Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018
58 JULHO | DEZEMBRO 2018 Casos como o da repórter Bruna Dealtry, que foi beijada por um torcedor do Vasco num jogo da Libertadores, em março, motivaram a campanha #DeixaElaTrabalhar Em maio, a repórter Maria Fernanda Mora, da Fox Sports México, foi apalpada enquanto trabalhava em Guadalajara; em reação, ela acertou o assediador com o microfone Kéthévane Gorjestani, editora de esportes da France 24, foi surpreendida por um agressor durante uma transmissão na Fifa Fan Fest 2018, na Rússia DIVULGAÇÃO/FRANCE 24 DIVULGAÇÃO/FOX SPORTS DIVULGAÇÃO/ESPORTE INTERATIVO REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 59 Texto publicado em 27 de julho de 2018 em www.cjr.org cou uma equipe de segurança da Fox para investigar as ameaças feitas nas redes sociais. Kéthévane Gorjestani, editora de esportes da France 24, foi agar- rada e beijada ao vivo durante uma transmissão na Fifa Fan Fest de São Petersburgo. Foi só depois que seus colegas reagiram que Gorjestani entendeu que aquilo não era aceitá- vel. Uma experiência anterior, durante a Euro 2016, na França, foi pior ainda, contou Gorjestani por e-mail. “Infe- lizmente, eu já pensava nessas coi- sas como ‘parte do trabalho’. Quando meus colegasperguntaramseeuestava bem, comecei a pensar [que talvez não fosse parte do trabalho] ”, ela lembra. Gorjestani conta que seus chefes reagiram “da maneira que você gos- taria que seus chefes reagissem”. Eles ofereceram algumas opções – conti- nuar, tirar uma folga ou voltar para casa (que ela recusou). “Eles também me derama oportunidade de abordar o assunto durante a programação, o que acho que foi muito bom.” Nem todas as jornalistas têm uma resposta positiva após um caso de assédio. Saher Shakir, ex-freelancer da Vice Media, processou a empresa no início de 2018 depois de ser ata- cada enquanto cobria uma partida de futebol em Argel. De acordo com a NBC News, a ação de Shakir questiona a “demis- são imotivada, retaliação contra a denunciante e difamação”. Ela tam- bém alega que a chefia de recursos humanos da Vice a culpou pelo ata- que. Na mesma época em que entrou coma ação, Shakir se ofereceu, emum post noTwitter, para falar emparticu- lar com“qualquer pessoa que precise de ajuda para tomar as providências legais após sofrer algum assédio no trabalho”. Emumcomunicado para a CJR , as advogadas de Shakir, AlyssaK. Schabloski e Shane V. Hauparauchy, afirmam que a Vice “prejudicou pro- positalmente a segurança da equipe do World of Sports ao enviá-la para eventos caóticos sem treinamento na área nemquemfizesse a segurança, ao mesmo tempo que fornecia isso para outras equipes”. De acordo com suas advogadas, Shakir foi “obrigada a se afastar do trabalho para buscar apoio para se recuperar e foi desligada para que não pudesse voltar ao cargo”. A Vice não havia se pronunciado até a publicação desta matéria. Mudança de cultura Mesmo em empresas que levaram o bem-estar do funcionário a sério após casos de assédio, não houve neces- sariamente uma mudança institucio- nal na maneira de fazer essas cober- turas. Por exemplo, Gorjestani, da France 24, afirma que não houve alteração em seu trabalho ao cobrir grandes eventos esportivos, porque o problema está na cultura – e não na maneira como ela exerce sua profis- são. “Se você prestar atenção no que está acontecendo em volta, às vezes você consegue identificar os torce- dores que estão mais bêbados e que podem criar problemas. Mas, since- ramente, quando você está ao vivo, não dá para fazer muita coisa além de fugir da confusão, o que achomeio vergonhoso”, informa Gorjestani. No Brasil, 52 mulheres jornalistas criaram a hashtag #DeixaElaTraba- lhar, para combater os casos de assédio durante as transmissões e encarar os problemas culturais citados por Gor- jestani. Muitas repórteres usaram a hashtag. Suas criadoras esperamgerar umdebatemais amplo sobre assédio, de forma a fazer com que os agresso- res entendam que isso não é aceitá- vel – em vez de pedir às vítimas que mudem seu comportamento. Jumpelt, da Deutsche Welle, disse que foi por isso que Therán permitiu que seu agressor pedisse desculpas a ela durante a programação. Aempresa deixou a decisão para Therán. De acordo comJumpelt, a repórter “ficou um dia pensando no assunto” antes de concordar. A porta-voz esclareceu ainda a intenção de Therán: “Fazer com que as pessoas parem para pen- sar sobre o assédio”. Ao pedir descul- pas, o assediador falou que seu com- portamento foi “uma piada de mau gosto” e que ele “agiu sem pensar”. Therán foi gentil, mas assertiva em sua resposta. “Eume recuso a ser uma vítima”, garantiu ao agressor. “Tudo que quero é voltar ao trabalho, na cobertura do futebol.” ■ britni de la cretaz é repórter esportiva freelance e já escreveu para o New York Times , o Washington Post , a Atlantic , a espnW, a Vogue , entre outros veículos. Em 2017, ela ganhou o prêmio Nelly Bly do Transformative Culture Project por seu trabalho sobre o racismo na imprensa esportiva de Boston, publicado no DigBoston. Seu Twitter é @britnidlc. No Brasil, a hashtag #DeixaElaTrabalhar tenta combater as agressões durante as transmissões e coibir os assediadores
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