Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018
32 JULHO | DEZEMBRO 2018 uma das coisas que ensinamos na faculdade de jornalismo é a necessi- dadedeentender os interessesda fonte. Por que aquelapessoa está falandocom você? O que ela tem a ganhar? Partamos, então, de um esclareci- mento: sou professor e fui diretor aca- dêmico da Graduate School of Jour- nalism da Columbia University (que publica a CJR ). Meu salário e cer- tos benefícios dependem, em grande medida, de que um fluxo constante de estudantes se matricule e pague para estudar aqui. Pode haver alguém mais interes- sado nessa continuidade? Talvez não. Mesmo assim, peço um minuto do seu tempo, pois as ideias que vou expor são fundadas nos mais de 30 anos de trabalho jornalístico que fiz antes de entrar para aColumbia e nasmudanças que observei no setor nesses quasedez anos deuniversidade. O melhor lugar para começar é pela cidade de Baltimore no ano de 1981, quando eu era foca de um com- balido e combativo vespertino, o News-American . Umdia, o jornalme despachoupara cobrir umaocorrência comvítima fatal na zona sul de Baltimore. Umpolicial parara umcarropara revista e, quando omotorista foi buscar os documentos no porta-malas, o guarda disparou e matouohomem. Fui até o lugar, entre- vistei o porta-voz da polícia e mora- dores do local e me dirigi até um tele- fone público para ligar para a redação. Depois de digitar o texto que ditei, o editorme perguntou: “Antes de des- ligar, qual é a inicial do nome domeio do porta-voz da polícia?”. Não tinha certeza, mas não queria que parecesse que eu tinha esquecido de algo tão básico. Por achar – tola- mente – que mais tarde poderia cor- rigir a informação, chutei uma opção entre as 26 possíveis: “Hmmm, acho que a inicial é… M”. O editor trovejou: “A inicial dele é S, não M! Se você voltar a cometer um erro tão básico como esse, vai ser demitido na hora!”. Estou contando isso para ajudar a explicar por que não fiz faculdade de jornalismo. E, também, para aju- dar a explicar por que acredito que jovens jornalistas deveriam conside- rar fazer o curso. O News-American fechouem1986. E aquiloque o jornal e aquele editor sim- bolizavam– o treinamento na prática, como emmuitas outras organizações jornalísticas – tambémestámorrendo. É claro que um jornalista precisa ter certas características que ninguém pode ensinar: curiosidade, inteligên- cia e empatia, entre outras. Mas mui- tas podem ser ensinadas, e aprendi- das, no jornalismo: incluindo distin- guir umfato excepcional de ummera- mente interessante, fazer as pessoas falarem, verificar informações, usar ferramentas digitais para apurar e dis- tribuir as notícias, não ser processado ou se defender caso seja. Não fiz faculdade de jornalismo porque sabia que a maioria das reda- ções tinha editores que fariampicadi- nho de mim se eu cometesse um erro e que iriamme ensinar a ser o repór- ter que eu queria ser. Ainda há redações com editores capazes de ensinar isso, embora em número cada vez menor. Em parte, por questões financeiras: quando um veículo de comunicação temde cortar despesas, editores costumam ser os primeiros sacrificados. Outra razão é o ethos de certas start-ups digitais, que creem (erroneamente, ameu ver) que erros podemser corrigidos em tempo real, à medida que os leitores forem avisando o repórter (ou o mundo, via Twitter) da mancada. Isso quer dizer que o exercício tra- dicional do ofício de jornalista já não ensina o que antes ensinava. Não sig- nifica que um jovem jornalista não precise mais aprender essas coisas – mas só que é menos provável que vá aprendê-las no trabalho. Sim , mais do que nunca bill grueskin REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 33 Na nova geração de jornalistas, muita gente nunca vai trabalhar em uma redação tradicional. Fabuloso. Mas isso significa que, muito cedo na profissão, esse pessoal já pode estar publicando textos e chamadas na internet – com pouca ou nenhuma supervisão. O que nos leva a outra razão para a existência da faculdade de jornalismo. Quando era repórter, pisei na bola algumas vezes. Hoje, no entanto, des- cobrir umerrodos que