Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018
8 JULHO | DEZEMBRO 2018 UMA FRASE “Eles [jornalistas] de propósito causam grande divisão e desconfiança. Eles também podem provocar guerra! Eles são muito perigosos e doentes!” (De um tuíte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 5 de agosto de 2018, ao final de uma semana em que ele insultou jornalistas em diversos comícios pelo país.) Intimidação policial emminas gerais , duas jornalistas de O Tempo tiveram de prestar depoi- mento em inquérito policial durante o qual lhes foi pedido que revelassem a identidade de fontes de reportagem sobre aCodemig, empresa estatal que explora nióbio no estado. ACodemig acusa umex-funcioná- rio de ter vazado documentos para as repórteres sobre venda de ações e contratação de empréstimos para sanar dívidas do governo estadual. As jornalistas se recusarama iden- tificar suas fontes, direito que lhes é asseguradopelaConstituiçãodoBra- sil, umdospoucospaísesquedispõem sobre esse assunto, vital para o bom exercício do trabalho da imprensa. O jornal OTempo e o Sindicato dos Jornalistas deMinas Gerais repudia- ram o ato de intimidação. Questão de consciência NosEstadosUnidos, ondeodireitode confidencialidadeda fontenão existe evários jornalistas jácumprirampena de prisão por resguardar identidade de quem lhes passou informações, uma blogueira revelou a sua à polí- cia federal alegando um dever ético. MarcyWheeler mantémum con- ceituado blog sobre segurança nacio- nal. Uma de suas fontes lhe informou menos de 24 horas depois de terem sido fechadas as urnas da eleição presidencial americana de 2016 de reuniões de assessores do presidente eleito, Donald Trump, com agentes de inteligência da Rússia. Ela resolveu transmitir ao FBI o nome da pessoa e o conteúdo de suas revelações porque achava que, com isso, ajudaria as autoridades a impedirem futuros atentados con- tra a integridade do processo elei- toral americano. Violação de correspondência A situação de Ali Watkins, repór- ter da sucursal do New York Times em Washington, foi oposta. Pro- motores públicos federais orde- naram o sequestro de suas men- sagens por e-mail e telefone feitas durante anos para encontrar provas contra umex-funcionário da comis- são de inteligência do Senado acu- sado de vazar documentos secretos para a imprensa. O caso é ainda mais interessante porque Watkins e o acusado, James Wolfe, mantinham relacionamento amoroso fazia três anos. Elahaviadito a seus editores que namorava Wolfe ao ser contratada pelo Times e asse- gura que ele não foi fonte de nenhum de seus textos para o jornal. Ela cobre temas de segurança nacional. ■ OGOVERNODOestadodeNovaJersey, nosEstadosUnidos,resolveusubsidiar com US$ 5 milhões um consórcio de universidades que terá a responsabi- lidade de alocar o dinheiro a veículos de imprensa para suas reportagens. A quantia é pouca para as dificul- dades econômicas de jornais e emis- soras de rádio e TV, mas o precedente chama a atenção. Nova Jersey é considerado um dos estados mais corruptos do país. O conselho que vai dirigir o consór- cio é composto de 13 pessoas esco- lhidas pelo governador entre indi- cados pelas universidades, jornais e pelo próprio governo. A ideia de dinheiro público pagar pelo jornalismo é antiga, e tem entre seus defensores até o filósofo alemão Jürgen Habermas. Há precedentes nos Estados Unidos, como as redes de rádioNPR e de TVPBS. Mas a descon- fiança de possível interferência polí- tica na destinação dos recursos está sempre latente emtodas as situações. A NPR e a PBS sobrevivem ape- nas emparte de recursos do governo federal. Sua principal fonte de receita são doações de cidadãos. A verba de Nova Jersey para seus veículos é mínima e não resolverá a crise vivida pelos veículos locais. De qualquermodo, é preciso estar atento para ver se não ocorrerão ingerên- cias políticas. ■ Casos mostram problemas de relação com fonte Governo financia