Revista de Jornalismo ESPM 21
62 JANEIRO | JUNHO 2018 DIVULGAÇÃO The Post , os papéis do Pentágono e a liberdade de imprensa UMA FELIZ COINCIDÊNCIA fez o lançamento de The Post – A Guerra Secreta ocorrer no mes- mo início de janeiro em que Trump tentava censurar o livro Fire and Fury . Há semelhanças entre as histórias, a começar pelos presidentes republicanos histriônicos e autoritários, sem- pre às turras com a imprensa. Um caso ilumina o outro, assim como nos faz lembrar que a his- tória não começa agora. O novo filme de Steven Spiel- berg narra o episódio da publi- cação dos chamados Papéis do Pentágono, documentos secre- tos do Departamento de Defe- sa americano sobre a Guerra do Vietnã, que o NewYork Times ob- teve em 1971 e tornou tema de uma série de reportagens entre junho e julho daquele ano. Em 15 de junho, quando o Ti- mes havia publicado três repor- tagens, a Casa Branca conseguiu na Justiça uma sentença proi- bindo-o de seguir com o mate- rial, sob a alegação de ameaça à segurança do país. O Times le- vou o caso à Suprema Corte, que em 30 de junho julgou que o di- reito à liberdade de expressão, previsto na Primeira Emenda da Constituição americana, se so- brepõe a qualquer outro direi- to e não poderia ser restringido. A decisão histórica passou, então, a servir de molde para o mundo democrático. Depois de duas semanas, o Times reto- mou a publicação, que revela- va como o governo havia men- tido e agido ilegalmente em su- cessivas administrações, desde o final da Segunda Guerra Mun- dial, para provocar e manter a Guerra do Vietnã. Os Papéis do Pentágono es- tão para a história do Times co- mo o caso Watergate para a do Washington Post : ambos são dos mais importantes furos da história do jornalismo: um tor- FILME + LIVRO nou irreversível o fim da parti- cipação americana no Vietnã, o outro levou à queda do presi- dente Nixon. The Post destaca um episódio particular do caso, que foi a par- ticipação do Washington Post , de sua proprietária, Katharine Graham (1917-2001), e do editor, Ben Bradlee (1921-2014). Diante da edição dos documentos no Ti- mes , seguida de sua proibição por decisão judicial, os líderes do Post decidem seguir com a publicação, desafiando a Justi- ça e a Casa Branca. O argumento jurídico que amparava a atitude foi o de que só o Times estava proibido pe- la sentença e que decisões ju- diciais específicas deveriam ser emitidas para cada jornal. Com isso, o Post deu mais urgência à decisão da Suprema Corte e mostrou que a imprensa do país estava unida na defesa da liber- dade de expressão. Katharine Graham (Meryl Streep) e Ben Bradlee (Tom Hanks) formam a lendária dupla do Post A opção do filme de Spielberg foi criticada desde o início pelos envolvidos na produção das re- portagens do Times , que acha- ram desproporcional o papel de protagonista para quem foi co- adjuvante da história. Para consagrar a posição central do jornal, aproveitan- do o sucesso do filme, o Times republicou o livro The Pentagon Papers: The Secret History of the Vietnam War , lançado original- mente no final de 1971, com a íntegra das reportagens assi- nadas por Neil Sheehan, E.W. Kenworthy, Fox Butterfield e Hedrick Smith, e os documen- tos mais importantes dos arqui- vos do Pentágono, que eles ci- tavam nos textos. O livro con- tém também análises do jornal e editoriais, além da íntegra do processo judicial até a decisão da Suprema Corte. Editado em e-book, o livro ganha grande agilidade de leitura para quem quer checar os documentos ori- ginais à medida que vai lendo as reportagens. Há uma ironia na história dos Pentagon Papers que ensi- na muito sobre a natureza dos Estados, mesmo autoritários. Do mesmo jeito que o regime nazista alemão registrou o no- me dos prisioneiros dos campos de concentração, o que permi- te aos historiadores estudar as atrocidades, foi o governo ame- ricano que preparou o arquivo centralizado a que o Times te- ve acesso. Em 1967, talvez porque per- cebesse o lamaçal em que ad- ministrações anteriores tinham envolvido o país, 20 anos antes, o secretário de Defesa Robert REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 63 O DEBATE SOBRE as cidades ganhou tanta importância nos últimos anos que