Revista de Jornalismo ESPM JUL-DEZ_2018
6 JULHO | DEZEMBRO 2018 TUDO EM DIA carlos eduardo lins da silva Liberdade é alvo de hostilidade global inspirado em grande medida pelos governos das duas maiores potências econômicas, China e Estados Unidos, um clima de ódio à liberdade de expressão, em particular ao jornalismo independente, está se espraiando de modo inédito por quase todo o mundo. O mais recente índice de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras mostra apenas 17 nações, entre 180 examinadas, em que a garantia ao exercício da profissão é plena, ou quase. O relatório revela quemesmo empaíses nórdicos, como Noruega e Suécia, que lideram a lista, têm sido registra- dos ataques a jornalistas ou veículos de comunicação por parte de políticos ou organizações, com variados níveis de agressividade. O Brasil aparece em 102º lugar, com a legenda “mais inseguro do que nunca”. O relatório destaca no país ata- ques físicos contra repórteres em manifestações de rua, assassinatos, impunidade generalizada e ameaças à con- fidencialidade de fontes. As últimas colocações estão comCoreia do Norte, Eri- treia, Turquestão, Síria e China, mas isso não representa novidade. O assustador é que a situação se degrada em sociedades que até pouco tempo atrás eram considera- das democracias elogiáveis. As agressões verbais e ameaças a jornalistas na França, por exemplo, chegaram ao seu ápice na polarizada cam- panha eleitoral de 2017, e a levaramao 33º lugar no índice. Em países onde líderes populistas e autoritários che- garam ao governo ou ampliaram sua margem de poder, como Áustria, Itália, Hungria, Polônia, Filipinas e Tur- quia, as coisas vêm se agravando muito e rapidamente. A China está se especializando em exportar tecnolo- Funcionários da Associated Press em Nova York homenageiam os cinco jornalistas do Capital Gazette mortos em um ataque no fim de junho RICHARD DREW/ASSOCIATED PRESS REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 7 foiototaldementirasditaspe- lo presidente Donald Trump entre o dia de sua posse (20/1/2017) e 5/7/2018, segundo tabulação do Washington Post OPRESIDENTETURCORecepErdogan é umdos piores inimigos da liberdade deexpressão. Desdequeuma suposta tentativa de golpe de Estado contra ele ocorreu em 2016, a repressão a veículosdecomunicação independen- tes ou de oposição cresceu muito. Um de seus principais alvos foi o jornal Zaman , que deixou de circular há dois anos, sob a acusação de ter ligações comum clérigo rival exilado nos Estados Unidos. Quase todas as pessoas da redação são consideradas terroristas e 24 fo- ramcondenadasasentençasdeprisão de seis a sete anos, em março. Há outros 17 jornalistas de meios de comunicação independentes pro- cessados por alegações similares e muito provavelmente terão omesmo destino dos colegas do Zaman . Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas, a Turquia é o país que tem maior número de profissionais de imprensa presos. Comos 24 deste ano, são 97, alguns dos quais cum- prindo penas de prisão perpétua. Em junho, Erdogan foi reeleito pre- sidente com poderes ampliados em relação aos que tinha antes. ■ gia de vigilância para controlar atividades de cidadãos que se opõem ao governo e principalmente jornalistas. Tal expertise chinesa já está sendo usada por Tailândia, Vietnã, Sri Lanka, Irã, Zâmbia, Zimbábue. Os Estados Unidos, que caíram dois pontos na tabela (estão agora em45° lugar), são umcaso à parte, porque até 2016, apesar de seus próprios problemas com a liberdade de expressão nunca terem sido pequenos, seu governo costumava denunciar situações mais graves no mundo. Na administração de Donald Trump, Washington dei- xou de se preocupar com violações de direitos humanos, mesmo as mais ostensivas, por parte dos outros, e vem cometendo as suas próprias em escala crescente, como o aprisionamento de crianças filhas de imigrantes que entraram ilegalmente no país. Especificamente em relação à imprensa independente, Trump vemmovendo campanha de ódio semprecedentes. O nível retórico de ofensas, injúrias, calúnias contra veí- culos e jornalistas que não o adulam não para de crescer. O presidente passou a incitar seguidores a insultar com gritos, gestos obscenos e cartazes os profissionais desses veí- culos emcomícios, o que às vezes inviabiliza o seu trabalho. Como a maioria dos fãs de Trump é também adepta do uso de armas, não é improvável que algumdia essa hosti- lidade se transforme em tragédia. Em junho, um homem armado invadiu a redação do Capital Gazette , em Anna- polis, e matou cinco pessoas. A motivação do assassino não foi política ou partidá- ria. Aparentemente desequilibrado mental, o invasor não gostou do que o jornal escreveu a respeito dele anos atrás. Não se pode atribuir a Trump ou seus aliados esses homicídios, mas o clima de intolerância a informações veiculadas pode ter contribuído para a decisão do crimi- noso em agir. ■ Alegação de terror leva 24 jornalistas à prisão TURQUIA Fontes: Reporters Without Borders, Ipsos, FiveThirtyEight, The Washington Post , Pew Research Center Números fortes jornalistas foramassassinados noMéxico em 2017, o que o tornou o segundo país mais letal para a profissão, atrás da Síria 11 14% 4.229 58% empregos em redações foram eliminados nos EUA entre 2008 e 2018 (de 115 mil para 88 mil); a maioria em jornais impressos dos filiados ao Partido Republi- cano nos EUA achamque Trump deve poder fechar redações por má conduta 43% 27 mil dos filiados ao Partido Republi- cano nos EUA diziam confiar na imprensa do país no final de 2017; em2000, essa porcentagementre os republicanos era de 45% dos americanos adultos dizem ler notícias em telefones ou tablets, três vezes mais do que em 2013 ATENTADOSSUICIDAS emmaiomata- ramnove jornalistas emCabul e outro foi morto por um livre atirador na ci- dadedeKhost. Foramosmaiores atos de violência contra a imprensa desde o fim do regime talibã. A imprensa afegã tem se fortalecido nestes anos. Todos os repórteres vítimas eram afegãos, mas trabalhavam para veículos internacionais, inclusive a rede inglesa de TV BBC. A razão dos ataques foi a insatisfação de grupos que se digladiam pelo poder no país com a cobertura dos profissionais assassinados. Esse foi odiaemquemaior número de jornalistas foi morto no mundo desde janeiro de 2015, quando 12 morreram no ataque à redação do Charlie Hebdo em Paris. ■ Ataques a bomba em série matam dez em um só dia AFEGANISTÃO 72% dos americanos dizem acredi- tar que as mídias sociais cen- suram intencionalmente pontos de vista polí- ticos; entre os republicanos, são 86%
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