Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

36 JULHO | DEZEMBRO 2018 meses atrás, uma professora do estado americano de Indiana entrou emcontato comigo via Twitter. Tinha sido da ONG Teach for America (como eu) e acabara de ser admitida à Columbia Journalism School, onde tambémestudei. Tínhamosmuito em comum. Ela é negra, fez jornalismo na graduação e já concluiuvários estágios na área. Sua passagem pelas salas de aula foraumdesvio inesperado. Agora, estava pronta para ser jornalista. Ela queria saber sepoderíamos con- versar sobre minha experiência na Columbia. Segundo ela, aquela era a escola dos seus sonhos e ela precisava tomar uma decisão. O debate sobre a necessidade do ensino de pós-graduação em jorna- lismo nos Estados Unidos não é novi- dade. Durante anos, profissionais da imprensa se dividiram em campos bem demarcados para defender sua tese (veja os dois textos que antece- demomeu). Amaioria está de acordo em que o jornalismo é uma profissão – há regras e normas e muito do tra- balho do jornalista envolve habilida- des que podem ser ensinadas, apri- moradas e atualizadas. Já o lugar em que essas habilidades deveriam ser aprendidas – na sala de aula ou nas redações – continua a ser objeto de acalorada discussão. Enquanto isso, escolas de jorna- lismo tambémvêmsentindo o suposto efeito Trump – o chamado “Trump Bump” –, que fez subir o número de assinantes de veículos de imprensa nos Estados Unidos. Um texto publi- cado no site MarketWatch em mea- dos de março informou que aumen- tou o número de pedidos de admissão a faculdades de jornalismo em uni- versidades de todo o país. Na Annen- berg School of Communication and Journalism (da University of Sou- thernCalifornia, que temcursos tanto de graduação como de pós), a alta foi de 19% nos últimos quatro anos; este ano, a escola teve umnúmero recorde de alunos que optaram pelo jorna- lismo já no primeiro ano. Na Medill School of Journalism,Media and Inte- grated Marketing Communications (NorthwesternUniversity), o número de pedidos de admissão ao curso de graduação em jornalismo subiu 24% no último ano letivo. Já o programa de pós-graduação da Columbia regis- trou uma alta de 10% este ano. Essas notícias provocaram uma rodada de debates animada, por vezes acerba, sobre o valor do diploma de jornalismo. Sopan Deb, que escreve sobre culturano NewYorkTimes , disse no Twitter que não estava sugerindo que a escola de jornalismo não ser- visse para nada, mas que seriamelhor “que estágios fossem a faculdade de jornalismo”. “(…) vale a pena pegar empresta- do dezenas de milhares de dólares por uma profissão que você prova- velmente vai aprender por conta pró- pria, na prática? Nenhumbom jorna- lista aprende o ofício em sala de aula. Vá lá, ninguém confiaria em ummé- dico que não tivesse estudado medi- cina. Mas tem muito jornalista alta- mente respeitado que não fez facul- dade para isso (e ruins que fizeram).” Hamilton Nolan, que escreve para o site Splinter News, foi mais direto. Em um artigo intitulado “J-School is a Scam” (“Faculdade de jornalismo é fraude”, em tradução livre), Nolan sugeriu a aspirantes a repórter sim- plesmente cavar notícias, escrever um texto e procurar “alguém que pague (…) por essa atividade”. Os dois lados tendema focar a arti- lharia no custo estratosférico de uma pós-graduação em jornalismo (atu- almente, o custo estimado de mes- trado em tempo integral na Colum- bia, com dez meses de duração, é de US$ 105.820, quantia absurda consi- Talvez , mas o custo é um fator crucial alexandria neason REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 37 derando o salário médio de jornalis- tas no mercado). Nolan observa que as redações seguem teimosamente homogêneas e não refletem as comunidades que cobrem. Custos proibitivos tornam o universo de indivíduos interessados