Revista da ESPM - JUL-AGO_2007

Um outro elemento do pólo trágico é o fatalismo. Na religiosidade dos iorubas - o componente africano majoritário na população brasileira - existe u m elemento de fatalismo, de predesti– nação, muito forte. E esse fatalism o é cada vez mais dominante por toda parte. Durante o século 20, pensamos - com Marx e Freud - que tudo podi a ser feito, que o destino de um homem estava ligado à sua classe social, à sua educação, às suas experiências durante a infância; enfim, pensava-s e poder intervir sobre isso, em relaçã o à classe, à educação, tudo isso. Hoje, predomina a genética. Dizem-nos que o destino de cada um de nós é, fundamentalmente, programado. O s geneticistas usam uma imagem interes– sante: cada um de nós é como u m rolo de filme fotográfico não revelado. Obviamente, o modo c omo voc ê irá revelá-lo, o modo de imprimi-lo , podem variar um pouco. Mas, no fundo, tudo está ali, programado. A comunidade científica mundial - em grande maioria - acredita que 8 0% de nós dependem do determinism o genético. Não disponho de dados para saber se isso é verdadeiro ou falso. Mas afirmo que, obviamente, isso altera a percepção que cada um de nós te m de seu destino. E o fatalismo é também a astrologia. De uma maneira menos científica e menos racional, olhamos , hoje, para as estrelas. Este grande re– torno da astrologia também faz part e dessa atmosfera de fatalismo, que está em toda parte. Esses dois pólos - o carnaval de um lado e os riscos do outro - interagem e se reforçam mutuamente. É clás– sico. Historicamente, nas cidades européias, a Peste foi sempre uma ocasião para a orgia. Porque a Peste, é claro, a iminência da morte, leva a aproveitar o momento, o instante presente ao máximo possível - carpe d i em. Amanhã, pode r emos estar mortos. Portanto, v amos viver o agora. Há uma descrição de Daniel Defoe - o autor de Robinson Cru- soe - sobre a peste em Londres, no ano 1665, onde conta c omo, em uma casa, havia gente morrendo, enquanto, na casa ao lado, desen– rolavam-se orgias e bacanais. Nos Estados Un i do s, há uns dois meses, houve essa polêmica sobre An na Nicole, uma pin-up girl que se casou c om um homem muito rico, que tinha 99 anos e morreu. An na tornou-se uma heroína da pub l i c i– dade, da arena, mas também ficou doente e morreu. A mídia americana ficou em polvorosa: dedicaram ao acontecimento transmissões ao vivo na C N N, boletins urgentes, e por aí vai. Depois, houve uma questão sobre a herança, depois o noivo, en– fim, vários episódios de uma história complicada e picante a que foi dada amp la cobertura. Passados alguns dias, os jornais mais sérios - como o The N ew York Times - começara m a questionar: é possível que um país c omo o nosso, que está em guerra no Iraque, enfrentando tantos pro– blemas, internamente e em escal a mund i a l, d e d i que tanto espaço à A n na N i c o le Smith? A resposta , obviamente, é SIM. Essa é a conse– qüência direta, é óbvio! Por estar em guerra, por ter a peste, é que se vai em busca da orgia. Todos vão querer se debruçar o máximo possível sobr e |b caso A n na N i c o le Smith! Se entrarmos na dimensão política, o resultado dessa espiral do carna– val é conseqüência da evolução d o político: de certo modo, poderíamos dizer que Clinton foi a face alegr e da brasilianização, e Bush a sua face triste. C om C l i n t on eram o s hambúrgueres, os escândalos se– xuais, a ética cigana burguesa, tudo o que foi produzido pela cultura dos anos 60 e que o levou ao poder nos Estados Unidos: era a face alegre, o pólo do carnaval - se preferirem - da brasilianização. E o Bush, po r sua vez, é o pólo trágico, a guerra, o terrorismo, a parte trágica. Na Itália, temos um personagem extraordinário, que consegue reu - nir em si próprio os dois pólos de maneira genial. Esse gênio é Silvio

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