Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018

52 JULHO | DEZEMBRO 2018 alertas tempestivos sobre como uma corporação vem sendo mencionada. A análise com apoio da inteligência artificial permite, inclusive, anteci- par tendências. É certo que profissionais experien- tes de relações públicas têm a capa- cidade de tomar decisões acerta- das com agilidade em momentos de tensão. Mas o volume de dados dispo- níveis atualmente nãopermite que um gestor de comunicação se dê ao luxo de confiar somente na própria intui- ção. A tecnologia, sempre associada à capacidade de diagnósticos de seres humanos capacitados, é fundamental para combater o “achismo” na defini- ção de estratégias de comunicação. Da mesma forma que a demora na reação pode ser um desastre, uma resposta exagerada ou mal calibrada muitas vezes aumenta a crise des- necessariamente. Mesmo nos meios jornalísticos, há grande debate sobre como selecionar os boatos a serem checados pelas agências especializa- das, diante do risco de ampliar exage- radamente a divulgação de uma fal- sidade ao jogar luzes sobre ela. Daí a necessidade de ter informações con- fiáveis e em tempo real sobre a verda- deira dimensão de uma crise. O Pro- jetoComprova, mencionado anterior- mente, vai lançar mão de ferramen- tas comoNewsWhip, Google Trends, Crowdtangle e Tweetdeck para deter- minar quais informações serãomoni- toradas durante as eleições. Uma vez escolhidos os temas a serem tratados, é preciso dar a equi- pes de comunicação profissionais a tarefa de apurar o assunto com agili- dade,mas tambémcomconfiabilidade e objetividade. Em suma, os mesmos princípios aplicados diariamente por jornalistas na produção de notícias. Notícia falsa se combate com notícia bem apurada. Contra os danos à marca A difusão da mensagem exige uma análise dos canais adequados, con- forme o público a ser atingido. Uma empresa combons serviços de atendi- mento ao consumidor, operando tam- bém por meio de redes sociais e ser- viços de mensagens e em articulação com a área de comunicação poderá esclarecer pontualmente informa- ções equivocadas sem o risco já men- cionado de aumentar seu alcance desnecessariamente. Nada disso terá o efeito esperado sem planejamento. Na hora da crise, quem não se preparou se verá apa- gando incêndios, com resultados insatisfatórios. Por isso os planos de contingência para crises de comu- nicação também devem contemplar o desmentido de falsidades sobre a empresa. Determinar previamente os responsáveis internos pela che- cagem de informações e a aprova- ção de comunicados, por exemplo, confere agilidade para agir quando surge o problema. O departamento jurídico também precisa ser envol- vido, já que em alguns casos a via judicial pode ser um dos caminhos para combater a divulgação de falsi- dades, e mesmo para buscar repara- ção por danos à marca. Ocaso recente daCoca-Cola ilustra com clareza a vantagem de se prepa- rar. No começo deste ano, a empresa viu disparar a divulgação de umboato tão antigo quanto falso: a empresa era acusada de ter “comprado” o aquífero Guarani, uma das maiores reservas DIVULGAÇÃO/KIAU NOTÍCIAS REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 53 de água do planeta. Em entrevista ao Jornalistas&Cia , a diretora de comuni- caçãoMariana Peixoto contou como a comunicação da fabricante de bebidas não só enfrentou o assunto, mas tam- bém usou a oportunidade para tratar de uma agenda positiva. Mariana explicou que a empresa tem diretrizes claras para lidar com fake news, que entram em ação com base em informações do monitora- mento em tempo real das mídias, e também em sinais recebidos por meio dos canais de atendimento ao consumidor. Todas as ferramentas foramaciona- das no caso do aquífero. Coroando a estratégia, o presidente da empresa no Brasil aproveitou sua palestra emum evento internacional sobre água para não apenas desmentir frontalmente o boato, com base em dados objetivos, mas também tratar do trabalho da empresa na questão da água. “Com esse trabalho, conseguimos mitigar possíveis danos reputacionais