Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

50 JULHO | DEZEMBRO 2018 contrário do que acontece na mídia tradicional, os fact-checkers preci- sam linkar em seus textos toda a apu- ração. Isso significa que offs ficam de fora, bem como “fontes palacianas” e outros artifícios desse tipo.Mostramos a nosso leitor/ouvinte tudo aquilo que apuramos para que ele, sozinho, che- que o checador, vigie o vigilante. 3) Somos transparentes sobre as fontes de financiamento que nosmantêm. As plataformas auditadas pela IFCNpre- cisam dizer de onde vem o dinheiro que as sustenta. Levantamento feito pelo Duke Reporters’ Lab, da Univer- sidade de Duke, em2008, mostra que a maioria dos fact-checkers são insti- tuições sem fins lucrativos. Apoiam- -se emcampanhas de crowdfunding e emfundos internacionais. ALupa fica no grupo minoritário. É uma socie- dade anônima, registrada na Junta Comercial do Rio de Janeiro, e não recebe dinheiro de nenhuma funda- ção internacional. Em junho de 2018, contava comquatro linhas de receita: a venda de checagens, a realização de oficinas do LupaEducação, parcerias comFacebook e Google para verifica- ção de informação e umapoio extra da editoraAlvinegra, quepublica a revista Piauí e hospeda temporariamente o site da Lupa. 4) Temos, por fim, uma política pública de correções. Todo membro verificado da IFCN se com- prometepublicamente emfazer corre- ções toda vezque se equivoca–porque é claro que os fact-checkers podemse equivocar. Mas, à diferença do que se vê por aí, não esconde seus erros. Pre- cisa exibi-los de forma a não aumen- tar o ruído. 5) Por último, somos apar- tidários. Verificamos todos os políti- cos, de todos os partidos. Não traba- lhamos para defender A ou criticar B. Buscamos diariamente equilibrar nossas checagens de forma a não pri- vilegiar ninguém. E anualmente pre- cisamos comprovar isso a auditores internacionais. O que nos move é o jornalismo, não a propaganda política. Mas, então, o que falta para que o fact-checking ganhe maior relevân- cia? Há pouquíssimos estudos acadê- micos sobre isso no mundo – menos ainda em português. Arrisco-me, no entanto, a listar três pontos. O pri- meiro é a necessidade de levar a che- cagemde fatos aos canais de televisão. Segundo pesquisa feita pelo Ibope em 2017, o Brasil ainda é essencialmente um grande consumidor de TV. Tal- vez pelo grau de analfabetismo de sua população (emqueda, é verdade, mas ainda considerável). Talvez pela ainda incipiente distribuição de internet. Fato é que a checagem não alcançou os telejornais nem os programas de auditório. A Espanha e a Itália estão muito à frente nesse quesito. Os canais La Sexta eRAI podem– e devem– ser- vir de benchmark para isso. Outro ponto que impede o avanço da checagem no país é sua aceitação por parte da classe política. Nos Esta- dos Unidos, berço do fact-checking, já é comum ouvir citações ao Politi- Fact.com ou ao TheWashington Post Fact Checker nos discursos feitos no Congresso. Na Argentina, o presi- dente Mauricio Macri passou a sub- meter suas falas oficiais a verificado- res do governo antes de abrir a boca empúblico. Tambémalertouosminis- tros: se aborreceria comeles se levas- sem“falsos” doChequeado. Resultado: o discurso público ficou mais cuida- doso, e a militância seguiu o ritmo. Entendeu que fact-checking é vital. Falta investimento O isolamento das redações brasileiras e a falta de dinheiro para apostar em checagem também puxam para trás as iniciativas abertas no país. O britâ- nico Full Fact, por exemplo, tem uma equipequemistura repórteres edesen- volvedores. Conseguiu criar um sis- tema incrível informatizado capaz de “ouvir” e decupar o que é dito no Par- lamento, indicando automaticamente as falas que têm conteúdo questioná- vel. Issonão só ajuda a reduzir o tempo entre um discurso “falso” e a publica- ção de sua respectiva checagemcomo também aumenta o volume de infor- mações verificadas. No Brasil, a ciên- cia da computação e a TI ainda não se encantaram pela ideia de selar parce- rias com jornalistas e passar a buscar a verdade de forma obsessiva. Éurgente que isso aconteça. Assim, enquantoomundoavançano que diz respeito à checagem de fatos e inclusive sua automação, por aqui perdemos tempo repetindo diagnós- ticos batidos sobre a origemdas notí- cias falsas. Ouvimos à exaustão frases batidas como “a mentira existe desde sempre” e que “é preciso fazer algo para combatê-la”.Mas, até onde se vê, só o jornalismo está entregando uma resposta – pormeio do fact-checking. Apoucas semanas do início da cam- panha eleitoral de 2018, o