Revista da ESPM - JUL-AGO_2007
"o mu n do se transformou em um grande lago congelado e a nossa vida é c omo quem se desloca em alta velocidade sobre uma fina casca de gelo; se você parar, ela racha, e você morre". Tocqueville, falando da democracia no século XIX, d i z ia que os homens já tinham um natural cansaço c om relação ao c onh e c i– mento e gostavam de repetir o que a maioria pensa. Então, não sei até que ponto a pós-modernidade não é um arranjo teórico para dar conta de uns 300 anos em que a gente achou que entendia e ia transformar o mundo e, de repente, começou a ter dúvidas sobre isso. JR - E será que vamos iniciar um novo entendimento? LIVIA - Eu vejo a pós-modernidade c omo alguma coisa que é fruto de uma reflexão intrínseca ao universo acadêmico. E, nesse sentido, separo o universo acadêmico ame r i c ano do francês. A c ho que os ingleses e alemães estão periféricos nessa discussão - me smo que o Baumann seja alemão e more na Inglaterra. Na verdade, a origem dele é marxista, c om uma visão um pouco negativa de todo esse processo. É mais uma coisa do mundo acadêmico do que, de fato, uma "realidade sociológica". A pós-modernidade serviu bastante para demarcar campos e trajetórias acadêmicas b em claras. Pessoas construíram carreiras em cima disso. Os franceses produziram uma visão profundamente negativa do mundo, c omo é característica dos franceses, e os americanos uma visão muito positiva. "Já que nada deu certo, nós podemos fazer tudo de novo, e agora à nossa moda ". Nesse sentido, de uma perspectiva de cientista social - seja isso o que for -, acho que essas vertentes e tendências que apontam para a pós-modernidade têm pou co embasamento, do ponto de vista empírico. Você descreveu esse isolamento do h omem, essa distância e incompreensão - mas os dados empíricos não sinalizam nessa direção, ao contrário: nunca as pessoas procuraram tanto o c o n– tato, nun ca efetivaram tanto esse contato, através de toda a tecnologia que se oferece hoje. Outra coisa: nunca se encarou tanto a realidade ao invés de se fugir a ela. O Bau- mann fala de um período de idéias, que nunca define, historicamente. É outro problema, porque ele inverte a utopia, põe a utopia no passado, quando, na verdade, toda luta da modernidade foi em busca da libertação da tradição, do pensamento religioso e pelo de s en v o l v imen to p l e no do indivíduo em todas as dimensões. Isso parece adquirir, na pós- modernidade, um sentido negativo. M as n u n ca se d i s c u t iu t an to a pob r e z a, nun ca se discutiu tanto a desigualdade, nun ca se buscou a reconstrução da totalidade h u– mana, c omo na época atual, onde os temas transpassam as fronteiras n a c i o n a is e são d i s c u t i d os em fóruns comuns, buscando soluções em c omum. Se vamos encontrá-las é outra questão. O ambientalismo é uma dessas grandes discussões. Então, não encontramos muita sus– tentação empírica para as questões que parecem dar contornos à pós- modernidade. Esse é o problema. Por exemplo, Bauman afirma que a maioria das pessoas, hoje, vive no princípio do prazer e não da reali– dade. Talvez seja uma visão restrita ao universo de um cientista social que não encontra eco no universo empírico. Essa idéia de que nós vivemos no hedonismo.. Claro que não. Grande parte das nossas vidas é dedicada a horas de trabalho. Nunca se trabalhou tanto. Estou lendo um livro sobre o West End de Londres, no século XIX, de Erika Rappaport.»
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