Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

34 JULHO | DEZEMBRO 2018 quando o assunto é a faculdade de jornalismo, há duas grandes pergun- tas. A primeira é a mais difícil. Foi lançada – e respondida – porMichael Lewis em uma crítica fulminante (e bastante cômica) na revista The New Republic em 1993: é uma grande bes- teira? A resposta naquele momento foi um estrondoso “sim”. Desde a publicação desse artigo, 25 anos atrás, o ofício do jornalismo só ficoumais precário: a ideia de Joseph Pulitzer de “alçar o jornalismo à cate- goria de uma profissão erudita” soa vã na era do Chartbeat, de metas de postagem, do “pay-per-pageview”. Se pegarmos um teólogo hoje – ou um advogado, um médico –, é razoável supor que essa pessoa tenha estu- dado e aprendido muito para poder exercer a profissão. Não é o caso do jornalismo – e nem devia ser; até os mais ferrenhos defensores do curso não acham que alguém precise de um diploma de jornalismo para tra- balhar na área. Os contornos do debate são esses há pelo menos um quarto de século. De um lado, vemos gente que opina que o curso de jornalismo pode ser uma boa via para a aquisição de habi- lidades úteis na hora de editar textos e apurar fatos. Do outro, indivíduos mais perspicazes olham ao redor, veem que muitos dos melhores jor- nalistas não possuem esse diploma e não acham nenhuma evidência de correlação entre o curso de jorna- lismo e um trabalho de qualidade. Talvez valha a pena fazer outra pergunta, mais contundente: deve- ria haver faculdades de jornalismo? Para alguém do lado de Lewis no caso da pergunta original, a resposta é fácil. Se o curso de jornalismo é realmente uma grande besteira, se não agrega nenhum valor ao mundo, se foi nitidamente incapaz, em mais de um século de existência, de alçar o jornalismo à condição de profis- são erudita, quer dizer que não pos- sui nenhum poder real que justifi- que a própria existência e o mundo estaria melhor sem ele, o curso. O fato é que todos deveriam admitir que o mundo estaria melhor sem a faculdade de jornalismo, por mais nobre que considere a missão origi- nal de Pulitzer. Aliás, quanto mais útil for esse curso, mais urgente e importante se faz sua abolição. Uma faculdade de jornalismo inútil é perda de tempo e dinheiro para quem a frequenta – os únicos beneficiados são os professo- res e quem recebe o que o aluno paga. O efeito líquido é negativo, mas os únicos realmente prejudicados são os alunos. Se formos ver, é fácil evitar esse mal: basta não fazer a faculdade de jornalismo. Mas e se os defenso- res desse curso tiverem razão? E se quem faz faculdade de jornalismo realmente tiver uma vantagem con- siderável em relação a quemnão tem esse título? Nesse caso, mais gente ainda sai prejudicada. Quem faz um curso de jornalismo pode até ser beneficiadopelodiploma, mas a um custo fabuloso. Na Colum- bia Journalism School, por exem- plo, estamos falando de US$ 105.820 por um programa de dez meses, de US$ 147.418 por umcurso de 12meses ou de US$ 108.464, ao ano, por um curso de dois anos: é um título de pós- -graduação de US$ 216.928, cifra que se soma a todos os valores relacio- nados ao cumprimento dos requisi- tos necessários para a conclusão do curso (é importante dizer também que a Columbia publica a CJR ). O chamado custo de oportunidade também é considerável. Ao término de um curso universitário de quatro anos, você é, para todos os efeitos, empregável e pode ingressar ime- diatamente na força de trabalho. Já se postergar esse ingresso por um ou dois anos, vai perder uma bela Não, o curso não devia existir felix salmon REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 35 quantidade de renda e uma experi- ência profissional valiosa. Ainda que comece a trabalhar com jornalismo pelo salário mínimo, depois de um ano ou dois você será mais rico, mais experiente, mais empregável e, muito provavelmente, mais qualificado do que alguém que passou esse tempo frequentando uma pós-graduação. E quanto àqueles que optam por não fazer um curso de jorna- lismo? O problema dessa turma é o seguinte: quando for procurar o primeiro emprego na área, vai estar competindo com candidatos um ou dois anos mais velhos que acabaram de gastar uma bolada para ter um diploma da Columbia. E, se esse título tiver – ainda que marginalmente – um valor superior a zero, esses can- didatos vão ter mais apelo para quem está contratando e maior probabili- dade de conseguir o emprego. O resultado é uma situação na qual gente embusca de emprego compós- -graduação em jornalismo, que já se infligiu um prejuízo financeiro con- siderável, acaba prejudicando qual- quer aspirante a uma carreira jor- nalística que tenha sido inteligente o suficiente para não frequentar um programa na área. Na prática, o que isso significa? Significa uma força de trabalho muito menos diversificada – e em ummomento emque diversidade nas redações talvez nunca tenha sido tão importante. Se for pobre, de classe operária, negro, oriundo da zona rural, commobilidade reduzida, mãe solteira com vários filhos para criar ou pertencente a um grupo histori- camente sub-representado nas reda- ções, é possível que você entre para uma escola de jornalismo nos Esta- dos Unidos? Sim, é possível. É pro- vável? Não, pouquíssimo. É aconse- lhável? Não é. Isso posto, você é exatamente o tipo de pessoa que organizações jor- nalísticas deveriam se esforçar para atrair. Carl Bernstein não estudou jornalismo; a profissão jornalística precisa demais – e nãomenos – gente como ele. A melhor e mais simples maneira de avançar rumo a essa meta seria abolir completamente o título de pós- -graduação em jornalismo. Isso aju- daria a nivelar a competição e pou- paria a alunos bilhões de dólares em mensalidades. Melhor ainda, leva- ria o setor de volta a um modelo de treinamento na prática. Quem qui- ser entrar na profissão receberia um salário enquanto aprende. Émais efi- caz, é infinitamente mais realista e foca a mente: ninguém vai demitir da escola de jornalismo alguém que tenha grafado errado o nome do pre- feito em um título. Em vez de investir dinheiro e esforço em programas de trainees, que custamcaro, organizações jorna- lísticas certamente vão tentar deixar esse treinamento a cargo de escolas de jornalismo, deixando que outro (qualquer um!) pague a conta. É uma falsa economia, pois um programa de trainees ou estágio bem condu- zido não é só mais barato do que a faculdade, mas também tem muito mais valor. Sugiro, pois, o fim da escola de jornalismo ou, pelo menos, que seja transformada emuma área de estudo puramente acadêmica que não possa ser confundida com treinamento vocacional. Com isso, levaremos o treinamento de volta às redações, seu verdadeiro lugar. (Leia a réplica de Bill Grueskin a Salmon na página 45) O curso não agrega valor ao mundo e foi incapaz, em mais de um século de existência, de fazer do ofício uma carreira erudita, como queria Pulitzer

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