Congresso ainda perdia horas e horas discutindo dezenas de projetos de lei que busca- vam criminalizar as fake news, sem sequer conseguir definir esse con- ceito. Como regular algo que não cabe numa definição? Por sorte, no último dia 10de junho, o Tribunal Superior Eleitoral se deu conta disso. Em um artigo publicado por diversos jornais e sites do país, o ministroLuizFux, entãopresidentedo órgão, repetiu um dos maiores man- tras da checagem: “Contra a notícia falsa,mais jornalismo”. A frase veioem boa hora. Até aquele momento, havia dúvidas sobre as intenções do minis- tro emsua campanha oficial contra as notícias fraudulentas. Ele patrocina- ria medidas autoritárias, contrárias à livre expressãodopensamento?Apos- taria em formas veladas de censura? Foi aí que, em seu artigo, o ministro repeliu soluções autoritárias e afirmou que acredita mesmo é no jornalismo. Desde então, vem defendendo publi- camente mais fact-checking e mais reportagem. Melhor assim. Fux sabe que as eleições estão logo ali. Os che- cadores? Bem, esses estão bemaqui. ■ cristina tardáguila é diretora da Agência Lupa, especializada em checagem de fatos. REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 51 A boataria capaz de destruir reputações Como a onda de desinformação afeta o ambiente corporativo e o que as empresas devem fazer para se proteger e resguardar os seus públicos por joão rodarte a proximidade das eleições mobi- liza a opinião pública para o tema das notícias falsas – ou fake news, expres- são popularizada após a disputa elei- toral americana em 2016. Se o fenô- meno não é exatamente novo, é certo que ganhou dimensão inédita com a enorme capacidade de disseminação trazida pelas redes sociais e por ser- viços de troca de mensagens como o WhatsApp. A desinformação ameaça o bom debate público e seu enfrenta- mento é tarefa a ser compartilhada por todos, inclusive pelas empresas e ins- tituições privadas. O melhor antídoto contra as fake news, semdúvida, é a informação cor- reta e objetiva. Odesafio está empro- duzi-la e fazê-la chegar a quem con- sumiu a notícia errada. São eviden- tes o papel e a importância do jor- nalismo profissional rigoroso: che- car boatos, apontar falsidades e apre- sentar os fatos de maneira clara – e aqui sobressai o chamado fact-che- cking, seja por meio das equipes pró- prias dos veículos, seja pelas agên- cias dedicadas a essa atividade jor- nalística. Merece destaque o Projeto Comprova, aliança entre 24 veículos brasileiros para checagem de infor- mações durante as próximas eleições, que terá inclusive umcanal para rece- ber sugestões de leitores. Mas somente a produção de conte- údo que desminta notícias falsas não é suficiente para evitar que elas con- tinuem se espalhando e produzindo desinformação. Recente estudo dos pesquisadores americanos Brendan Nyhan (DartmouthCollege), Andrew Guess (PrincetonUniversity) e Jason Reifler (University of Exeter)mostrou que, nos Estados Unidos, boa parte das checagens produzidas por jor- nalistas não chega ao leitor da notí- cia falsa que elas enfrentam. Entra em cena a responsabilidade de cada um. As fake news, comu- mente publicadas por sites que bus- cam ganhar dinheiro com tráfego na internet, se espalham pela von- tade dos leitores que as comparti- lham em suas redes sociais ou pelo WhatsApp, por exemplo. São rele- vantes, por esse aspecto, iniciativas de empresas de tecnologia e mídia e de órgãos governamentais no sentido de educar o público emgeral sobre como identificar uma notícia fraudulenta. O WhatsApp passou a indicar quando uma mensagem é “encaminhada”, chamando a atençãodos usuários para adotar mais cautela no compartilha- mento de conteúdo pelo aplicativo. Se mais pessoas desconfiaremde conte- údos potencialmente falsos e busca- rem se certificar de sua veracidade, a onda de um boato pode ser contida. Ambiente corporativo Como agentes relevantes da circula- çãode informações, as empresas e suas áreas de comunicação têmpapel fun- damental nesse esforço de combater a desinformação, seja pelo cuidado com sua própria reputação, seja pelo seu peso na disseminação de uma cultura de respeitoà verdade e à transparência. Para isso, é essencial que adotem um monitoramento permanente das notícias e dasmídias sociais para iden- tificar o mais cedo possível notícias falsas que mencionem suas marcas e suas atividades. A tecnologia aplicada à comunicação corporativa avançou muito nos últimos anos, colocando à disposição dos gestores um leque amplo de possibilidades para obter

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