagem e abordagens. As novidades já eram bastantes para a época, com a criação da figura do “âncora”, na qual Heródoto Barbeiro, competente e notoriamente sisudo, se destacou. No quesito descontração, durantemuito tempo, omáximo a que se permitia a equipe era uma troca de gozações nos dias seguintes aos jogos de futebol. Voltaremos a isso. “Cambada de ordinários” ABandNews FM já pôde seguir a tri- lha aberta pela CBN e estreou como uma rede de emissoras na frequência modulada. O conceito, também tra- zido de rádios americanas, é de jor- nais rotativos de 20 minutos. A esco- lha do âncora do principal horário matutino recaiu sobre Carlos Nasci- mento, de qualidade profissional que dispensa confete, mas que não pas- sou na fila do bom humor ao nascer. Em outra escolha pelo sorumbático, Boris Casoy apresentava o horário de fim da tarde, usando sua persona de jornalista sério e indignado e não seu jeito bem-humorado fora do ar, cheio de imitações e piadas. O ajuste foi difícil. A equipe ten- tava se soltar no texto, e por estra- nho que pareça o estilo quemais dava cara à emissora vinha de uma profis- sional egressa domeio impresso, Inês de Castro. Na pauta, a seriedade aca- bava afunilando os assuntos. Lembro da torturante experiência de passar uma hora e meia num dos tradicio- nais congestionamentos dasmarginais de São Paulo conferindo o desempe- nho da então jovem rádio, em que fui exposto à cotação do dólar por oito inúteis vezes. O tempo se encarregou de dar segurança ao time dos apresentado- res coadjuvantes, que estabeleceu fio terra como público e passou a conver- sarmais, fazer rádio, enfim. Os amigos Luiz Megale e Eduardo Barão leva- ram a apresentação para a mesa do churras do fimde semana e as “meni- nas” Sheila Magalhães, Tatiana Vas- concellos e depois Carla Bigatto con- seguiram atravessar o muro de mau humor caiado demachismo que nega às mulheres credibilidade suficiente para representar um bastião do jor- nalismo, como oGrupo Bandeirantes. E, sim, ativaram a audiência jovem feminina, pois, afinal, o público do radiojornalismo há muito deixou de se encaixar no estereótipo do pai de família de terno com colete de algi- beira. Que sabia o significado de “algi- beira”. Para estes existe o venerando JornalGente , daBandeirantesAM, que todo estudante e jovem jornalista pre- cisa ouvir ao menos uma vez na vida, no qual José Paulo de Andrade e Salo- mão Ésper desenvolvem com maes- tria umprograma vintage, comverri- nas, diatribes, rabugices, estocadas de florete e espadagadas de durindana ( joguem no Google, jovens). Nesse contexto, a chegada de Ri- cardo Boechat, com um insuspeito talento de comunicador, criou um horário em que o jornalismo tradi- cional é tratado a bordoadas e cha- 1 Parte deste artigo é baseada em outro texto apresentado no Pensacom Brasil 2016.
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