Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

46 JULHO | DEZEMBRO 2018 O idealizador do PolitiFact, um dos primeiros sites de verificação de fatos, adianta o próximo capítulo na saga de combater invencionices por bill adair quando comecei a esboçar as pri- meiras ideias do que viria a ser o site PolitiFact, em2007, criei uma espécie de medidor do grau de veracidade de declarações de políticos. O recurso, que batizei de “Truth-O- -Meter”, virou um dos grandes atra- tivos do site de verificação de infor- mações. Foimencionado no programa The Daily Show do apresentador Jon Stewart, no matutino Today Show e emcentenas de ocasiões naTVa cabo. Apareci tantas vezes na CNN e na MSNBC que um dia uma senhora no aeroportome disse: “Você é o cara do Truth-O-Meter!”. O PolitiFact foi um dos primeiros sites de jornalismo dedicados ao fact- -checking ( juntamente com Snopes e FactCheck.org). O Truth-O-Meter foi inovador porque sintetizava nos- sas conclusões em um formato bem direto (logo depois surgiu o Fact Che- cker, do Washington Post , que clas- sificava a veracidade da informação em uma escala de até quatro “Pinó- quios”). Hoje, cerca de 70% das 149 agências de verificação de fatos do mundo usam algum indicador como o Truth-O-Meter. Mas eu evoluí. Já se foram 11 anos desde que inauguramos o PolitiFact e acho que é hora de deixar para trás meuqueridomedidor. Umprojeto que estou encabeçando na Duke Univer- sity busca maneiras de automatizar a checagem de fatos e de inovar na apresentação das conclusões. Acho que a indicação do Truth-O-Meter – que hoje vai de “verdade” a “mentira deslavada” (Pants on Fire, no original em inglês) ainda funciona para mui- tos leitores. Percebi, contudo, que no cenário polarizado de hoje, o medi- dor que inventei não está chegando a todo mundo – não chega, em espe- cial, aos conservadores. Estudos mostram forte divisão ideológica em relação a nosso for- mato singular de jornalismo. Um estudo de 2016 de Brendan Nyhan e Jason Reifler revelou que, nos Esta- dos Unidos, republicanos têm visão menos favorável do fact-checking do que democratas. Um estudo de 2017 do Duke Reporters’ Lab que fiz em parceria comRebecca Iannucci expôs um racha similar: publicações “libe- rais” tendiam a ser favoráveis à prá- tica, que descreviamcomtermos posi- tivos como “apartidária” e “vigilante”; já meios “conservadores” eram crí- ticos e usavam expressões como “de esquerda” e “tendenciosa”. Conser- vadores em geral colocavam o termo entre aspas – “checagem de fatos” –, numa sarcástica sugestão de que a atividade não era legítima. Porta de entrada Minha intenção ao desenvolver o Truth-O-Meter era dar uma síntese conveniente do que fora reportado em profundidade. A ideia era que o lei- tor mais afoito pudesse ver o político, sua declaração e a avaliação – e disso tirar sua conclusão. Já outros usariam o medidor como porta de entrada, se embrenhando umpoucomais e lendo a matéria toda. Mas vimos que grande parte do nossopúblico só atentava para omedi- dor, pormais bemapurada que amaté- É verdade! É fraude! REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 47 ria fosse. E mais ainda nos casos em que a pessoa discordava da classifi- cação. O medidor era tão eficaz que as pessoas o usavam para nos odiar. Para entender essa divisão ideoló- gica, um time de editores do Politi- Fact esteve há pouco no Alabama, em Oklahoma e em West Virginia para conversar com leitores conservado- res sobre o Truth-O-Meter e sobre como o processo funciona. “Nas con- versas individuais que tivemos, o pro- blema era sempre a classificação”, diz Aaron Sharockman, diretor executivo do PolitiFact. Minha suspeita é que o pé atrás de leitores conservadores coma classifi- cação seja exacerbado por sua velha prevenção contra a mídia. O movi- mento político de verificação de fatos nasceu nos anos 1990 e pegou embalo na última década, quando conserva- dores foram ficando cada vez mais desconfiados da grande imprensa. Aos olhos de muitos conservado- res, checadores de fatos já não são só um bando de esquerdistas que dão notícias – agora, são autorida- des autoungidas que decidem quem está mentindo. Obviamente, verificadores de fatos não podem se dar o luxo de alienar conservadores – a nação não pode ter um discurso político saudável se os