acabou por gerar sucessos literários. Dois lançamentos ganharam desta- que de crítica e um foi eleito como um dos mais importan- tes de 2017. Além de serem pu- blicados pela mesma editora, Três Estrelas, São Paulo: Terri- tórios em Conflito , de Raquel Rolnik, e São Paulo nas Alturas , de Raul Juste Lores, também compartilham o trânsito entre urbanismo e jornalismo. Seus autores escrevem regularmen- te para a imprensa, o que dá a seus textos uma leveza não acadêmica e atenção perma- nente ao debate público. Os autores também coinci- dem na visão de que em seu crescimento acelerado ao lon- go do século 20, em algummo- mento, a capital saiu do trilho de um desenvolvimento equili- brado e se tornou uma metró- pole caótica e excludente, em que o automóvel dos mais ri- cos ganhoumais espaço e prio- ridade do que a maioria dos humanos, mais pobres. O livro de Juste Lores foi escrito quando era repórter especial da Folha de S.Paulo ; atualmente ele é editor da Ve- ja SP . Seu texto mostra como nos anos 1950 a capital mais rica do Brasil viveu um boom imobiliário capitaneado prin- cipalmente por arquitetos imigrados da Europa, com prédios plurais (para diferen- tes faixas de renda e de uso misto) nas regiões centrais, resultando em uma cidade inteligente e sustentável (re- duzindo necessidade de des- locamentos e incrementando a convivência entre classes). Ao final desse boom, a ci- dade reduziu o potencial de aproveitamento dos terrenos centrais e com isso forçou o adensamento das periferias. São Paulo nas Alturas foi es- colhido como um dos melho- res lançamentos de não ficção de 2017 pela revista literária Quatro Cinco Um . O movimento de exclusão que levou os mais pobres a morarem longe do centro e do trabalho, criando guetos socialmente homogêneos, é também o mote inicial dos di- versos ensaios que compõem o livro de Rolnik. A obra é composta da união de um pequeno livro anterior, já esgotado, e uma seleção de colunas que a autora, profes- sora da Faculdade de Arquite- tura e Urbanismo da Universi- dade de São Paulo (FAU-USP), escreveu para diferentes pu- blicações. ■ leão serva é jornalista, professor do curso de graduação em Jornalismo da ESPM e escritor, autor de Jornalismo e Desinformação (Senac, 2001) e coautor de Como Viver em São Paulo Sem Carro – 2013 . Dirige a agência de conteúdo Santa Clara Ideias. The Pentagon Papers: The Secret History of the VietnamWar Prefácio de James L. Greenfield. Racehorse, 2017 The Post Direção: Steven Spielberg. Com Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson, Bob Odenkirk, entre outros. Baseado em peça original de Liz Hannah. EUA, 2017 REPRODUÇÃO McNamara decidiu criar um re- gistro central dos documentos secretos sobre o Vietnã. A reportagem do Times bus- cou alguém que tivesse traba- lhado no projeto e topasse re- velar seu conteúdo em nome do interesse público. Encontrou Daniel Ellsberg, um analista de assuntos militares, que acabou sendo acusado por traição e espionagem pelo governo, com pena máxima de 115 anos de pri- são. Foi absolvido em 1973, em meio às repercussões do escân- dalo Watergate, que minava a credibilidade da administração a ponto de levar o presidente Nixon à queda. ■ Urbanismo rima com jornalismo LIVROS SãoPaulo nas Alturas, Raul Juste Lores. Três Estrelas, 2017 Território emConflito, Raquel Rolnik. Três Estrelas, 2017 COMOUMÍCONEDAGUERRADOVIETNÃVIRAPEDOFILIANOFACEBOOK A foto da vietnamita Pham Thi Kim Phuc correndo nua, com o cor- po cheio de chagas de Napalm, foi produzida em 1972, pelo fotógrafo Nick Ut (Associated Press), ganhou o prêmio Pulitzer e contribuiu pa- ra a opinião pública americana forçar o fim da guerra. Mas, em se- tembro de 2016, a foto foi censurada pelo Facebook, que considerou a nudez imoral. No artigo “Facebook and the Napalm Girl” (na revis- ta britânica SM+S – Social Media + Society ), a pesquisadora Yasmin Ibrahim analisa como um mecanismo do século 21, baseado em “big data”, “esquece” o contexto da imagem, trata um objeto de culto (“sa- grado”, ela diz) como banal e como pode tornar “sagrados” produtos culturais banais. Disponível em http: / /bit.ly/2EJqwXh KIM/FOUNDATION INTERNACIONAL
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