Revista da ESPM - JUL-AGO-2011

F lasse média é tudo o que se encontra en- caixado entre ricos e pobres. Essa posição “média” é, por definição, relativa e pode ser medida de diferentes maneiras – nem sempre com os mesmos resultados. O Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getulio Vargas, classifica como classe média as famílias que ganham, em termos reais, R$ 1.115 ou mais por mês. Por esse critério, estaria aí mais da metade dos brasileiros. Pode-se argumentar que esse piso de renda é muito baixo para o ingresso na classe média. Adotando-se um corte mais alto, de R$ 4.807 por mês e acima, a classe média encolhe para cerca de 15% da população. O primeiro segmento corresponde à classe C (pelo Critério Econômico Brasil, da Associação Brasilei- ra de Empresas de Pesquisa) e o segundo, às clas- ses A e B. Ou, para usar termos correntes, à “nova classe média” e à “classe média tradicional”. O que as diferencia é a proximidade em relação aos ricos (o 1% no topo da distribuição de renda), ou aos pobres (as classes D e E). Para a nova classe média, a questão central é a sustentabilidade da recém-conquistada posição social. A nova classe média tem origem recente e sua emergência coincide com a abertura da economia e o controle da inflação. O maior acesso à educa- ção e às mudanças no mercado de trabalho, alia- dos à política de aumento real do salário-mínimo e aposentadorias e programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, são as principais causas de sua ascensão. É no consumo que se traduz mais claramente essa ascensão meteórica. Complementando os ganhos de renda com farto crédito ao consumidor (e, em anos recentes, com crédito imobiliário), dezenas de Ponto de vista ES PM milhões de famílias passaram a emular os padrões de consumo da classe média tradicional. Carro, ele- trodomésticos, educação e saúde, TV a cabo, viagens ao exterior e, principalmente, casa própria, são seus objetos do desejo. Há, no entanto, uma diferença básica. Quando se pergunta o que significa ser de classe média, a res- posta quase sempre inclui, ao lado da casa própria, o diploma universitário, profissão de prestígio e padrão de vida estável. São todos indicadores de um alto potencial de geração de renda. Mas a nova classe média nem sempre conta com fontes estáveis de renda ou patrimônio e ativos produtivos (inclusive educação e capital físico na forma de equipamentos, seguros etc). Tampouco é rica em capital social, isto é: vida associativa, ampla rede de contatos pessoais e conexões com o aparato governamental. É aí que reside o perigo: emular padrões de consumo que, há pouco tempo, estavam aquém de suas possi- bilidades exige endividamento que uma reviravolta financeira pode transformar em inadimplência; uma crise econômica ou o desemprego pode levar a família a resvalar novamente para a pobreza. Por certo, os filhos da nova classe média encon- trarão condições bem mais favoráveis no futuro. Deverão também identificar-se mais com os valo- res da classe média tradicional. Mas há um senão. Cada vez mais excluída dos serviços e benefícios públicos, os quais são focalizados nos mais pobres, essa classe nutre aversão profunda à combinação de altos impostos e a necessidade de pagar por serviços que, teoricamente, o Estado deveria fornecer, como educação, saúde e segurança. Por uma ironia da história, são valores que rechaçam os mecanismos e as políticas públicas que viabili- zaram a ascensão social de seus pais. Amaury de Souza - Sociólogo e cientista político. Seu livro mais recente, A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade , em coautoria com Bolívar Lamounier, foi publicado pela Editora Campus em 2010. AMAURY DE SOUZA Classe média: velha e nova C

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