Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018
48 JULHO | DEZEMBRO 2018 As eleições estão logo ali. Os checadores? Bem aqui Com uma história de mais de 25 anos, o fact-checking tem de seguir normas de transparência e pode ser muito útil para sanear o debate público por cristina tardáguila no início dos anos 1990, o jornalista americano Brooks Jackson trabalhava na sucursal da CNN em Washington quando recebeu de seu chefe uma tarefa inusitada: juntar um pequeno grupoderepórteresparaverificar seera realmente verdade tudo aquilo que os políticos diziamnaTV. Naquela época, os Estados Unidos já assistiam às dis- putas primárias que desembocariam nas eleições presidenciais de 1992. O então presidente, George H.W. Bush, sonhava em se reeleger, mas os anún- cios feitos na TV tanto pelos republi- canos quanto pelos democratas reve- lavam-se ummar de inverdades. Farta daquilo, a direção da CNNna capital americana decidiu que passa- ria a colocar uma etiqueta de “falso” nas inserções políticas que trouxes- semdados equivocados. Era um jeito visualmente chamativo demostrar ao eleitor americano quando um polí- tico faltava com a verdade ao pedir seu voto. Foi assim que nasceu o Ad Police, a primeira plataforma de fact- -checking do mundo. Um exemplo que ganhou espaço e ecoa até hoje. Mesmo no Brasil. Em 2007, ainda nos Estados Uni- dos, era Barack Obama quem ten- tava conquistar a Casa Branca, e seu jeito de fazer política passava como um furacão pelas redes sociais. O jor- nalista Bill Adair, então diretor da sucursal do Tampa Bay Times em Washington viu a oportunidade de aplicar a metodologia de checagem de Brooks Jackson no Twitter e não hesitou em fazê-lo. Comuma equipedenãomais dedez pessoas, lançou oPolitiFact.com, ativo até hoje, e passou a atestar o grau de veracidade das informações políticas que circulavam naqueles dias exata- mente onde os eleitores se reuniam com mais frequência: na internet. O sucesso foi tão grande que, em 20 de abril de 2009, Adair e sua equipe leva- ram o prêmio Pulitzer. O fact-checking aterrissou naAmé- rica Latina em 2010, quando o Che- queado entrou no ar. Naquele ano, os argentinos aparentemente sedividiam emdois grandes grupos: os que apoia- vam o kirchnerismo e os que eram radicalmente contra ele. Mas havia um terceiro grupo – o dos que dese- javamque jornalistas se dedicassemà verificação dos dados utilizados aqui e ali pelas duas outras partes – e eles ganharam relevância. Foi assimque o Chequeado se consolidou na Argen- tina e virou a referência mundial que continua sendo até hoje. O Brasil... alguns passos atrás O provincianismo fez com que o jor- nalismo brasileiro chegasse de forma atrasada à corrida do fact-checking. Preocupados com nossos próprios escândalos e nossas próprias crises, não acompanhamos o sucesso do Ad Police, não nos inspiramos no Pulit- zer deAdair e demoramos pelomenos quatro anos para entender que o sis- tema argentino de checagem poderia ser adaptado à realidade brasileira, trazendo refresco à cobertura polí- tico-eleitoral de nosso país. O primeiro blog de fact-checking do Brasil foi o que montei no jornal OGlobo no segundo semestre de 2014. Chamava-se Preto no Branco e ficou ativo durante os cerca de 90 dias da campanha eleitoral daquele ano. Com uma equipe (não fixa) de quatro pes- soas, oPreto noBranco analisou quase 400 frases ditas por mais de 20 polí- ticos e detectou que 48% delas não eram lá de todo verdadeiras. Durante a vida do Preto no Branco, REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 49 descobri que as checagens não sógera- vamcliques – esse vício do jornalismo digital – como também eram capa- zes de engajar leitores em conver- sas políticas, mobilizando os jovens para o debate público. Por fim, cons- tatei que o fact-checking parecia ter impacto direto no discurso dos can- didatos. Mais de uma vez os então presidenciáveis Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (na disputa pelo PSB, após a morte de EduardoCampos) retificaramsuas falas depois de flagrados em dados equivocados. Enganam-se, portanto, aqueles que acreditam que o fact-checking é um jeito novo de fazer jornalismo, uma moda do momento, algo que surgiu nos últimos meses para ridicularizar políticos ou partidos, afetar de alguma forma secretamente planejada o resul- tado das eleições de 2018. Éhora de gritar alto: a checagemde fatos temmais de 25 anos. Não nasceu com as redes sociais nem foi bolada por brasileiros. Consiste basicamente em ouvir o que dizem os poderosos e contrastar as informações que eles apresentam com bases de dados públicas para, simplesmente, conferir se estão ou não falando a verdade. Mas... por que tudo isso? Porque é preciso melhorar a qualidade do debate público no Brasil. Também é preciso elevar o custo da mentira. Deixar em saia justa quem pretende ganhar eleições ou governar enga- nando o povo. Raciocine comigo: que a informação é a unidade básica de qualquer decisão – da mais simples à mais complexa – não há dúvidas. Assim, ter dados oficiais mastigados e explicados diariamente por jorna- listas que se dedicam a isso pode sig- nificar a diferença entre tomar uma boa ou uma péssima decisão. Seja ela eleitoral ou não. Hoje estamos assim Em2015, decidi fundar aAgênciaLupa, a primeira plataforma jornalística do Brasil a se dedicar exclusivamente e de forma sistemática à checagemde falas. Começamos comuma equipe de qua- tro repórteres.Hoje somos 15. Começa- mos dispostos a ceder nosso conteúdo para uso gratuito de outros veículos de comunicação. Hoje vendemos nos- sos artigos para Folha de S.Paulo , CBN, Época e Metrópoles . Em2015, pensáva- mos – ingenuamente – que seria pos- sível checar a maior parte das falas relevantes proferidas pelos políticos do país. Hoje, temos a certeza de que, para isso, é preciso contar comumver- dadeiro exército de checadores. Por essa razão, em2017, lançamos o Lupa- Educação, braço pelo qual damos ofi- cinas de checagemBrasil afora e capa- citamos pessoas em técnicas básicas de fact-checking. Desde que nasceu, a Lupa é mem- bro da International Fact-Checking Network, a rede mundial de checa- dores que reúne mais de 200 plata- formas de fact-checking em torno do Poynter Institute, nos EstadosUnidos. Estamos em contato direto com che- cadores de mais de 50 países e traba- lhamos conjuntamente para enfren- tar a desinformação em texto, vídeo, foto e áudio. Obedecemos com rigor os cinco pontos do código de ética fixado pela IFCN. 1) Somos transparentes com relação a nossa metodologia de tra- balho. Dizemos publicamente qual é o escopo de nossas checagens e como escolhemos as frases para checar. 2) Somos transparentes emrelação às fontes de informação utilizadas. Ao LUPA EDUCAÇÃO
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