Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

38 JULHO | DEZEMBRO 2018 Quando por fim decidi me matri- cular, já havia descartado um futuro no qual eu teria um imóvel; comecei a ver após-graduaçãocomominha “casa própria”, simbolicamente falando. A princípio, a Columbia me ofere- ceu uma bolsa de US$ 7mil, valor que depois elevouparaUS$ 9.150. Não tive nenhuma outra ajuda financeira até o segundo semestre, quando recebi outras duas bolsas de estudo que ele- varam meu auxílio para US$ 14.596. O custo salgado do curso foi um fardo para mim. Fiquei surpresa de terem me oferecido tão pouca ajuda financeira. Há pouco procurei 16 cole- gas da turma de 2014 para saber como haviam bancado o curso. Embora a amostra não seja representativa da turma inteira, 75% daqueles com quemfalei tinhamrecebido uma bolsa da universidade cujo valor variou de US$ 1.500 a US$ 20 mil. Pouco mais dametade disse que usou as próprias economias ou recebeu ajuda da famí- lia para arcar com as mensalidades e outras despesas. Sete das pessoas que ouvi pegaram umoumais créditos do governo fede- ral para arcar commensalidades edes- pesas do dia a dia – em um total que foi de US$ 20.400 a US$ 90mil. Qua- tro pessoas pegaramdinheiro de ban- cos privados (de US$ 35 mil a US$ 70 mil). Sofro só de digitar essas cifras. No meu caso, peguei dois emprés- timos federais – um deles subsidiado – para bancar o curso e despesas pes- soais no ano em que fiquei sem tra- balhar. No total, tomei emprestados US$82.778,69. Tenho25anosparaqui- tar o empréstimo, comparcelas calcu- ladas combase naminha renda; pago cerca de US$ 325 por mês à Navient. No meu primeiro ano na Colum- bia, o curso abandonou o velho sis- tema de dividir os alunos por habi- lidades. Qualquer estudante podia estudar a disciplina que quisesse – incluindo produção de vídeo, dados, reportagem e redação, rádio e tele- visão. Certas matérias, como a disci- plina de público e engajamento – que era obrigatória –, eram novas (e con- sideradas inúteis por muitos de nós). Já outras, como um curso de redação narrativa, me ensinaram a apurar e organizar informações ao longo de vários meses e a redigir textos longos – algo queme ajudoumuito dois anos depois, quando tive de escrever meu primeiro texto para uma revista de circulação nacional, a Harper’s . Uma disciplina de jornalismo sobre educa- çãoministrada por profissionais dessa área me ajudou na transição de edu- cadora para uma jornalista da área de educação. Umdesses professores, que escreviaparao NewYorkTimes , tocava a aula como se estivesse numa reda- ção, e aprendi muito com isso. A qua- lidade das aulas, no entanto, depen- dia muito dos professores, e por isso a experiência variava bastante. Pas- samos boa parte dos dez meses do curso trabalhando em uma tese de 5 mil palavras que, no caso da maioria de nós, jamais seria publicada. Mui- tos dos colegas saíramcoma sensação de que o currículo deixava a desejar – em certos aspectos, muito. Mas não posso ignorar que o mero fato de ser aluna daquela faculdade me permitiu conhecer gente que, em quase toda oportunidade de emprego que tive depois de formada, me ajudou a ser contratada. Logodepois de termi- nar o curso, fiz umestágio no Hechin- ger Report, o veículo independente de uma ONG de educação; os estagi- ários dessa ONG vêm, quase exclusi- vamente, da discplina de jornalismo de educação que fiz na faculdade. Durante dois anos, fui bolsista de um projeto na Columbia, o Teacher Project – era parte de uma equipe que atuava como a vertical de educa- ção da Slate . E, depois de um ano tra- balhando na redação do Village Voice , entrei emcontato comminha ex-pro- fessoraVanessaGezari, então editora- -executiva da CJR , queme incentivou a me candidatar ao cargo que hoje ocupo na revista. Ter um diploma da Columbia não é o que conta. O que importa é que ter estudado lá, especialmente sendo mulher e negra, me abriu portas que talvez jamais tivessemsido abertas em outrocontexto. AColumbiame ajudou e continua ame ajudar não só a entrar na fila, mas a ir mais além. Até alguns dos mentores emquemmais confio – gente sem ligação com a Columbia – conheci enquanto fazia alguma repor- tagem na época de estudante. E tudo isso compensou uma dívida de US$ 82.778,69, mais juros? Essa dívida foi uma opção minha. Tomei a decisão de contrair umempréstimo e, hoje, posso dizer com total con- fiança de que me arrependo disso. Essa dívida foi fonte de muita preo- cupação, estresse e ansiedade nos últi- mos quatro anos. Emborameu salário tenha subido continuamente desde que me formei, ainda ganho menos de US$ 70.000 ao ano. EmNova York, isso não dá paramuito – até para uma pessoa solteira e sem filhos. No final, liguei para a professora de Indiana e conversamos longamente sobreminha experiência naColumbia e sobreo futuroque ela imaginavapara si mesma no jornalismo. Até agora, a Columbia não ofereceu nenhuma ajuda financeira, embora ela já esteja há meses com um segundo emprego para juntar economias e esteja bus- cando bolsas externas. Ela foi aceita emoutras duas escolas de jornalismo. Disse a ela o que digo a todos: o curso de jornalismo, especialmente em uma instituição como a Colum- bia (embora não só ali), pode ofere- cer benefícios reais. Mas, se não con- tar comrecursos suficientes para