Revista de Jornalismo ESPM 21

6 JANEIRO | JUNHO 2018 tudo em dia carlos eduardo lins da silva Contra robôs, senso crítico e cidadania as eleições deste ano serão, sem dúvida, mais influen- ciadas pelas mídias sociais do que quaisquer outras antes. Até 2016, a utilização dessas mídias era relativamente res- trita, e seu alcance, portanto, muito limitado. Atualmente, oBrasil é o terceiro país commaior número de usuários de Facebook nomundo, atrás apenas de Índia e Estados Unidos, e também se destaca no volume de trá- fego no Twitter e em outros aplicativos. A vitória deDonaldTrump no pleito americano de 2016 foi turvada pelas acusações de ele ter sido favorecido por campanhas de fake news (notícias fraudulentas) em pre- juízo de sua adversária, Hillary Clinton. No caso americano, há suspeitas de que pelo menos parte das ações tenha sido produto de umprojeto delibe- rado do governo russo de interferir para dificultar a che- gada ao poder de Clinton, notória desafeta do Kremlin. É improvável que o Brasil venha a ser alvo de potên- cias estrangeiras (a importância geopolítica do país não é das maiores e vem se reduzindo em anos recentes). Mas não se pode excluir por completo a possibilidade de ações externas nas eleições aqui, ainda que não por razões ideológicas, mas pormotivações financeiras, como fizeram os jovens daMacedônia que atuaramnos Estados Unidos. Ainda assim, o perigo de fraude informativa doméstica, por dinheiro ou convicção política, é alto. Grande parte da população brasileira sofre de osten- sivas deficiências educacionais. Muitas regiões do país, principalmente estados e cidadesmenos habitados e ricos, carecem de bons veículos jornalísticos independentes. A polarização sectária demilitantes políticos, que vem se cristalizando há 16 anos e se exacerbou como processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ajuda a germinar o terreno para a disseminação de mentiras. Odesenvolvimento exponencial de tecnologias relativa- mente simples e baratas de robôs emredes sociais expande a possibilidade de fazer chegar a uma parcela expres- ILUSTRAÇÃO CACO GALHARDO REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 7 Números fortes siva do eleitorado falsos fatos que podem desorientá-lo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Facebook admi- tiu que praticamente metade da população consumiu pelo menos uma peça de propaganda enganosa patro- cinada por russos. Às vezes, inclusive, com conteúdo neutro, mas muito danoso, como as instruções sobre como votar por meio de mensagens de SMS, algo não permitido pelas leis ameri- canas, o que pode ter aumentado a abstenção. Como grande parte dos eleitores de Hillary Clinton é de camadas sociais mais pobres e menos escolarizadas, numa votação bastante apertada, como foi o caso em2016, isso pode ter tido um efeito decisivo no resultado. Mas não é razoável acreditar que falsidades nas mídias sociais determinarão o veredito das urnas no Brasil. Embora os meios de comunicação atuais sejam mais eficazes, veicular informação inverídica paramuita gente em campanha eleitoral já ocorreu muito no passado e nunca elegeu ninguém. Tem sido muito lembrado que o candidato Eduardo Gomes pode ter sido prejudicado no pleito presidencial de 1945 por campanha adversária que distorceu decla- ração sua e espalhou que ele não queria voto de marmi- teiro. Mas não foi por isso que ele perdeu. Há eleitores crédulos e ignorantes. Há fanatizados que aceitamqualquer disparate como verdade desde que pre- judique o inimigo (como, nos Estados Unidos, os que acre- ditaram que o papa havia endossado Trump). Mas a maioria absoluta das pessoas dispõe de algum senso crítico e de modos interpessoais de checagem de informação que lhes garante certa imunidade para não se tornarem massa de manobra dócil nas mãos de quem julga poder manipulá-las por completo. Não será um cipoal de novas leis, já construído (veja acima) , que garantirá tal resistência, mas sim o juízo dos cidadãos e os instrumentos da democracia. ■ CLAIRE WARDLE, diretora do First Drive, projeto do Shorenstein Center on Media, Politics and Public Policy daHarvardUniversity, que coordenou um trabalho de checagem de fatos nos recentes pleitos da França e do Reino Unido, diz que os brasileiros estão “particularmente vulneráveis” à desinformação na campanha elei- toral de 2018. Para ela, o que dá essa peculiari- dade ao caso do Brasil são a divisão política acirrada e o uso extensivo do WhatsApp no país. Essa combina- ção, acha ela, torna o eleitor brasilei- ro mais suscetível a informações fal- sas do que o de outras democracias. “As condições estão maduras pa- ra a exposição seletiva das pessoas ao que confirme seu tribalismo”, dis- se Wardle em entrevista à agência Bloomberg em janeiro deste ano. ■ Eleição brasileira será fascinante estudo de caso Até o Exército quer ajudar a combater fake news AVALIAÇÃO DE HARVARD AS LEIS, ORA AS LEIS 11% das discussões sobre as eleições de 2014 foram geradas por robôs 20% das interações sobre o impeach- ment de 2016 foram geradas por robôs 53% das interações em 2017 sobre possíveis candidatos à Presidência em 2018 foram sobre Jair Bolsonaro 61,6% foi o aumento do número de interações em grupos que postam fake news no Facebook no Brasil entre out/17 a jan/18 17% foi o aumento das interações em grupos de jornalismo profissional no mesmo período 126 milhões de americanos viram propaganda paga por russos no Facebook durante a campanha presidencial de 2016 200 é o número mínimo estimado pela AP de jornalistas e blogueiros americanos “hackeados” em 2017 pelo grupo Fancy Bear Fontes: FGV, SocialBakers Consultoria, Facebook, AP, Folha.com MAIS JUDICIALIZADO do que nunca, o Brasil, comodehábito comoutros pro- blemas, parece achar que a solução contra a possível excessiva influência dasmídias sociaisnoprocessoeleitoral está em criar novas e confusas leis. A reforma da Lei Eleitoral tornou possível propaganda paga na inter- net e prevê complicados procedi- mentos para usuários denunciarem informações falsas e subsequentes identificação e responsabilização le- gal por elas. Além da Justiça Eleitoral, o Exérci- to quer formar um time com a Polí- cia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na vigilância e re- pressão às fake news na campanha. A chance de umesforço concentra- do dessas entidades dar resultado po- sitivo émínima e a de criar aindamais balbúrdia no processo é grande. ■

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