em estudar jornalismo menos, e não mais, diverso. É verdade. Mas esse mesmo efeito é produzido também por bolsas e estágios que não pagam umsaláriodecente ouque, como tanto empregono jornalismo, dependemdos estreitos corredores donepotismo ede redes de contatos que normalmente excluem indivíduosmarginalizados – os mesmos que tanta falta fazem em redações de todo o país, há décadas. Se a faculdade de jornalismo é uma “fraude” imperfeita e excessivamente cara, também o são as vias gratuitas que foram incapazes de produzir o exército de jornalistas diversificado que muitos dizem querer. A conclu- são é que ambos – tanto a escola de jornalismo como o mercado de tra- balho – existemdentro de ummesmo sistema de capitalismo desigual. Zom- bar da relutância de alguém em con- fiar nesse sistema, em vez de denun- ciar o sistema em si, émeio hipócrita. Ingressar na arena do jornalismo significa convencer alguém a lhe dar uma oportunidade. E é fácil para um branco do sexo masculino ou qual- quer indivíduo que goze de algum privilégio subestimar a dificuldade dessa tarefa para um jornalista negro, mulher, gay, com alguma deficiência ou de baixa renda. Rachelle Hamp- ton, assistente editorial da Slate , usa esse argumento em uma crítica ao artigo de Nolan: “(…) a tese reciclada de que a es- cola de jornalismo é fundamental- mente inútil não só carece de sutile- za como pressupõe que o mercado é uma meritocracia. Não é”. Quando comecei a considerar uma pós-graduação em jornalismo, meu principal objetivo era aumentar minhas chances de explorar o favori- tismo que o setor segue alimentando. Não era ingênua a ponto de achar que um diploma por si só me garantiria o emprego que eu queria; sabia que ele não iria me ajudar a evitar a fila, mas me familiarizaria com aqueles que decidem quem entra ou não na fila. Na minha cabeça, o curso de jor- nalismo não seria uma garantia, mas uma oportunidade – de praticar e, tal- vezmais importante, estabelecer rela- ções comgente que poderiame ajudar a começar a construir uma carreira, gente à qual não tinha real acesso no Havaí, ondemorava quandome candi- datei. Encarei o custo domeudiploma como um investimento. Havia risco, mas o retorno potencial podia com- pensar. Fui, então, checar o preço do curso na Columbia. Naquele ano, era deUS$ 51.656, excluindo taxas. Fiquei de cabelo empé – e talvez por isso dei- xei minha insegurançame convencer deque fazer ocurso seriapraticamente impossível, ainda que fosse um jeito de me ajudar a ingressar nomercado. Estava no estacionamento de um banco quando fiquei sabendo que tinha sido admitida. As semanas seguintes foram uma sucessão de manhãs ao telefone com minha mãe, que estava seis horas à frente, naCosta Leste – as duas fazendo contas e ten- tando entender o que o curso signi- ficaria para meu futuro financeiro. Minha mãe tinha bancado a própria faculdade de direitona década de 1980 comumcrédito que levou cerca de 20 anos para pagar; pegou US$ 35 mil e, no final, pagou cerca de US$ 70 mil. Ela entendia o impacto a longo prazo de empréstimos e juros altos. Consi- deramos quanto dinheiro euprovavel- mente ganharia como jornalista; meu medo era que meu salário não fosse ser suficiente para as contas que eu teria de pagar. Mas minha mãe pare- cia acreditar que, batalhando muito, com o tempo daria para ganhar um salário decente e, com alguma disci- plina fiscal, pagar as parcelas men- sais. E estaria mentindo se o prestí- gio de ter sido aceita por uma insti- tuição da chamada “Ivy League” – e a primeira da família – não signifi- casse algo para meus pais e, por con- seguinte, para mim. O debate diz menos sobre o melhor caminho de aprender a profissão do que sobre a incapacidade de faculdades e redações de tornar o setor inclusivo

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