dois lados não chegarema umacordo sobre os fatos. Novo projeto Deixei o PolitiFact há cinco anos e vim para a Duke, onde dou aula de jorna- lismo e lidero o Tech&Check Coope- rative, um projeto de pesquisa ambi- cioso. Recebemos fundos da Knight Foundation, do Projeto Facebook para Jornalismo edaCraigNewmarkFoun- dation para criar aplicativos de verifi- caçãode fatos emtempo real ebots que automatizema parte tediosa do traba- lho dos jornalistas. Um dos projetos que estamos bancando é o Truth Goggles. Esses “óculos da verdade” vão testar novas maneiras de corrigir informações fal- sas. Depois de testes iniciais na inter- net, os desenvolvedores pretendem lançar aplicativos de celular e pla- taformas de vídeo, além de recursos que qualquer veículo de comunicação possa incluir no próprio site. Para mim, incluir o Truth Goggles no nosso projeto foi um grande salto. Nos últimos oito anos, levei sempre no notebook um PowerPoint que mos- trava minha visão simples do futuro do fact-checking. Era um cara assis- tindo a um programa de TV a certa altura interrompido por uma propa- ganda política. Logo em seguida apa- recia o Truth-O-Meter: Mentira! Em 2010, eu achava que o futuro seria assim: que oTruth-O-Meter viria para botar os pingos nos is. Hoje, porém, vejo que omedidor não funciona para todos os casos. Dan Schultz, sócio da Bad Idea Fac- tory, a pouco ortodoxa idealizadora do Truth Goggles (somos, explicam eles, “um coletivo de criativos caóti- cos usando tecnologia para fazer as pessoas raciocinarem, como aquele emoji pensante”), afirma que é impor- tante lembrar que, quando consomem informação, as pessoas muitas vezes estão lutando para preservar a pró- pria identidade. Isso significa que fica- rão na defensiva se acharemque suas ideias políticas ou valores fundamen- tais estejam sob ataque. “Quando fica na defensiva, a pessoa refletemenos”, comenta Schultz, que acredita que o Truth-O-Meter pode, às vezes, ser um instrumento gros- seiro demais. Para corrigir isso, de acordo com Schultz, oTruthGoggles vai ser como uma lente personalizada. A Bad Idea Factory está elaborando perguntas paradeterminar oqueumusuáriopre- cisa. Que preconceitos ele tem? Oque o irrita? Quais seus pontos cegos (que informação pode estar ignorando, conscientemente ou não?). As res- postas vão ajudar a apresentar a cor- reção das informações de um jeito que a pessoa não se sinta atacada ou diminuída, nemache que seus valores estão sendo desrespeitados. Checagem personalizada O passo seguinte é adaptar a verifica- ção dos fatos à situação. A pessoa, por exemplo, está assistindo a umpronun- ciamento aovivodopolíticoque apoia? Está lendo uma fonte de informações fidedigna? Saber comque situação está lidando pode ajudar o Truth Goggles a ajustar a “intervenção” e, assim, ser mais eficaz. Aodar acorreção, por exemplo, seria possível usarouevitar certos termosou evidências que o público-alvo tende a instintivamente rechaçar. Se for sabido que a capacidade de a pessoa se con- centrar durante discursos ou pronun- ciamentos aovivoébaixa, a informação deve ser resumida. Se a pessoa estiver frustrada, humor ou imagens podem ser uma saída. A reação da pessoa a uma correção envolvendo umpolítico que apoia pode ser diferente da reação a um político que detesta. Essa solução tem seus riscos. Schultz conta que a equipe do Truth Goggles está tomando precauções para evitar a geração involuntária de “câmaras de eco”. “Há uma clara dife- rença entre empatia e complacência”, relata. “Estamos tentando proporcio- nar uma experiência na qual o leitor seja incentivado a examinar suas pró- prias crenças. Precisamos questionar a visão de mundo das pessoas, mas de um jeito que minimize o risco de desencadear uma atitude defensiva.” Ao encarar o futuro da checagem automatizada de informações, chego à conclusão de que ainda adorominha invenção. Ainda acredito que oTruth- -O-Meter terá utilidade para muita gente. Mas reconheço que não fun- ciona para todos e estou aberto a outras formas de dizer a verdade. ■ bill adair é titular da cátedra Knight Professor of Journalism and Public Policy da Duke University, nos Estados Unidos, e fundador do PolitiFact. Texto originalmente publicado em 24 de julho de 2018 em www.cjr.org

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