jornalismo QUESTÕES ÉTICAS SAÍDA PARA A CRISE? REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 9 diz a lenda que Craig Newmark, na épocaumpobrenerdviciadoemtecno- logia, procurou emmeados da década de 1990 o jornal The Washington Post para lheoferecer uma tecnologia criada por ele para modernizar a oferta de imóveis no veículo, e saiu de lá com as mãos abanando e as orelhas ardendo. O Post e outros grandes jornais metropolitanos tinham nos classifi- cados sua galinha de ovos de ouro. Newmark seguiu seu rumo, fundou o website Craiglist, inicialmente apenas para a área da cidade de São Francisco e depois se espa- lhou pelo país e pelo mundo. Os classificados emjornaismorrerame comsuamorte os jornais impressos viram acelerar-se a crise de seumodelo de negócios. Umestudo daHarvardUniversity calcula que os jornais americanos perderamUS$ 5 bilhões que pode- riam ter recebido em classificados só entre 2000 e 2007. Newmark, 65, acaba de fazer uma doação de US$ 20 milhões para a escola de jornalismo da City University of carlos eduardo lins da silva é livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha de S.Paulo e do Valor . VINTE ANOS ATRÁS, praticamente não havia veículos jornalísticos estruturados sem fins lucrativos nos Estados Unidos. Atualmente, são cerca de 270, que têm encontrado cada vez mais e eficientes fontes de receita. De acordo como Sho- renstein Center, da Harvard University, só entre 2010 e 2015, os veículos sem fins lucrativos receberam dotações de US$ 1,8bilhãode fundações eONGs para desenvolver seus trabalhos. Um dos mais recentes grandes negó- cios nesse setor foi a comprapeloempre- sário de TV paga Gerry Lenfest dos dois jornais diários da cidade de Filadélfia. Lenfest, quemorreu emagosto, doou os títulos a uma fundação sem fins lucrati- vos que ele também criou e que agora vai gerir os negócios dos dois diários. Enquanto os veículos que operam para gerar lucro prosseguem tendo prejuízos, demitindo pessoal (segundo o Pew Research Center, 35 mil vagas de jornalistas foram fechadas nos Estados Unidos desde 2006) e fechando as por- tas, algumas redações sem fins lucrati- vos estão na trilha oposta. Levantamento feito pelo Institute for Nonprofit News, que reúne 150 veícu- los, mostra que o ProPublica e o Cen- ter for Investigative Reporting levanta- ram em torno de 200 milhões de dóla- res para produzirem suas reportagens, muitas das quais acabaram recebendo importantes prêmios. No pequeno estado de Vermont, na Nova Inglaterra, o site VTDigger conse- guiu emapenas três anos amealhar 300 mil assinantes, contratar 19 pessoas em tempo integral e faturar US$ 1,5 milhão, numdos melhores exemplos de sucesso do gênero em escala local. Entre as fórmulas de sucesso do VTDigger, de acordo com sua fundadora e líder, Anne Galloway, está a de man- ter a máxima interação possível com o público (inclusive com eventos abertos para discussão de problemas da comu- nidade com políticos e governantes), manter estrutura enxuta para oferecer serviços a preços baixos, ter uma linha editorial apartidária, mas sempre fiel a alguns valores básicos compartidos com a audiência. ■ Veículos sem fins lucrativos conseguem levantar bom dinheiro Destruidor dos classificados patrocina estudos de jornalismo MÁ CONSCIÊNCIA? Newmark, do site Craigslist, de classificados, doa US ¡ milhões ao jornalismo New York (Cuny) para pesquisa e ensino. “Nestes tem- pos, em que a notícia confiável está sob ataque, alguém precisa se levantar”, justificou. Este é o maior, mas não o primeiro presente que Newmark oferece ao jornalismo. Ele já doara antes entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão para a revista Columbia JournalismReview , o instituto de pesquisa Data&Society, a entidade International Center for Journalists e o produ- tor de reportagens investigativas ProPublica. ■ JUSTIN SULLIVAN/GETTY IMAGES OUTRA SAÍDA
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