Revista da ESPM - JUL-AGO_2007
sua atividade legislativa primária - definição dos princípios f unda– mentais do ordenamento jurídico -e inoperante no controle das açõe s do Executivo. Tal falência do canal tradicional de representação política enseja a as- cenção do Judiciário c omo proposi- tor de normas de conteúdo flexível e, portanto, mais apto a assumir essa função política, outrora prerrogativa exclusiva do Legislativo. Assiste-se, portanto, na contemporaneidade a um deslocamento intra-estatal da satisfação de demandas sociais do Legislativo para o Judiciário. Desta forma, a comunicação pú– blica envolveria hoje c omo enuncia- dores/enunciatários prioritariamente os agentes do Poder Executivo em d e t r i me n to dos p a r l ame n t a r e s. Estes últimos guardam resquícios de protagonismo em função do tipo de relação que mantêm com os agentes do Executivo. Aqu i, a sociologia das relações de corrupção e a filosofia da ética das relações encontram ter– reno fértil de investigação. Além das ações de governo, a comunicação pública mostra-se também " j u d i– cializada", objetivada em demandas jurídicas e prestações jurisdicionais exibidas como troféus de lutas pela proteção de direitos. Dito de outra forma, o Estado pós- moderno e suas características mar– c am as possibilidades contextuais de sentido do discurso político, dos atos de comunicação públicos. Não se trata, portanto, de falar a partir de uma forma qualquer de Estado, mas de uma forma específica de Estado, que não admite um questionamento dos fins. Luta-se pelo sentido da lei não de forma universal, mas de um sentido aqui e agora, circuns– tancial, casuístico, que é capaz de transformar a vida dos demandantes num processo judicial, mas não da sociedade. Não é apenas o paradigma do Estado que se transforma na pós-moderni– dade. A própria comunicação sofre p r o f undas transformações. U ma revolução paradigmática moderna que hierarquiza o saber e lhe dá a forma do racional c omo sendo ver– dadeiro cede espaço para o razoável diante do novo homem. O fim da metafísica levou não só o Estado, mas as formas de produção do saber em si a se r e v o l u c i on a r em, a se transformarem em função do novo homem. Numa concepção pré-mo- derna, o conhecimento transcende de um plano metafísico para um plano físico da existência. A comunicação pública assume, assim, a forma de discurso racional, de ciência, c om objeto e método próprios, crente de que a sedução das massas em direção às boas razões é mera questão de demonstração, de esclarecimentode razões preexistentes ao próprio homem, de razões incrus– tadas na realidade das coisas. Como se houvesse uma realidade exterior ao próprio homem, ou c omo se a mente humana fosse um espelho que captaria a verdade a partir da razão. Eis a comunicação pública como es– clarecimento. Desalienação alienada. Como a voz de Deus, que se confunde com a voz do povo, pois a voz de Deus é a voz da razão e esta está em todas as mentes, inata, no povo. Conhecer a política é desvendá-la e não criá-la. Nesse s en t i do, as grandes estratégias de comunicação pública se r i am as estratégias da demonstração da razão pública, entendida esta, por sua vez, c omo a razão que permite c o n h e c er o futuro. Ao mesmo tempo em que se demonstra a boa razão, deveria evitar o mal, o engano, o irracional. O discurso " do b em" deveria impor razões públicas às emoções p r i– vadas. Porém, é condição de eficácia de tal discurso mostrar-se não c omo construto da mente criativa, mas c omo argúcia da mente esclarecida, racional. A eficácia do discurso seria diretamente relacionada, portanto, c om a sua racionalidade, sua lógica interna, o resto seria bom senso. Haveria a hipótese do mau discurso, ou discurso do mal. Aque le voltado para a persuasão, para o engano, que teria c omo condição de eficá– c ia o travestir-se de b oa razão. Seria a retórica, o uso de técnicas de construção do discurso, de or– ganização dos argumentos visando sustentar um conteúdo - irracional - que por si só não se sustentaria . Um discurso que, sem as artificiali- dades das técnicas retóricas, sem as suas "razões", não se impo r i a c omo r a c i on a l. A condição para identificar o bom do mau discurso é a crença na existência da boa e da má razão. Crença numa razão metafísica, pura, que permitiria a percepção da verdade efetiva das coisas, e de uma razão ardilosa, de um mero estratagema. Dito d e outra forma, o b om discurso seria racional em sua estrutura (organon) e seu objeto; já o mau discurso na política seria racional apenas e m sua estrutura.
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