Revista da ESPM - JUL-AGO_2007
na, da flora, da parentela - não mais o sujeito. É onde quero chegar . Criticam-me por dizer isso, é escan– daloso; mas reafirmo que não se deve mais trabalhar com base nessa idéia de um sujeito agindo sobre um objeto. Esse foi o bê-á-bá da filosofia ocidental. Como Descartes, diria: O homem, mestre e senhor da natureza. E, além do mais, c omo expliquei ontem, homem no sentido de esper- mático, fálico. O que me parece estar emjogo, de algum modo, é essa perda do sujeito dentro de um conjunto mais vasto - a invaginação do sentido, que remete ao fato de que isso retorna ao oco, ao buraco, à terra, à mãe-terra. Talvez se devesse abandonar essa concepção de um subjetivo agindo sobre um objetivo, o mundo. A idéia que proponho, no meu último livro, é a idéia do trajetivo. Não mais o sub- jetivo agindo sobre um objeto, e sim a reversibilidade, o feedback. Morin diria a ação/retroação. Mais uma vez: vocês poderão e n – contrar, na publicidade, expressões dessa trajetividade. Não mais pensar na publicidade no sentido da aliena– ção, de que eu crie tal anúncio para influenciar o público (essa ainda é uma concepção simplista), mas como um vai-e-vem. Uma ação publicitária não funciona senão porque vai cor– responder, de fato, àquilo que virá a ser. É preciso abandonar a noção de sujeito, assim como a de objeto. Não é mais preciso ter medo da técnica. É preciso não ter mais medo de nada emgeral. Tudo que existe é permitido. Quanto à técnica, quando vemos sua elaboração no século 19 e até a inter– pretação heidegeriana, é justamente aquilo que é o motor do sujeito agindo sobre um objeto. A técnica é aí o ele– mento mediador para dominar a na– tureza. Vocês conhecem a expressão de Hegel quando diz: "Fazer parte da astúcia da razão"? C omo vocês traduziriam isso? Astúcia, artimanha? É como a razão consegue fazer algo diverso daquilo que estava previsto. Parafraseando essa idéia hegeliana, eu me refiro a " uma astúcia da técnica". Como a técnica - que se inscrevia no âmbito desse desencantamento do mundo - está em vias, atualmente, de participar de um re-encantamento do mundo? Aparentemente, a idéia da tecnologia é que isso se realizou e tornou o mundo frio. Mas, graças à tecnologia, essa é a nossa maneira de reaquecer o mundo, se posso me expressar assim. Um e x emp lo mais preciso: a ex– pressão de Max Weber - traduzida em francês, e acho que em português, como "desencantamento do mundo", Entzauberung der Welt - deveria ser traduzido c omo desmagificação do mundo. Antes, algo que remeteria aos pés da razão, pelo fato de não haver mais magia. No meu entender, c on– temporaneamente, a técnica remete a uma remagificação do mundo. Vejam a relação que temos c om o nosso computador, ou nosso telefone celular - são relações mágicas. Se o computador não funciona, a gente xinga, agride o computador. Desen– volvemos uma relação emoc i onal com um objeto. Poderíamos examinar uma quantidade de exemplos onde há algo, em relação a esses objetos técni– cos, que é da ordem do pensamento mágico. Nisso reside uma pista, que mostra concretamente que não se está mais dentro da dialética do sujeito e do objeto, mas que há outra relação, mágica. Não possuímos um objeto - somos possuídos por ele. Isso no s força a rever a questão, que, não é mais o de um sujeito agindo sobre um objeto, e sim, como disse há pouco - a idéia de trajetividade. Nossa relação com o mundo, aquilo que eu dizia no início - não mais o mundo c omo sendo mau, sujo, imundo - mas c omo sendo aquilo com o qual eu preciso lidar. Aquilo como vocês dizem, com o qual eu so u obrigado a "me virar" . JR - No Brasil, "se virar" leva à noção do jeitinho... MA F F E S O LI - Jeitinho? Talvez o "jei– tinho" pudesse ser outra relação dessa ordem. A expressão francesa para jei– tinho é "biais, avoir un biais". Quando alguém tem "le biais", quer dizer que sabe se virar, dar um jeito ou contornar a administração. A palavra biais em latim significa "bi-axis", um duplo eixo. Portanto, não mais simplesmente uma verticalidade, uma coisa que é ao mesmo tempo brutal e simples, e sim algo que tem um duplo eixo. Não há mais uma relação simples com o mundo, que é simplesmente dominante, mas a inserção em um duplo eixo, na bi-axialidade. Portanto, a técnica não tem um eixo único: a verticalidade, a dimensão fálica dos objetos contundentes, mas existe, de fato, uma pluralidade.
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