Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018
60 JULHO | DEZEMBRO 2018 PARA LER e PARA VER LEÃO SERVA Jovens americanos se reúnem diante do Pentágono, em Washington, para se manifestar de forma pacífica contra a guerra do Vietnã SÉRIE A Guerra do Vietnã , de Ken Burns, faz sucesso na Netflix VOCÊ JÁ DEVE TER OUVIDO comentários sobre a qualidade impres- sionante de A Guerra do Vietnã , disponível na Netflix desde junho de 2018. Toda a comunicação oficial trata o programa como “fil- me”, em dez capítulos. Produzido ao longo dos últimos dez anos, com um orçamento de US$ 30 milhões, obteve prestígio imedia- to também no Brasil. Filmes de guerra são um gênero do cinema, ao lado de aventu- ra, romance, comédia e bangue-bangue, entre outros. Mas, entre todas as películas sobre conflitos, o Sudeste Asiático ocupa o es- paço privilegiado de um gênero dentro do gênero, no qual a série (ou filme), de Ken Burns, é o mais recente sucesso de uma longa lista iniciada por Os Boinas Verdes (1968). Um dos primeiros e mais prestigiados correspondentes ameri- canos no Vietnã, David Halberstam (autor de The Powers that Be, 1979 ), disse certa feita que a maior dificuldade ao cobrir aque- le conflito era ter que descre- ver como nova uma notícia cen- tenária. É de fato muito difícil determinar quando começou a guerra, pois a região vinha de uma tradição de escaramuças quando os franceses a ocupa- ram no século 19, iniciando uma nova geração de atritos, agora contra o imperialismo europeu. O primeiro capítulo do filme de Burns é muito dinâmico em sua maratona para resumir a longa história que levou à deci- são dos Estados Unidos de ocu- par o vácuo deixado em 1954 pela derrota do Exército fran- cês para as forças lideradas por Ho Chi Minh. As potências inter- nacionais impuseram uma di- visão do país em Norte, comu- nista, e Sul, capitalista, até que eleições pudessem escolher um regime único para a nova na- ção. Foi a partir desse momen- to que o discreto apoio ameri- cano ao Vietnã do Sul se trans- formou em uma intervenção di- reta de centenas de milhares de soldados que durou cerca de 20 anos e deixou aproximadamen- te 50 mil mortos. Em 1973, os Estados Unidos retiraram seus soldados; em 1975, o Norte venceu o confli- to com a conquista da capital sulina, Saigon. Depois de 20 MARC RIBOUD/MAGNUM PHOTOS/LATINSTOCK REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 61 NASCIDO EM PERNAMBUCO, crescido na Bahia, Diógenes Moura se radicou em São Pau- lo no fim dos anos 1980 e nas duas décadas seguintes se des- tacou na cena cultural paulis- tana como o curador respon- sável por tornar a Pinacoteca do Estado uma referência em mostras de fotografia. No en- tanto, nunca abandonou a es- crita, que antecede a profissão mais conhecida. Seu mais recente lançamen- to une as duas atividades: os textos de O Livro dos Monólo- gos (Vento Leste) são ilustra- dos por fotografias. Algumas imagens de autoria do pró- prio Diógenes, feitas com seu celular sempre apontado para os moradores de rua esqueci- dos nas calçadas do Centro de São Paulo. Elas são publica- das no Instagram, sob o título “Fashion Abandono”. As outras são um ensaio feito pelo fotó- grafo Alê Ruaro na residência de Moura. Como suas paredes são cobertas de fotografias, o ensaio tem um fortíssimo efei- to de looping. Mas nesse livro o astro é o texto, composto de memórias do autor. Por isso, o leitor de- ve lê-lo em voz alta, pausada- mente, tentando ouvir a voz do escritor. Afinal, ele mesmo anuncia: “ O Livro dos Monólo- gos é uma síntese de mim. É frágil. Arde. Sangra. Dói. Pos- sui cicatrizes”. Moura é um tipo cada vez mais comum em São Paulo: mora no centro da cidade e não usa carro. Locomove-se quase sempre a pé, como me contou no livro Como Viver em São Paulo semCarro . Isso o tor- na um observador da vida da metrópole e seus problemas. Parte dos textos são imagens que ele produz pensando em quem são os personagens des- conhecidos das fotos. Em algum momento recen- te, seu apartamento foi arrom- bado e diversos objetos de va- lor foram levados, tudo filmado por câmeras de segurança do prédio. Diógenes transformou o sentimento de indignação em motor criativo e produziu uma narrativa angustiante do episó- dio. É esse capítulo que expli- ca o subtítulo do livro: “Recu- peração para Ouvir Objetos”. ■ A Guerra do Vietnã Ken Burns Série documental disponível na Netflix, 2018 anos, a guerra terminava on- de começou: o Vietnã indepen- dente, unificado sob um partido comunista. Ho Chi Minh (1890- 1969) tinha morrido, mas seu principal companheiro, o bri- lhante militar Vo Nguyen Giap (1911-2013) sobreviveu para ver a vitória final da estratégia de guerrilhas que marcou a longa luta pela independência. Durante duas décadas, o Exército americano se bateu em armas na Ásia contra um inimigo militarmente mais fra- co, mas cujos líderes tinham a convicção de que a verdadeira batalha estava sendo disputada dentro do território dos Estados Unidos: venceria quem conquis- tasse a opinião pública ameri- cana. E, para isso, o jornalismo tinha um papel fundamental: o Vietnã foi a guerra da impren- sa, por excelência. O estilo de edição do diretor Burns, que une fotos e filmes de época a depoimentos recentes de testemunhas costurados sob um narrativa econômica, ajuda a mostrar com clareza como a autoconfiança inicial dos ameri- canos, recém-saídos da Segun- da Guerra Mundial, se tornou no repúdio generalizado à guer- ra, às atrocidades contra os jo- vens forçados a lutar por uma causa perdida. A série de Burns é um perfei- to complemento para The Post , o filme de Steven Spielberg so- bre os Papéis do Pentágono, ajudando a compreender a tra- gédia, militar e política, que sig- nificou o envolvimento america- no na Guerra do Vietnã. ■ Obra de Diógenes Moura une texto e imagem LIVRO O Livro dos Monólogos Diógenes Moura Vento Leste, 2018 200 páginas DIÓGENES MOURA DIVULGAÇÃO Imagem da série “Fashion Abandono”, de Diógenes Moura, que ilustra suas memórias
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