e dar visibilidade à agenda positiva da com- panhia”, disse Mariana. O caso está longe de ser o primeiro envolvendo a Coca-Cola. Tanto que a empresa criou uma seção “É boato” em seu site, na qual desmente todo tipo de besteira que circula nas redes sociais. Como disse Mariana, não é de hoje que sofremos com a desin- formação – o que mudou foi a velo- cidade de difusão. Relação transparente O trabalho da comunicação da Coca- -Cola demonstra ainda a necessidade de estabelecer e praticar, de maneira permanente, valores como transpa- rência e ética. Nesses momentos de crise, a reputação da empresa será colocada à prova comomedida da cre- dibilidade de suasmensagens enfren- tando as fake news. Vivemos totalmente conectados. As redes sociais deram voz aos con- sumidores, e estes já não escolhem as empresas apenas pela qualidade ou preço de seus produtos e serviços. O consumidor dos dias de hoje está olhando para causas que as empresas representam, ou como se comportam em relação a questões da atualidade. Não é exagero dizer que o escrutínio das corporações chegou ao nível de entidades públicas, que devem pres- tar contas à sociedade por seus atos e seu impacto no mundo. Se as companhias abertas já são obrigadas por lei e por seus acionis- tas a dar publicidade a um conjunto cada vezmaior de informações, é certo que o restante das empresas não está livredeadotarumaposturamuitomais transparente. Quemestiver bemnesse quesito sairá na frente no combate às fake news, seja pela credibilidade junto aos vários públicos de interesse, seja pela cultura interna que fará fluir commais facilidade as informações e o trabalho da área de comunicação. Lição de casa Como parte da cultura, é essencial capacitar os colaboradores – a come- çar pelas lideranças – para identificar notícias suspeitas e evitar que com- partilhemconteúdos falsos. Já se pode dizer que é parte da responsabilidade social de cada empresa engajar-se de alto a baixo no enfrentamento dessa questão. De nada adianta um traba- lho estruturado no departamento de comunicação se o restante dos líde- res continua a compartilhar com dis- plicência conteúdos duvidosos. As áreas de comunicação devem liderar, com as de recursos humanos, os esforços de treinamento dos fun- cionários para lidar com fake news. Trata-se, na verdade, de uma opor- tunidade para criar conexões com outros departamentos e recrutar alia- dos para o trabalho de combate às notícias falsas. Está claro que o complexo fenô- meno que se convencionou chamar de fake news é um desafio também para empresas emarcas. Elas precisam estruturar suas áreas de comunicação, investir em monitoramento e treina- mentos, e estabelecer planos de crise. Mas a crescente desinformação no mundo digital abre também oportu- nidade para aquelas que consegui- rem construir uma reputação forte, baseada em uma atuação transpa- rente e proativa. Não só as chances de uma notícia falsa “colar” sãomeno- res, como é provável que os consumi- dores saibam reconhecer o esforço esclarecedor da empresa. Vítima de um boato que apontava um produto como responsável pela morte de uma criança, a Itambé tam- bém adotou uma estratégia de escla- recimento ampla, em todos os canais, incluindo umvídeo gravado pelo pre- sidente da empresa. “Essa postura dei- xou a Itambé aindamais próxima dos consumidores”, avaliou a gerente de marketing BeatrizCardoso, ementre- vista ao jornal O Globo . À medida que avançar a educação em relação às fake news, a população saberá buscar informações para che- car boatos – e assimganharão pontos as instituições que já estiveremhabi- tuadas a fornecer todo tipo de escla- recimento aos seus públicos. Está ao alcance de cada um agir em defesa da verdade e da mensa- gem correta. ■ joão rodarte é formado em jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP). Foi diretor de comunicação no governo de Franco Montoro em São Paulo e assessor de Fernando Henrique Cardoso. Em 1987, fundou a empresa CDN e a presidiu por 30 anos. Hoje é seu chairman.

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