isso, não sugiro esse passo a ninguém. Não posso, em sã consciência, incentivar alguém– especialmente umamulher REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 39 negra, considerando um vão salarial que insiste em não fechar – a con- trair a dívida que contraí, ainda que isso tenha me ajudado a abrir portas. Sugeri que ela considerasse a Cuny (The City University of New York), uma faculdade estadual que, até quem não é deNovaYork sabe, custametade da Columbia e da Northwestern, as outras instituições que a admitiram, e oferecia ajuda financeira (embora tanto a Cuny quanto a Northwestern impeçam que o estudante – de perí- odo integral – trabalhe por dois anos, grande razão pela qual evitei essas escolas durante minha busca). Por ora, minha saúde mental pede que eu nãome condene por entender que oportunidades não são distribuí- das de forma igualitária e por ter bus- cado umamaneira de ter acesso à car- reira que eu queria, mesmo que isso tenha me imposto custos que ainda nemenxergo. Emesmoquenão incen- tive outra pessoa a seguir o mesmo caminho. Aliás, a persistência desse debate dizmenos sobre o jeito “certo” ou “errado” de aprender jornalismo do que sobre a incapacidade de várias gerações, tanto em faculdades como em redações, de tornar o setor verda- deiramente inclusivo. ■ bill grueskin é professor da Columbia Journalism School. Foi editor de cidades do Miami Herald , editor-chefe adjunto do Wall Street Journal e editor-executivo da Bloomberg News. felix salmon escreve sobre economia, tem um podcast e uma newsletter, a Substack. Comandou um blog de finanças na Reuters e escreveu para Portfolio, da Condé Nast. alexandria neason escreve para a CJR . Foi repórter do Village Voice e cobriu o setor de educação para o Teacher Project, parceria entre a Columbia Journalism School e a Slate. Réplica de Grueskin a Salmon Sempre gostei de ler o que o Felix Salmon escreve. E ainda mais quando o texto é embasado em fatos. E aí vejo o problema com seu libelo contra a faculdade de jornalismo. Não há evidência de entrevistas com alunos, professores ou ex-alunos. Aliás, tirando um texto de 1993 na New Republic e um punhado de dados sobre o custo do curso, o Salmon passa amaior parte do tempo acalentando noções ultrapassadas sobre o ensino do jornalismo sob a diáfana tese de que omestrado em jornalismo contribui para a desigualdade nas redações. É bom lembrar que o ensino do jornalismo se dá emmuitos outros luga- res além da esquina da 116 th Street com a Broadway, onde fica a escola de pós-graduação da Columbia, em Nova York. Há mais de cem cursos de jornalismo – muitos deles de graduação – só nos Estados Unidos. E mui- tos mais em outros países. O principal argumento do Salmon, no entanto, parece ser que a facul- dade de jornalismo produz uma elite de jovens jornalistas que excluem da atividade gente de origem diversa ou economicamente desfavorecida. Não precisaria nem o Salmon ter levantando da mesa para descobrir qual a falha dessa tese. Bastaria ter clicado umpunhado de vezes no Twit- ter e encontrado este tópico recente de Lydia Polgreen, que estudou na Columbia e virou editora-chefe do Huffington Post depois de uma ilustre carreira como correspondente internacional do New York Times : “É pra- ticamente zero a probabilidade de que tivesse tido a carreira que tenho sem as redes que formei na faculdade de jornalismo”, escreveu Polgreen, citando um artigo na Slate de Rachelle Hampton, outra jornalista afro- -americana (Hampton estudou na Northwestern). Tenho certeza de quemuitos professores de jornalismo adorariamrece- ber uma visita do Salmon, para que ele pudesse ver o que é ensinado e aprendido em sala de aula. E aposto que gostariam de ler o texto que ele produziria – fruto do ofício que ensinamos todo dia. Réplica de Salmon a Grueskin Em 23 anos como profissional do jornalismo, nunca soube, nem senti a necessidade de saber, a inicial do sobrenome do meio de qualquer asses- sor de imprensa. E, embora tenha certeza de que hajamuita gente na facul- dade de jornalismo da Columbia que entenda muito de mídias sociais e de fotografia digital, duvido que a maioria esteja no corpo docente. Também desafio o leitor a achar um jornalista decente cujo detector de besteiras não dispare automaticamente ao ouvir a sugestão de um curso com um nome como “NUvention”. O Bill Grueskin parece concordar comigo que aprender no trabalho é melhor do que fazer um curso de jornalismo. Rejeito, no entanto, sua pos- tura derrotista de que o jornalista hoje já não pode aprender no trabalho. E rejeito, também, sua atitude privilegiada e elitista de não mencionar uma vez sequer o enorme custo financeiro do curso, como se fosse algomenor. Isso posto, teria prazer emdeixar que uma terceira parte batesse omar- telo. Perguntemos àquele velho editor de Baltimore se ele aconselharia alguém a gastar US$ 216.928 em uma pós-graduação em jornalismo com duração de dois anos – ou se, em primeiro lugar, é sensato oferecer esse curso. Suspeito que a resposta seja curta e inequívoca. Bate e rebate As teses a favor e contra a utilidade da formação acadêmica ainda deram o que falar Texto originalmente publicado na edição impressa de primavera/verão de 2018 da CJR. Disponível em www.cjr.org

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