Revista da ESPM - JUL-AGO_2007

quinas que nos fazem ver, que nos fazem ser vistos e que nos permitem vermo-nos sendo vistos. Mas, afinal, quem observa quem? Porteiros divertem-se com sua contem– porânea ocupação de guardiões de imagens privadas. Assaltantes de c on– domínios de luxo não se esquecem de levar consigo as mais determinantes provas do crime: as fitas do circuito interno de televigilância. A l guns aceitam o convite e sorriem quando estão sendo filmados. Outros adoram fazer gestos obscenos para domésticos panópticos. Alguns olham para todos os lados. Outros desviam os olhos. Alguns preferem não olhar. Há aque– les que nada conseguem enxergar. Outros insistem em olhar para além das superfícies. Todos têm na pon ta da língua a óbvia constatação: imagens visuais assumiram um lugar determinante nas soc i edades contemporâneas. Estamos inexoravelmente cercados por imagens visuais tecnicamente mediadas. Vivemos com o mundo na ponta do olho. O mundo, por sua vez, só nos sabe se nos puder ver. Para que nos veja transformarmo-nos, às vezes a contragosto, em imagens dotadas de visualidade. Estranha mutação. In– versão radical de quaisquer iconoclas– tias, só se ganha materialidade visual abdicando-se de densidade corpórea. Dispensamos o espírito do tempo para mais intensamente mergulhar no espírito do olhar. Se o grande impasse vivido na pós- modernidade e em sua cultura da visualidade, como alertado por Jean Baudrillard, é conseguir encontrar os olhos para ver, é igualmente justo diagnosticar na crescente estetização da cultura um dos mais nodais focos desde onde se abalam os pilares conviviais de sociedades fundadas na negociação entre cidadãos autóc– tones. A crise ética não é estranha a tal cenarização compulsória do social. No universo da comutação, a existên– cia pulveriza-se em bits e a corporali– dade fractaliza-se em imagem. O olhar que possibilita o encontro é o mesmo que reafirma a distância entre os cor– pos e a efemeridade da comunhão. E seguimos nos encontrando: aos solavancos, em trânsito, submersos no transe de uma visualidade exces– siva, nesta erótica das miradas que pode dispensar a erotização do face- a-face. Não há justa medida possível se acei– tarmos que todas as medidas são pos– síveis. Se tudo é cenário, o verdadeiro jogo é aquele que se dá nos bastidores e, astutamente, a indústria midiática, seja ela voltada ao entretenimento ou à informação, esforça-se para trans– formar os bastidores em espetáculo visualmente visível, ao modo de uma neutralização da real percepção do pro– tagonismo que ali possa realizar-se. A s s i m, em uma potente força de homogeneização, amalgamadas pela mesma lógica do espetáculo, tor– nam-se visíveis negociatas políticas, falcatruas econômicas, crises conju– gais de estrelas televisivas. E o que é grave, ao pensarmos no impacto de tal ação, diz respeito, exatamente, à indiferenciação aí gerada, ao convite à indiscriminação da natureza e dos diversos alcances daquilo que está sendo visibilizado. E o que há de positivo em tudo isto? O discurso pós-moderno é uma nar– rativa de denúncia e, em alguns casos, de profundo desencanto ou niilismo. Proponho, finalizando este artigo, que o tomemos em um sentido muito pecu– liar. Penso que pode ser útil, em espe– cial a todos aqueles que trabalham com a Comunicação ou a estudam, em seus variados desdobramentos, perceber a positiva provocação que reside neste modo de olhar para o mundo e para o mundo das imagens, perguntando, in– cansavelmente, sobre o que as imagens fazem conosco. Mas, em especial, e de modo a assumir uma postura assertiva: o que afinal fazemos com o que as imagens fazem conosco?

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