cometi décadas atrás (e a correção) é quase impossível: seria preciso vasculhar arquivos em bibliotecas nas cidades de Bismarck, Tampa e Baltimore. Já hoje, quando a pessoa comete umerro sério, aquilo vira parte do seu rastro digital por anos, não só semanas após a publica- ção. É claro que um diploma de jor- nalismo não é garantia de que a pes- soa não vá errar, mas vai dar o conhe- cimento necessário para que ela evite a maioria dos piores erros. Do lado da “defesa”, essas são algu- mas das razões para estudar jorna- lismo. Mas também há razões no campo do “ataque”. A principal é a seguinte: muitas escolas de jornalismo estão virando celeiros de inovação e pesquisa sobre onegócio jornalístico. Éumamudança e tanto. Durantemuito tempo, a facul- dade de jornalismo se considerou mera formadora demão de obra para meios de comunicação, ignorando o papel histórico exercido por univer- sidades na geração de ideias e na pro- dução de pesquisa para outros seto- res da economia. Isso está mudando, e rápido. Pro- fessores de jornalismo são testemu- nhas de como a timidez e a falta de ideias atravancaram a indústria jor- nalística. E estão reagindo – seja por temer o efeito de ummercado de tra- balho cada vezmenor na procura pelo curso, seja por entender que institui- ções de ensino têmà frente tanto uma oportunidade quanto um dever. Na Northwestern University, estu- dantes de jornalismo no programa NUvention e no Knight Lab Studio colaboram com professores de enge- nharia e comunicação para criar pro- jetos quemesclemtecnologia emídia. Já alunos da Arizona State Univer- sity estão trabalhando com professo- res e empresas para imaginar um jeito novode fazer o jornalismo audiovisual local, um terreno no qual há muito que explorar. O programa de jornalismo da New YorkUniversity fez uma parceria com aplataformaholandesaDeCorrespon- dent para achar uma maneira de tor- nar o público leitor engajado a ponto de sustentar um robusto site de jor- nalismo investigativo. Nos Estados Unidos, o Tow Cen- ter, da Columbia, assumiu a dian- teira de estudos críticos sobre o jor- nalismo digital; um exemplo digno de nota é a investigação sobre como redes de publicidade russas manipu- laramosmecanismos de controle fra- cos do Facebook. Já o Brown Center for Media Innovation banca projetos conjuntos reunindo estudantes de jor- nalismo da Columbia e alunos de cur- sos de ciência da computação da Stan- ford University. Nem todo aluno de jornalismo vai participar de umprojeto desses. Mui- tos vão optar por uma formação tra- dicional para o jornalismo impresso ou de rádio e TV, ou apostar na aná- lise e na visualização de dados. Mas o impacto desses programas não se reduz aos que participam; em esco- las com visão de futuro, o nível sobe até para a ala mais tradicionalista do corpo docente. Aqui nos Estados Unidos, temos sorte, pois a profissãode jornalista não é regulamentada. Nenhum órgão do governo exige que repórteres ou edi- tores tenhamdiploma, e não conheço umprofessor ou diretor de faculdade de jornalismo que sugira que isso deva mudar. Tem muito jornalista, tanto gente em começo como em fim de carreira, que já fez trabalhos espeta- culares semnenhumpreparo formal. E qualquer programa de graduação em jornalismo devia deixar espaço para que o aluno curse disciplinas de literatura, história e economia, garan- tindo ao mesmo tempo que aprimore o texto e a capacitação de lidar com números. Um curso de jornalismo forte vai ajudar quem está começando a ques- tionar os próprios preconceitos e as próprias verdades, a conhecer gente nova e lugares fora de sua zona de conforto e a cultivar a resiliência que todo jornalista precisa ter, especial- mente agora. Osmelhores cursos vão, ainda, per- mitir que o estudante adquira destreza intelectual para lidar com mudanças tecnológicas incessantes, para que o jornalismo possa ressurgir mais inte- ressanteemaisdinâmicodoquenunca. (Leia a réplica de Felix Salmon a Grueskin, na página 45) Muitas escolas estão virando celeiros de inovação e pesquisa sobre o negócio das notícias. Essa é uma mudança e tanto
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