Revista de Jornalismo ESPM 21
56 JANEIRO | JUNHO 2018 cota. O sessentão buenairense criado emNiterói traz para a cena comnatu- ralidade histórias familiares envol- vendo a esposa, “DoceVeruska” (a jor- nalista Veruska Seibel), as filhas mais novas, Valentina e Catarina, e a mãe, “Doña”Mercedes. Aparceria comJosé Simão, decano da abobrinha jornalís- tica, gerouuma química que faz ouvin- tes marcarem o início do dia produ- tivo para depois da coluna. Masmesmo a dupla de sucesso pre- cisou pegar embocadura. A diferença do deboche paulistano para o humor carioca mais pesado (a palavra exata é “sacana”) pode ser demonstrada num dos bordões de entrada, no qual José Simão faz cócegas nos ouvintes emportunhol: “Acuerda, macacada”, e Boechat usa a borduna: “Cambada de ordinários!”. Uma característica de Boechat, comum a boa parte dos apresenta- dores, é ser autodidata em rádio. Ele me contounuma entrevista que jamais abriu um livro ou uma pesquisa sobre o rádio para formar sua persona. Não que haja abundância de literatura que saia do anedótico ou do jargão acadê- mico. Mas seria interessante conhe- cer um pouco da história do jorna- lismo bem-humorado no ar. No início era o Trabuco O radiojornalismo nasceu e seguiu durante muitos anos sem registro de relação com o humor, nem com a informalidade. Qualquer brinca- deira com as notícias só era consen- tida – ainda assim, de acordo com os interesses do regime em vigor – nos seus devidos lugares: os programas humorísticos, onde reinaram Alva- renga e Ranchinho, Zé Fidelis, Jara- raca e Ratinho, Max Nunes, Castro Barbosa, Lauro Borges e outros. Aprimeiramanifestação de quebra do protocolo da seriedade jornalística aparece em1962 na Rádio Bandeiran- O irônico Vicente Leporace, ao lado de Wanderley Cardoso e da equipe da Rádio Bandeirantes AM, comandava o programa O Trabuco Fausto Silva e Osmar Santos e a caótica mistura de jornalismo, esporte e cultura do Balancê , sucesso dos anos 1980 Heron Domingues assumiu a locução do Repórter Esso , na década de 1940, nos primórdios do radiojornalismo no Brasil Os estúdios da Rádio Jovem Pan, com seus janelões circulares, eram espaço para música e informação nos anos 1970 REPRODUÇÃO REPRODUÇÃO ARQUIVO JOVEM PAN FOTOS CEDOC TV BANDEIRANTES REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 57 tes com o programa O Trabuco , apre- sentado pelo radialista e ator Vicente Leporace, no qual lia os jornais do dia e disparava seus comentários car- regados de ironia. Às vezes, o apre- sentador era convocado pela polícia política, mas a liberdade de crítica era franqueada pelo proprietário da emissora, João Saad, genro do gover- nador Adhemar de Barros, e, ao final dos programas, Leporace, que reinou único até suamorte, emabril de 1978, escancarava suas preferências decla- rando-se “corintiano e ademarista”. Ditadura, jeans e esporte Durante a maior parte da ditadura militar, o rádio, como os demais meios, manteve-se calado por força da censura ou de autocensura. Com a agravante de ser uma concessão do governo cujo fechamento requeria muito menos trabalho e desgaste do que recolher milhares de exempla- res de jornal. Muitas emissoras foram fechadas com a presença de uma sin- gela guarniçãopolicial ouuma simples canetada de segundo escalão. Asmanifestações de informalidade e bom humor começaram a chegar quando as condições que levaram à abertura dos anos 1980 formaram o caldo da renovação tocada pela pri- meira geração de jovens formados numambientemenos opressivo e por sobreviventes bem-humorados dos anos mais pesados. Esse contexto local se alinhava ao movimento global de abertura de espaços para o jovem como público consumidor. A sociedade de consumo absorveu a contracultura do Flower Power, os gritos das manifestações estudantis e sua rebeldia e devolveu produtos e modas para servir a esse novo cidadão que não queria amesma roupa, cabelos emúsica dos seus pais. Mais explícito do que tratados aca- dêmicos, este diálogo na redação da Rádio Jovem Pan em 1979 explica o momento: numdomingo à tarde, com a jornada esportiva rolando solta, o diretor de jornalismo, FernandoVieira deMello, recortava nos jornais maté- rias que pudessemser recicladas para reforçar o jornal de segunda, dia geral- mente fraco para o noticiário de rádio. Do seu aquário no meio da redação, divisouacaminhodos estúdiosoradia- listaMiltonNeves, então apenas plan- tonistade esporte e gritouao seuestilo: – Miltooon, o que é jeans? A resposta veio sem muita elabo- ração, com sotaque de mineiro de Muzambinho: – Ah, Fernando, jeans é moda. Suficiente para receber a réplica: – Você é ignorante, Milton. Jeans é comportamento! Apesar da sintética riqueza da cons- tatação, não seria na Jovem Pan AM que a linguagem acompanharia a mudança dos tempos. Orádio traria ao jornalismo a leveza temperada com ironia por um cami- nho inusitado, o esporte, geralmente um espaço monocórdico bitolado no mundo do futebol. Veio de lá a narra- ção de Osmar Santos, cheia de joviali- dade comnovas gírias e bordões. Com seu passe valorizado na transferên- cia da Rádio Jovem Pan para a Rádio Globo, audiência e faturamenrto em alta, o locutor conseguiuabrirnaRádio Excelsior, do mesmo Sistema Globo de Rádio, um espaço que chegaria a duas horas, das 12h às 14h para fazer o programa Balancê , uma caóticamis- tura de jornalismo, esporte e cultura. Assim era rompida a divisão rígida entre os departamentos, que nas gra- des tradicionais das emissoras dedi- cava a hora do almoço a programas separados para jornalismo e esporte. Acompanhado por Juarez Soares, o “China”, cronista esportivo de intensa atividade sindical e política, e Fausto Silva, então repórter de campo que se destacavapelo raciocínio rápido e bom humor, Osmar Santos trouxe também o humor escrachado coma duplaNel- son “Tatá”Alexandre eCarlosRoberto “Escova”, vindos do Show de Rádio, tradicional programa de humor espor- tivo, criadoporEstevamBourroul San- girardi e apresentado na Jovem Pan após o futebol. Um episódio típico pescado na internet começa com um comen- tário sarcástico de Osmar Santos sobre a repercussão internacional da dívida externa brasileira, colado a uma externa comFausto Silva dando o furo da renovação do contrato do craque Sócrates, do Corinthians. A produção unia o esporte, com Pau- linho Mattiussi, depois Odir Cunha, como jornalismo viaYaraPeres. Final- mente, mas não menos importante, o O segredo era dar liberdade aos locutores, que improvisavam, desimpostavam a voz, dialogavam com o ouvinte e ainda operavam a mesa de som
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx