Revista da ESPM - JUL-AGO_2007

A função social do teatro antigo demonstra claramente a importância da cultura do espetáculo e a sua profunda relação com a política no interior da cultura ocidental. Desde os seus primórdios, o público, o espetáculo e a cultura política no Ocidente formavam um único universo, indivisível, o verdadeiro embasamento da democracia que nasceu, como observava criticamente Platão, como "teatrocracia"', isto é, com o a ditadura do espetáculo e do julgamento popular. Evento considerado fútil pelo s seguidores das verdades e competição im– previsível e entretenimento prazeroso, como o consideravam os cidadãos das antiga s cidades da Magna Grécia, as representações marcaram o encontro entre a comunicação , o espetáculo e a política. Do teatro grego para as competições oratórias no Fórum R oma n o, até os palanques midiáticos da era televisiva, a democracia e a competição política apresentaram-se, no mundo ocidental, na forma de espetáculo público, istoé, de apre– sentação de argumentações submetidas ao julgamento dos espectadores. Como um fio, tal prática se desenrolou no decor– rer da história, aproximando as práticas comunicativas da forma espetáculo com aquelas do habitar e com o processo de construção da cidade, da República ou, em época mais próxima, da Nação. A partir de um ponto de vista comunica– tivo, para que a forma comunicativa do espetáculo acontecesse, era necessária - como mostra a etimologia do conceito de "analógico" (do grego proceder separando) - a instauração da separação entre o emissor e o receptor, isto é, entre o ator, o político, o apresentador de u m programa televisivo e o seu público. Toda a comunicação analógica funciona na medida em que mantém separados os distintos momentos da construção do processo de repasse das informações (emissor, mensagem, meio, canal) e, sobretudo, na medida em que separa identitariamente o sujeito-ator, emissor e iniciador do processo comunicativo, dos sujeitos receptores (público). Teatro, imprensa, rádio, c i n ema e TV construíram a forma analógica do habitar, caracterizada pela difusão de mensagens de um centro emissor para um amplo público e pela divulgação unidirecional das informações. Tal mo d e lo c o mu n i c a t i v o, que per– maneceu presente no decorrer da história nos distintos mome n t os midiáticos, parece, na época contemporânea, c om o advento da comunicação digital, entra r em crise. Desde os reality shows até as comunidades virtuais, ou as formas de construção coletiva de conteúdos c om o YouTube, o entretenimento parece ir em direção a formas mais participativas na s quais, mais do que a recepção passiva de conteúdos, pede-se a participaçã o ativa do sujeito. Apresenta-se muito mais a interatividade, isto é, o diálogo entr e o h omem e a máquina, nestas nova s formas de entretenimento, c om a pré- condição do momento comunicativo, que passa a se desenvolver soment e através da interação dialógica e contínua do internauta que passa a estabelecer a qualidade e a forma de interação. Um exemplo para todos é dado pelos game s e pelos jogos colaborativos on-line que cada vez mais tomam o tempo e a preferência das novas gerações. O pressuposto desta nova cultura midiática é o exato contrário da forma analógica: nela não há como distinguir o emissor do receptor, nem como descrever o processo comunicativo como um evento que possa, por um tempo determinado, atrair o in– teresse de um público de espectadores. Na comunicação digital, portanto, parece necessário substituir o conceito de público por aquele de redes, nas quais o significado e o conteúdo do comunicar não são pré- codificados, mas construídos através de um processo interativo. Mais um exemplo disso é constituído pela mudança da relação com a música que está interessando os jovens e os adolescentes. À diferença das gerações anteriores, estas últimas parecem preferir aos shows de rock às formas sintéticas e participativas da música eletrônica e das festas Raves. Se nos shows das estrelas de rock a apropriação do espetáculo era visual e coletiva, nas Raves, resultado de hibridações artificiais entre música produzida por com– putadores, drogas sintéticas e corpos parece se passar a um tipo de percepção individual e sensorial, a um sentir transorgânico, que nada tem a ver com as formas comunicativas analógicas do espetáculo. Esta passagem da mídia de massa para a personal mídia, do analógico para o digital e do ver para o sentir, não deixará de alterar a natureza da sociedade e os significados da ação política. Falta saber se esta última será substituída por formas interativas e diretas de participação, ou se simplesmente desapa– recerá, pelo menos na sua forma analógica e coletiva, para sempre. 1. Aesse respeito, lembremos das críticas às siracusanas, as competições que irritavamPlatão por permitirem ao público, através da prática do levantar de mãos, escolher as obras melhores.

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